Daquele seu jeito calado, tranquilo e simples, Jonas fazia sua parte para que eu me esquecesse do Gui. Uma tarefa ingloria, diga-se de passagem, e praticamente impossivel: ainda que distante, o garoto me escravizava os pensamentos e sentimentos todas as horas, me tirava o sono, me mutilando com um desespero fisico em reve-lo, em tocà-lo nem que fosse apenas uma vez.
Na eterna elipse de nossas relaçoes, Jonas vinha de mansinho me beijar quando nos viàmos sozinhos em algum canto ali da casa, ou à tarde, depois do serviço, quando ele tomava banho e me chamava para dar uma volta com ele ao longo da propriedade, percorrendo o carreadouro bem na beira da estrada poeirenta, roçando a pele no milharal seco e farfalhante, e o moço encostando sua boca na minha, pedindo com os olhos cautelosos "pemissao" para aquilo.
Mais embaixo, descendo uma ladeira de relva irregular, pontilhada de flores cor-de-rosa de sensitivas, entramos numa pequena alameda de arvores velhas. O vento frio fazia chover sobre a gente folhinhas miudas e amarelas que grudavam nas roupas e nos cabelos; por detras dos troncos nodosos, recobertos pelo musgo seco pelo inverno, avistava-se ao longe o sol se pondo no horizonte palido, sujando de alaranjado vivo o ceu limpo.
O casal de velhos lá em casa, os peões jà longe, à caminho da cidade, indo embora à pé. Final de dia e Jonas e eu sozinhos naquele recanto rural, andando lado a lado, calados. De subito, os dedos dele tocavam de leve nos meus, afastavam, tornavam a tocar e finalmente ele os prendia, brandamente. Maos dadas,como namoradinhos adolescentes. Gui nao faria assim com o garoto riquinho. Nao era do feitio dele essa ingenuidade sentimental.
Ocultos e escorados pelo tronco do jequitibà, nos beijàvamos enquanto o sol se punha, alternando os movimentos de nossos labios entre leveza e vigor, como homens de fato, viris. Eu me abaixava e percebia depois que o penis dele ainda guardava o odor de sabonete barato do banho. Como ele gostava da felaçao! Segurava-se no caule da arvore com força, urrava baixo, gemia e suava; cuspi um pouco do esporro, deixando no chao sobre o tapete de folhinhas caidas e ciscos a saliva misturada com aquele semen branquissimo que ele possuia.
Voltamos ao escurecer, antes que meu pai viesse atras de nos. A desculpa que davamos era a de olhar a ceva que fizemos no rio para os peixes. Antes de chegar em casa, perguntei muito cautelosamente ao Jonas se ele era virgem. O rapaz corou muito, nao me olhou nenhuma vez, e em voz baixa respondeu que era, completamente. Naquela idade! E atraçao por homens? Sempre tinha sentido? Respondeu que nunca sequer pensara nisso.
Pensei em falar com ele sobre "aprofundar" nossa relação íntima, porem me calei. Isso naturalmente partiria dele, quando estivesse pronto e à vontade. E eu nao tinha ilusões. Mesmo que tivessemos um sexo completo, nada superaria o Gui, nada me faria esquecê-lo.
Num certo dia fui à cidade. Precisava telefonar ao Guto e pedir-lhe uma penca de favores. Disquei do telefone publico para o trabalho dele (a redaçao decadente de um jornaleco de variedades) e fui atendido no segundo toque. Comuniquei que estavamos bem, Jonas e eu, e que necessitava voltar para a capital, jà que estava fora fazia um mes. Quando precisei sair praticamente fugido de là, escrevi às pressas uma carta à direçao da Escolinha onde eu lecionava, pedindo uma licença para tratar de "problemas de saude"; incumbi Guto de levar a carta, e agora pedia a ele que fosse ver minha situaçao na Escolinha, se eu seria readmitido ou nao. Pedi tambem que arrumasse com alguem um emprego para Jonas, jà que ele manifestara intençao de retornar comigo à cidade; e, afinal, que me arranjasse outra casa para alugar. Pretendia me mudar assim que chegasse. Nao dava mais para correr o risco de os milicos baterem là qualquer dia.
- Esta tudo como voce deixou - disse Guto ao telefone - Passo por ali a cada tres dias. Se lá estiveram, nao deixaram vestigios.
Assim mesmo eu tinha receio, muito receio. Agradeci imensamente ao Guto, por antecipaçao, e avisei que voltaria dentro de uma semana. No Buick velho do meu pai, retornei para o sitio, no caminho dando carona para dois garotos que iam pescar para os lados da Fazenda Sant'Ana, onde abundavam açudes e riachos. Vim conversando animadamente com eles o tempo todo; eram irmaos, estudavam na escola rural por ali e juravam que aprendiam bem e de tudo. Eram alegres e vivazes. O caçula tinha onze anos, magrelinho, pàlido, com marcas recentes de catapora no rosto, um cabelo eriçado e queimado de sol. O mais velho estava para completar dezzeseis, mas ainda franzino, pouco desenvolvido; dono de uma beleza talvez mal encoberta, como que despontando, branco de cabelos pretos anelados e cheios, a boca rubra feito tivesse febre. Usava um calçao de brim marrom, e seus joelhos ossudos despontavam nas pernas com poucos pelos escuros. Como estivesse sentado ao meu lado, sentia emanar dele um odor estranho que misturava casca de laranja e naftalina. E levavam mesmo consigo algumas laranjas, dentro dum saco de plastico sujo; talvez as tivessem roubado na beira da estrada. Esse garoto me incomodava, eu me sentia inquieto. Aqueles olhos muito escuros, como uma sombra prazerosa e prometida, a boca bem desenhada e vermelha, e ainda aquele jeitinho de quem tinha curiosidade, mas ainda de nada sabia... Um jovem deus campestre a ser lapidado. Imaginei-o banhado, todo perfumadinho, com aquele rosto de menino ingenuo, em cima de uma cama... O paraiso pederasta. Ideal para homens pervertidos como eu. "Entre e goze à vontade, Edu. Ensine toda a arte à essa criança, crie um novo Guilherme, mas de melhor temperamento". Excitaçao com meninos menores de idade, ainda cheirando à infancia... Nao era apenas com o Gui. "Jesus! ", pensei, horrorizado com meus pensamentos, deixando afinal os dois irmaos numa curva de estrada que levava à Fazenda. Senti-me mais aliviado, mesmo dirigindo de pau pulsando dentro da calça ate quase chegar em casa.
Ao almoço, contei aos meus pais e a Jonas sobre a conversa com Guto, deixando claro minha intençao de ir embora em uma semana, no maximo. O perigo jà tinha passado, eu achava, e de todo modo encontraria logo outro lugar para morar. Ainda temerosos, os velhos perguntaram se eu nao queria esperar mais um pouco, ao menos uns dez dias, no entanto recusei. Se demorasse muito a voltar era bem capaz de perder meu posto na Escolinha, e emprego nao andava facil.
Jonas me ouviu calado, como sempre. O que ele iria dizer? Sabia o motivo de minha pressa de regressar à capital, conhecia isso de cor. Julguei ver uma vaga sombra de melancolia passar por seus olhos bonitos, e soube entao que naquela tarde nao haveria passeios pelo sitio, nem beijos ao som do vento.
Eu precisava com urgencia rever o Guilherme, senao ia enlouquecer.
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Que bom que estao gostando! Fico super contente, pessoal :D
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Um grande abraço!