Meu Deus aquilo só podia ser uma espécie de pesadelo matinal. Logo na semana em que eu finalmente estava colocando os nervos no lugar mamãe me aparece do nada aqui! Graças a um milagre o Kaio não estava dormindo comigo.
- Anda menino! Vai me deixar torrando aqui? – ela disse lá de baixo me olhando sob os óculos escuros.
Eu corri pra dentro de casa e fui no espelho rapidamente só tentar colocar os cabelos no lugar. A chave da porta sumiu, eu procurei no lugar de sempre mas ela não estava. A encontrei na fechadura da porta. Voltei pro quarto e peguei meu celular pra mandar uma mensagem rápido pro Kaio não me aparecer lá em casa nem pintado de prata! Me apressei e deixei o celular em qualquer lugar. Corri pra porta e destranquei. Desci os lances da escada pulando os degraus de três em três até finalmente chegar lá embaixo. Abri a porta e dei de cara com ela.
- Caçula! – ela disse e me puxou pra um abraço desconcertado.
- Mãe... A senhora não me avisou que vinha aqui hoje.
Ela me largou, puxou meu shorte pra cima e me empurrou pro lado já subindo os degraus.
- E daí? Desde quando preciso avisar? Você não precisa avisar quando vai me visitar, basta ir. Pega essas sacolas aí no carro. Você já tomou banho hoje por acaso?
Ela jogou a chave uns cinco degraus acima.
Eu fui pro carro e peguei o que ela pediu. Fui subindo as escadas com as sacolas até chegar no meu apartamento. Lá minha mãe estava no banheiro. Eu coloquei as sacolas no sofá e comecei a procurar pelo meu celular pra mandar a mensagem pro Kaio, só que por ironia do destino eu não o encontrava em lugar algum! Eu havia pego nele há menos de dois minutos e já não sabia onde havia largado.
Minha mãe veio do banheiro. Passou pra cozinha e começou a mexer no armário.
- Onde ficam as coisas aqui Igor? Preciso tomar um café.
- Na parte superior. A senhora viu meu celular?
- “A senhora viu meu celular?” – ela me imitou. – Vai tomar um banho! Mal acorda já pensa em celular...
- A senhora não me disse que vinha hoje. Volta hoje também ou veio dormir comigo?
- Volto hoje. Não posso sair do hospital assim não... Mas me conta, como está tudo por aqui? – ela dizia sem me olhar já começando a passar o café.
- Tudo ótimo. Tô só esperando chegar quinta pra viajar. – eu revirava o sofá e a estante atrás do meu celular sumido.
- Hoje é terça-feira. Poderiam ir comigo. Você e seu amigo. Eu os trago de volta no domingo.
- Não precisa... Já disse que tenho aula até amanhã. Vou com ele depois.
- O que você tanto procura?
- Meu celular!
Ela olhou pro lado.
- É esse aqui? – ela pegou meu iPhone e apertou o botão central ligando a tela. Eu suspirei aliviado. Ela ficou olhando por um tempo pra tela... – Igor, quem é essa formosura em forma de gente na tela desse celular?
Meu coração parou. Nessa época tanto eu como o Kaio usávamos iPhones 5 pretos. Eram idênticos. A não ser por uma capinha ou outra. Mas os olhando desligados nós mesmo já havíamos nos confundido. Não era possível que o Kaio tivesse levado meu iPhone e deixado o dele! Mas eu quase nunca me confundia. Eu tinha certeza que aquele era o meu!
- Que menino? – eu tentei pega o celular da mão dela mas ela não me deu e continuou olhando a foto. – Me dá... – eu pedi preocupado.
- Adorei essa foto. Você ficou lindo. Foi no Rio? – ela virou o celular pra que eu visse.
Era o meu celular mesmo. Era uma foto minha em Copacabana.
- Foi... Foi sim. – eu respirei aliviado.
- É que eu não conheci com esses óculos escuros. São seus? Não sabia que havia lhe dado um.
- São meus sim. – Não, não eram. Mas como o Kaio havia deixado lá em casa...
- Coloque a foto no perfil do Facebook. Eu gostei! Tá lindo de mãe.
Ela falava naturalmente enquanto meu coração voltava ao ritmo normal. Eu fui então tomar banho e levei o celular junto. Mandei uma mensagem pro Kaio.
“Hoje eu vou passar o dia estudando. Já abasteci a moto. Não precisa passar aqui à noite. Nos vemos na faculdade.”
Tomei meu banho e quando voltei pra sala minha mãe havia feito todo o café da manhã e limpado toda a cozinha.
- Passa o dia comigo hoje? – ela pediu.
- Claro!
Minha cumplicidade com minha mãe é muito grande. Somos mais que confidentes um do outro. Comemos e botamos o papo em dia. Saímos pro centro. Minha mãe precisava comprar blusas novas pra o feriado.
Ela usa muito jeans. Sem nem um pouco de vaidade. Sendo jeans tá valendo. Mas quando se trata de blusa minha mãe sempre prefere algo mais colorido. É que ela diz que passa o dia todo de branco no hospital então fora dele sempre prefere mais cor. Eu então assumi meu cargo de motorista e comecei a levar minha mãe pra onde ela queria.
Passamos no banco e demoramos um pouco pela fila. Passamos numas lojas de amigas dela. Em algumas ela levava algo, outra não levava nada, mas em todas ela experimentava algo. Sempre perguntava se eu não queria algo e eu neguei. Realmente não estava precisando de nada.
Perto do meio dia chegamos na calçada de uma loja que ela queria entrar mas ainda faltavam mais de 200 metros pra loja e estava difícil estacionar.
- Igor, eu vou descer... Você Estaciona o carro aí em qualquer lugar. – ela disse já abrindo a porta e se lançando pra fora e me deixando alí. Ela rumou pra loja e eu fiquei procurando uma vaga. Tava muito difícil. Passei pela loja e continuei procurando até ver um carro saindo de uma vaga e eu imediatamente estacionei.
Desci do carro o travando com o controle e fui voltando pra loja. Usava o óculos do Kaio. Meu celular vibrou.
“Igor, de quem é esse carro?”
Era uma mensagem do Kaio. Eu não sabia o que responder. Olhei ao redor e não vi o carro dele.
“Eu tô indo aí.”
Eu apressei o passo até a loja. Mas se eu chegasse na loja o Kaio ia encontrar com minha mãe. Dei meia volta e voltei pro carro. Esperei um tempinho e o Kaio vinha em minha direção do lado contrário do estacionamento.
- Ei, você tá fazendo compras?
- Não... Tô sim! Tô sim... Eu tô precisando de umas coisas pra poder viajar.
- Porque não me avisou? Eu vinha contigo depois. Eu também tô precisando de umas coisas. Tava aqui perto com meu pai e te vi entrando.
Eu olhei pra loja preocupado.
- De quem é esse carrão? – minha mãe usa uma Hilux SW4. Pra mim, o melhor carro do mundo.
- O carro? É da...
- Igor! Você não vai acreditar no que tem aqui! Vem me ajudar a escolher! – minha mãe vinha em nossa direção.
- Sua mãe? – Kaio falou olhando pra ela.
- Como você sabe que ela é minha mãe?
- Você é a cara dela! – ele disse boquiaberto.
Fomos caminhando em direção à minha mãe.
- Mãe, esse é o Kaio.
- Olá, prazer! – ele estendeu a mão e abriu o melhor sorriso. Minha mãe derreteu, claro.
- Oláááá... – ela disse de forma arrastada – Encantada com tanta beleza, Kaio! Flávia Alcântara. – O tom de voz da minha mãe mudou. Quem passasse perto acharia que ela estava paquerando o Kaio.
Eles riram juntos.
- Então quer dizer que você é quem vem passar o fim de semana comigo?
- É sim. Se não for incômodo, é claro.
- Nada... – ela bateu no peito dele de leve com os dedos – Quê isso... Vamos todos comemorar a páscoa.
- O seu marido também veio hoje?
- Não. Estou sozinha. Só vim dar uma checada no Igor e comprar umas coisinhas.
- Igor sabe se cuidar.
- Mas é claro. Tem que saber. Aprendeu com a melhor!
Esse tempo todo e eles não largaram as mãos um do outro.
- Mãe, a senhora queria escolher o que?
- Ah sim... – ela o soltou – Era um jeans que eu achei sua cara lá dentro. Vamos lá. Rápido que eu quero ir almoçar. Vou mandar separar. – ela disse e voltou pra loja.
- Sua mãe é legal! – ele disse sorrindo.
- Eu vou lá com ela, depois a gente se fala.
- Vamos almoçar?
- Não... Eu vou almoçar com ela.
- Vamos juntos.
- Mas você não está com seu pai?
- Mas ele tá logo alí no outro quarteirão. Eu vou lá falar com ele e já volto. – ele disse já se distanciando.
Eu entrei na loja e provei o jeans. Ficou bom. Levei.
- Cadê o menino? – minha mãe dizia do lado de fora do provador.
- Foi falar com o pai dele pra almoçar com a gente.
- Ele volta logo? Eu estou com fome.
- Volta sim.
Escutei a voz do Kaio entrando na loja e dando boa tarde.
Saí do provador e recolhi as peças. Passei no caixa e peguei as sacolas. Minha mãe conversava algo perto da porta com o Kaio.
- Você sabe de algum restaurante aqui por perto? Eu não conheço nenhum. – ela perguntou.
- Sei sim. Tem um que eu o Igor sempre vamos. É só me seguir.
Que negócio de sempre vamos? Eu devolvi um olhar do tipo “O que você está falando seu demente?” mas ele só sorriu e saiu da loja. Minha mãe colocou as chaves do carro na minha mão e também saiu. Fomos pro carro.
Seguimos o carro do Kaio, que naquele dia era o carro do pai dele, num trânsito terrível até chegar no restaurante. Escolhemos uma mesa lá e nos sentamos. Era rodízio. Começamos a conversar cada vez mais e mais até que o clima ficou bem leve. Kaio sempre sorridente e simpático até demais pra minha mãe que pelo visto estava adorando a companhia. Eu me ocupava em comer, beber Coca-Cola e acenar que “sim” com a cabeça.
- Da Márcia? Você é filho da Márcia? Deus... Que planeta pequeno esse nosso... Estudamos juntas há umas duas Cleópatras atrás! – expressão que ela usa pra dizer que faz muito tempo.
Kaio riu daquilo. Ele começou a falar sobre quando nos conhecemos, da faculdade, que eu o ajudava com as disciplinas, que eu era inteligente, que viajávamos juntos e a família dele toda gostava de mim. Minha mãe ficou encantada. Ele havia treinado bem viu! Apesar de contar tudo ele não deixou nenhuma brecha de que éramos mais que amigos.
O almoço se passou e o Kaio tinha que devolver o carro pro pai. Nos despedimos no restaurante e ele foi embora sob diversas advertências da minha mãe sobre se cuidar, beber água, usar protetor solar, dirigir com cuidado, estudar. Além é claro de lembra-lo da viagem de quinta-feira cedo... Coisa de mãe. Eu e ela voltamos pra casa depois de tudo.
- Ah como eu tava precisando espairecer contigo aqui! – minha mãe disse enquanto me abraçava no fim da tarde ao lado do carro. Já era hora de ir.
- Foi bom também. Eu sinto muito a falta da senhora.
- Você não faz ideia a falta que me faz, Igor. – ela já disse com os olhos ameaçando as lágrimas.
- Dirija com cuidado. Eu chego na quinta.
- Na quinta e pro almoço!
- Pro almoço, sim!
Ela me deu outro abraço e saiu com o carro. Eu entrei e fechei a porta. Assim que subi dois degraus escutei um carro parando alí na frente. Buzinou rapidamente. Era o Kaio. Eu abri a porta e esperei ele entrar. Subimos pro meu apartamento.
- Fiquei na esquina vendo vocês. Tava esperando ela sair. Ela é bem legal, sabia? – ele disse me dando um beijo.
- É, é sim. Minha mãe é uma comédia quando a casa fica cheia de gente, você vai adorar.
Ele segurava uma sacola com algo dentro. Eu não me importei muito porque o Kaio ir lá pra casa com algo de comer numa sacola é a coisa mais comum do mundo.
- Sabe o que é isso?
- Comida, eu suponho.
- Abre.
Era um ovo de páscoa trufado da Cacau Show. Eu adoro Cacau show, principalmente as trufas de coco. Daí o ovo era trufado com recheio de coco, claro. Não sei exatamente quanto tempo aquele ovo durou mas muito provavelmente só algumas horas.
Na quarta-feira por incrível que pareça eu ainda estava nervoso. Sim, era besteira minha afinal minha mãe veio e gostou do Kaio. Não suspeitou de nada, não me fez nenhuma pergunta, não disse absolutamente nada então estava tudo bem, certo? Bem, deveria estar tudo bem. Mas eu ainda estava muito ansioso. Muito mesmo. Na quarta à noite eu fui à casa do Kaio e jantei com os pais dele tentando ao máximo parecer bem. Depois disso ele pegou a mala, pôs no carro e fomos pra minha casa.
- Preciso dormir cedo. Amanhã a gente sai cedo, né? – ele disse de cueca procurando algo dele pra vestir no meu guarda roupas.
- Sim. Acho que umas oito horas tá bom.
- Escuta, cadê sua bagagem?
- Ainda não arrumei.
- Como é que é? – ele pôs as mãos na cintura.
- Não arrumei... Minha mala tá perdida em algum lugar dentro do guarda roupas e eu ainda tenho que separar as roupas e tudo mais.
- Essa altura Igor? – ele disse como se fosse um insulto.
- Calma... Eu tenho a madrugada toda pra fazer isso.
- Mas eu quero dormir cedo!
- Então dorme ué!
- Mas você vai ficar fazendo barulho aqui dentro do quarto!
Eu entrei no banheiro sem dar atenção e fui escovar os dentes. Me olhando no espelho eu pude notar que estava com olheiras começando a aparecer. Ao voltar pro quarto Kaio estava na cama já embrulhado e regulando o ar condicionado.
- Boa noite. Tente não fazer barulho. – ele disse irritado e se cobriu.
- Boa noite...
Abri o guarda roupas e joguei a mala aberta alí no chão fazendo um estrondo forte. Olhei pra cama e o Kaio se virou colocando um travesseiro encima da cabeça.
Comecei a mexer entre os cabides escolhendo o que levar. Desisti... Eu liguei o notebook. Tudo parecia ser mais interessante que arrumar aquela mala. Levei um susto quando estava distraído no site da Casa dos Contos.
- Mas o que é que você tá fazendo? – Kaio disse da cama.
- Tô postando um capítulo na Casa dos Contos. Vou explicar pro pessoal que vou viajar e só volto a postar semana que vem.
Nesse tempo, o pessoal acompanhou tudo de perto. Porque eu não narrava algo que havia vivido há meses – como hoje – eu narrava algo que havia vivido há menos de 48 horas. Naquele momento eu não tinha mais o que narrar. Eu ia viver algo pra ter o que narrar na semana seguinte. Então fui explicar que iria viajar e só voltava na semana que vinha. O email choveu de mensagens desejando boa sorte, que tudo iria dar certo, que meus pais adorariam o Kaio, que tudo ia se encaixar... As melhores coisas possíveis. Me ajudavam a relaxar.
Após postar o capítulo eu me dediquei à mala. Ia arrumar aquela bagunça imediatamente. Tudo tinha que dar certo.
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M/A: Sim. Mas no capítulo 10, logo no início, eu já deixei claro que aquilo foi precipitado e que não ia mais fazer isso.
ale.blm: Mas eu quase caio mesmo do segundo andar...
Disconhecido: Eu tinha parte disso também. Meu pai sabia de mim mas ao mesmo tempo tentava não saber. Então eu não tinha tanta certeza se conseguiria ou não apresentar um cara pra ele.
Drica (Drikita): Tudo tranquilo, né?
ale machado: eu tenho pra mim que ela já suspeitava sim.
kaduNascimento: Cara, por muito pouco. Porque o Kaio havia dormido na noite anterior lá em casa.
Jhoen Jhol: Mais ou menos perto. Sim, muitos não vão ter apoio nenhum da família. Mas independente disso eu acho que justamente por não estar se fazendo nada de errado deve-se sim comunicar. Apenas comunicar e exigir respeito. Aceitação é com cada um... Quando eu contei pros meus pais que gostava de garotos eu só pedi isso. Comunicação, diálogo, proximidade, respeito. Queria que meus pais fossem meus amigos. Agora se eles iriam ou não aceitar, aí já não é mais comigo.
Docinho_: Nem ache que porque ela gostou do meu amigo Kaio as coisas foram de vento em polpa daí pra frente.
Lipe_araujo, kelly24, Ru/Ruanito, JoLi, esperança, Geomateus, Agatha(1986)/Agatha28, Takahashi: Obrigado pelos comentários de sempre.
Uma perguntinha pra aguçar a curiosidade do que está por vir: Quem aí tá a fim de reviver beeeem uma parte do seu passado justamente quando seu futuro começa a acontecer?
Quem já leu permaneça calado, nada de spoilers!
Abraço pra todo mundo.
kazevedocdc@gmail.com