(6)
Eu não conseguia pensar muito, meu tornozelo doía demais, ele mais que depressa juntou minhas sacolas e pôs em cima da calçada. Com uma facilidade que me impressionou me colocou no colo e me levou até um banco da praça, sabe aquele momento em que você sente o mundo indo em câmera lento ao teu redor e a única coisa que ouvir e muito bem naquele momento foi ele dizer:
- Será que não poderíamos nos encontrar como pessoas normais, apertando as mãos ? Sempre tem que ser um querendo passar por cima do outro? - disse ele com uma voz grave e viril, olhando nos meus olhos como se quisesse ver minha alma.
Senti meu estômago revirar, coração acelerar, meus olhos encherem de lágrimas, agora não mais pela dor mas, por ele ter se lembrado de mim e ter me reconhecido. O que me despertou daquele momento foi a dor em meu tornozelo que quando olhei estava bem inchado. Felipe perguntou se eu estava sozinho, disse que sim e que meu carro estava próximo a praça, dei as chaves a ele e ele levou todas as minhas coisas, pegou uma corda em meu porta malas e amarrou sua bicicleta em cima do carro. Quando voltou disse que teríamos que ir ao hospital ver se tinha quebrado alguma coisa. Novamente ele me pegou no colo e me levou até o carro, pude então sentir o cheiro dele, não consegui me conter dei uma bela cheira no pescoço dele, foi involuntário, foi como se naquele momento não houvesse outra coisa a ser feita que não fosse sentir aquele cheiro... E que cheiro, Felipe riu e disse:
- Estou suado, me cheirar não e uma idéia muito boa agora - e riu.
Chegando ao hospital, fui atendido e liguei pra casa pra avisar o que tinha acontecido. Minha mãe surto, parecia que eu tinha 4 anos de idade e tinha sido empurrado no parquinho da escola, acalmei ela e disse que estava bem e com Felipe. Nessa hora eu acho que era melhor eu ter falado que estava no CTI rs. Minha mãe surto ainda mais e disse que estava chegando, de fato acho que ela veio de vassoura ou teletransporte, ela já chegou com aquela afobação de Mãe querendo saber se eu estava bem, se eu voltaria a andar. Olhei pra ela até meio assustado, afinal ela estava exagerando demais, ela nem havia notado Felipe no quarto. Também quando ela notou, parecia ter visto o capeta, ela mudou completamente o semblante, fiquei desconfortável e falei que ele havia me socorrido por que se eu falo que foi ele que me atropelou acho que teríamos uma morte ali, ela então perguntou:
- Socorreu mesmo ou ele que atropelou? - disse ela com a cara fechada, era visível o ódio que ela sentia de Felipe e o que mais me impressionava é como ela sentia o cheiro de mentira no ar.
- lógico que ele me socorreu mãe, por minha sorte ele passava de bicicleta na hora e me ajudou, o cara que me acertou não parou nem para saber se eu estava bem. - disse eu, ainda tentado disfarçar.
Felipe percebendo a situação disse que aguardaria do lado de fora do quarto. Tive que perguntar o que havia sido aquilo, porquê ela havia tratado Felipe daquele jeito. Ela não me respondeu mas conhecendo a mãe que tenho, sabia que havia coisa errada. Fui medicado, não precisei imobilizar o pé e Felipe retornou ao quarto para me ajudar. Era incrível como cada toque dele era uma descarga elétrica no meu corpo, ele iria me pôr no colo de novo e me levar ao carro mas quanto olhou para a cara da minha mãe acho que ele desistiu, acho que até eu desistiria. Felipe nos deixou em casa e eu queria conversar com ele mas, minha mãe não saia do nosso pé, após ficar em meu quarto ela agradeceu a Felipe e disse que queria que eu descansasse. Como sabia que tinha coisa nisso, assim que saíram corri a porta e ouvi quando minha mãe disse que Felipe não voltasse mais a nossa casa e não estragasse nosso final de ano. Felipe por sua vez respondeu apenas pedindo que ela desse notícias minhas. Achei tudo aqui muito estranho porém ainda sentia dor, fiquei em meu quarto e pude sentir em minha camisa o perfume de Felipe. Aquele cheiro era melhor que qualquer analgésico, era como se funcionasse como transporte que me levava a um mundo onde existia apenas eu e ele.
No final da tarde desci à cozinha, afinal tinha muita coisa pra fazer e mesmo com a minha mãe falando horrores que eu devia ficar deitado, fiz tudo que precisava fazer e certo momento foi inevitável tocar no assunto Felipe.
- Mãe e impressão minha ou a senhora esta com raiva do Lipe? - perguntei sem nem olhar pra ela, já imaginava a cara que ela estava fazendo.
- Não tenho nada contra ele. - respondeu seca, direta e reta...
Tentei arrancar algo dela mas, nada. Então terminamos tudo, subi tomei um banho. De forma instintiva me arrumei como se fosse ter meu primeiro encontro. Desci fiquei na sala com meu pai pondo a conversa em dia até que somos interrompidos pela campainha. Meu pai fez menção de levantar porém, levantei correndo e nem lembrava da dor, minha intuição nunca falha e não foi dessa vez que ela me deixou na mão, era ele, lindo com aquele sorriso que me fazia esquecer do resto do mundo. Eu acredito que toda vez que eu o via, fazia aquela cara que a Dona Florinda faz ao ver o Professor Girafles era inevitável.
Ele entrou sentou e ficamos conversando sobre os tantos anos que não nos víamos. Logo minha mãe chegou à sala e não fez muita questão de ser simpática indo logo para a cozinha. Aquilo me intrigava por que se meu pai tratava Felipe como um filho por qual razão minha mãe não o fazia da mesma forma?
Por fim falamos sobre o incidente que havia ocorrido de manhã e de imediato sustentei que Felipe havia me socorrido. Meu pai o agradeceu e perguntou por que não iríamos dar uma volta pela cidade e ver a decoração de Natal, pude então ver os olhos de Felipe brilhar e confesso que aquele convite do meu pai me fez corar de leve o rosto, me sentia como um adolescente. Preciso nem falar que minha mãe foi totalmente contra mas meu pai a convenceu.
Saímos e fomos de carro até a área central, ainda conversamos sobre muitas coisas e ele me contava empolgado sobre sua vida na Austrália. A alegria de estar com ele de novo e ver que nada havia mudado entre a gente me fizeram esquecer por completo de Emilly e inclusive ele não a citou em momento algum. Quando chegamos ao centro da cidade pude ver que meu pai tinha razão, a cidade estava linda, por estarmos próximos a serra o clima era muito bom frio o que fazia com que as pessoas se vestissem bem dando um tom ainda mais alegre e bonito a noite. Olhando tudo aquilo comentei sem pretensão:
- Imagina ver tudo isso lá do Cruzeiro, deve estar mais lindo ainda - disse ainda encantado.
O cruzeiro era no alto de um dos morros mais altos e da a vista era de toda a cidade.
Ele me puxou pelo braço e meio que correu.
- Ai ai ai... Esqueceu que alguém me atropelou hoje de manhã? - disse eu realmente sentido bastante dor.
- Desculpa, não foi por querer mas, agora fiquei curioso pra ver isso lá de cima... - disse ele parecendo uma criança que havia visto um pode de balas em um lugar inacessível.
Na verdade as intenções dele eram outras, mas aceitei. Confesso que senti muita dor pra subir, não foi fácil mas lá em cima foi tudo compensado. A visão era mesmo incrível, toda a cidade estava com uma iluminação extra, brilhante, com cara de Natal. O frio era algo que não podíamos ignorar, se lá em baixo faziam uns 20 graus em cima faziam 10 graus. Sentei meio que por obrigação a dor era forte, Felipe sentou ao meu lado e passou seu braço por cima de minhas costas chegando mais perto de mim. E começou:
- Naquele dia em que você foi embora, eu não conseguia entender muito o que estava sentindo. Era o meu "marido" indo... Era a única pessoa que eu tinha até então. Senti meu mundo desabar, minha mãe sempre me perguntava o porque de tanto sofrimento de tanto eu chorar ate o dia que falei que sofria tanto, porque você era meu marido. Levei a maior surra da minha vida entretanto aquela surra não doeu tanto quanto te perder. Eu sempre pedia pra ir te visitar mas minha mãe negava, dizia que você não poderia receber visitas na casa da sua madrinha. Os anos passavam, você não vinha mais me ver e então surgiu o intercâmbio. Aceitei pois não tinha a mínima vontade de ficar naquela casa, cada lugar me lembrava você e tudo que nos fazíamos. No avião chorei as 12 horas de vôo, estava indo para um lugar novo, sem conhecer ninguém e o pior pensando que você não me queira mais e que nunca mais nos veríamos.
Ouviu tudo isso de cabeça baixa, quando ele acabou olhei para ele e o vi chorando. Aquilo mexeu muito comigo, deitei minha cabeça no ombro dele quando vi meu celular estava tocando era minha mãe...
Galera mais um capítulo, mais uma vez gostaria de agradecer M/A, Geomateus, Anjo Apaixonado, NickTheOne, MelkSerra, negamalandra e Thiago Pedro.