Dificil entender porque aquela especie de sexo estranho nao voltou a se repetir entre Jonas e eu. O que se seguiu nos outros dias foi um silencio ainda mais acentuado entre nos dois, porem nem tao constrangido como eu esperava. Ele parecia querer esquecer aquilo, e por minha vez, eu nao tinha a intençao de fazer de novo, embora tivesse sido algo muito bom. Se ele queria voltar ao ponto de antes, que voltasse, eu nao me importava.
A depressao continuava, contudo nem tao severa, nao ao ponto de me colocar de cama. Quando retornei ao trabalho com o final das ferias, era um homem mais cabisbaixo e calado do que antes, triste na maior parte do tempo. Infinitamente triste. Mas sem pensar novamente em suicidio. Meus pontos estavam entregues em vida, mesmo. Nada mais importava pra mim, fosse a vida ou a morte. Tanto fazia uma quanto a outra.
Retornando às aulas na mansão da familia do Gui, eu vinha com ansiedade e medo em revê-lo. Medo do efeito que sua presença me causaria, ansiedade por me encontrar com ele de novo. O que me recepcionou, entretanto, foi a ausência dele nas duas semanas em que lá fui. Ele era esperto, queria me evitar e fugia para a rua antes do horário de nossas aulas. A mãe dele se desculpava, prometia prendê-lo em casa, e eu mesmo sabia que aquilo seria inútil. Como se prendia aquela força indomável? Seria como tentar impedir uma tempestade.
Na ultima vez em que là estive a mae, muito constrangida, informou que o Gui exigia que eu fosse dispensado das aulas, que contratassem outro professor para ele pois dessa vez prometia se dedicar às liçoes. Os pais cederam.
- Sinto muito, professor Eduardo - a mae dele falava como quem nao tinha onde enfiar a cara, totalmente à merce de um molecote de quinze anos - Ele reclama do senhor, diz que se porta severamente com ele, que o sobrecarrega de liçoes... Nao gosta do senhor, infelizmente. E fica dificil para ele ter um bom rendimento assim, convenhamos.
" Ele nao gosta do senhor ". A frase ecoava na minha cabeça, estalando como uma chicotada. Como doia ouvir aquilo!
- Eu entendo - dei um sorriso muito sem graça, sem conseguir esconder meu desapontamento - Realmente, meu sistema de ensino talvez seja alem do que ele pode suportar... Bem, agradeço por tudo. Desejo sorte ao novo professor, e sucesso nos estudos ao Guilherme.
- Obrigada pela compreensao. Dessa vez vamos optar por uma professora, achamos que uma mulher saberà lidar melhor com ele.
Essa ultima informaçao me aliviou um pouco, porque meu ciume ainda era aquele besouro que insistia em cavar dntro de mim, o tempo todo. Uma professora! Nada de outro homem fechado com ele no quarto, a quem decerto o garoto seduziria, como fez comigo... E o namoradinho ridiculo? Serà que ainda estavam juntos? Patetico. Duas crianças brincando de fazer sexo.
Com um tempinho livre, jà que tinha sido dispensado, passei na rua Augusta, olhando para dentro das lanchonetes pela calçada, na esperança de ver o Gui. Esforço baldado: nenhum sinal dele. Devia estar na casa do "namorado". E eu como um trouxa andando por uma hora por aquela rua, espiando os estabelecimentos feito uma pessoa mal intencionada. Maldita a hora em que aceitei lecionar para aquele menino, aquele esboço de canalha depravado.
À noite, em casa, resolvi retomar com o aprendizado de Jonas. Liguei o tocador de long-play bem baixinho, em La Traviata, de Verdi, enquanto o moço se acomodava na mesa para a liçao, quieto, meio encabulado.
- Chega de atrasar suas aulas - disse, me sentando ao lado dele - Onde foi que paramos?
Estudamos por cerca de uma hora e meia, e logo ele parecia mais falante e interessado. Aquele era um bom aluno, desses que faziam gosto no professor. Dedicava-se à materia com afinco
Havia uns momentos esquisitos entre a gente. Por duas vezes, enquanto eu nao estava olhando, eu tinha a impressão de que ele me fitava demoradamente, desviando o olhar quando eu o encarava. Ele nao tinha esquecido daquela noite, claro, mas era um matuto e nao sabia lidar com um desejo decerto novo. Achei engraçado aquele jeito dele, e resolvi deixá-lo fazer como quisesse. Um animal arisco, ia se acostumar aos poucos. Pois se tivesse de fugir, já teria fugido.
Em certa noite gelada e seca do final do mês, Guto interrompeu nossa lição e veio todo esbaforido contando uma historia tenebrosa. Os milicos pegaram uns caras da UNE na noite passada e boatos davam conta de que alguns deles já estavam delatando os companheiros envolvidos na revolta, falando quem tinha ou nao participado do grupo e quem pretendia seguir para o Araguaia, para a guerrilha, como Leandro. Dentro em breve os fardados estariam batendo às portas das familias dos integrantes do movimento estudantil, forçando-os a confessarem onde estavam escondidos os revoltosos. Era um estranho boato, mas um risco grave para nós.
- Nao duvido de que venham te procurar, Edu - falou o Guto, assustado - Aqueles merdinhas da UNE sabiam onde o Leandro vivia, e que morava com voce. Conheço alguns deles. Se abrirem o bico, logo os milicos estarao aqui na sua casa, e talvez ate te levem com eles...
O que fazer? Ir embora, claro. Olhei para Jonas com certa apreensao, e ele estava assombrado com o caso todo, embora certamente nao entendesse quase nada.
- Vou sair da cidade agora mesmo - resolvi, sem outra opçao - Posso ficar no sitio do meu pai ate essa situaçao toda esfriar. Guto, voce avisa o pai da Carla que ficarei afastado aqui da casa por um tempo, mas deixo com voce o dinheiro do aluguel, certo?
Havia outro problema: Jonas. Onde ele ia ficar? No pensionato do Guto seria impossivel, nao tinham vagas. E nao dava para ele correr o risco de passar aquela noite na casa e ser pego pelos militares.
- Nao sei se consigo arrumar um local para ele ainda hoje - disse Guto assim que levantei aquela questao - Posso ver com um colega, talvez...
- Eu me viro - respondeu Jonas - Passo a noite em qualquer rodoviària por ai...
- Mas esta muito frio - falei, sem ver senao uma soluçao - Escute, voce viria comigo para o sitio de meus pais? Acho que nao tem muita escolha, agora. Depois, voce resolve quando volta.
Ele me fitou, confuso, mas aquele era um beco sem saida por enquanto. Nao havia muito o que refletir, nem tempo para isso.
- Se eu nao for incomodar... - disse ele, sem jeito - Acho que vou.
Certo. Agora era arrumar as malas, apressadamente, antes que o ultimo onibus parasse de circular. Que raiva do Leandro! Mesmo distante, me causando problemas, obrigando pessoas inocentes a fugirem como criminosos por causa de sua quimera, seu sonho socialista. Maldito lunàtico.
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Obrigada, povo! Legal que estejam curtindo :)
Opinem, vamos là!
Abraçsos em todos.