2015
Por que eu ainda me sinto tão mal quando me lembro disso? Por que eu ainda me sentia tão fraco, indefeso e magoado? Às vezes eu tenho vontade de jogar tudo pro ar, chutar o balde e me tornar a pessoa que eles querem que eu seja. Mas aí eu me lembro: eu tenho que passar por cima disso, não posso ser quem eles acham que eu sou. Tenho que ser diferente.
Não acredito em uma palavra do que digo para mim mesmo.
“A vingança nunca é plena, mata alma e a envenena”, repito para mim mesmo até me cansar. Não se preocupem, não quero me tornar um louco psicótico com uma faca na mão e dizendo: “Eu vou me vingar, seus desgraçados”. Essa não é uma história sobre vingança. Essa é uma história sobre perdão e cura da alma.
Eu acho...
Estava tão destruído que nem me desci para jantar. Meu pai não ia se importar e minha mãe iria me convencer a comer depois. Eu só queria ficar no meu cantinho, quieto. Eu preciso disso, entretanto, mesmo sozinho, lembranças e pensamentos me atormentam. Eu sei que preciso fazer algo para ter paz, só que eu não sei o que é. Será que a resposta está numa vingança fria e calculista ou no perdão. ‘Affs’, penso eu, ‘frio e calculista não faz teu gênero, sabes disso’. Mas como posso perdoá-los, quando eles fingem que nada aconteceu como se não soubessem a gravidade dos seus atos?
Meu cérebro vai fritar.
Pelo menos eu não vim no meio de um semestre da faculdade, que eu iria começar esse ano. Mesmo assim, eu preferiria que eles não tivessem morrido. Queria estar ao lado deles agora. Eles sempre amaram e sempre vou amá-los. Eu gosto dessa palavra: ‘sempre’, seria muito bom se as pessoas cumprissem as promessas em que eles põe ela no meio. “Sempre vou te amar”, “Sempre estarei ao seu lado” e etc.
Como de praxe, acordei lá para as 22:00 com a minha mãe com uma bandeja. Como ela pode me amar? Como ela pode não ter nojo de mim. Por muito tempo, o ódio e nojo por mim próprio era a única coisa que eu conseguia sentir. E aquela voz vivia na minha cabeça:
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
“Isso foi tudo culpa sua”
Até que em um belo dia eu me toquei que a culpa não era minha. Nunca foi minha! Eu não pedi pra ser sem malicia, eu não pedia para arrumar confusão com aqueles moleques e eu, definitivamente, não pedia para ser estuprado.
_ Você tem que comer, filho!
Ela me diz com aquela voz macia dela, que acalenta por demais. Nem ofereço resistência. Apesar de não ter descido, estava morrendo de fome. Só que eu estava morrendo de vergonha do meu pai. Eu tinha feito ele passar vergonha na frente de toda a cidade. Era totalmente compreensivo que ele não me quisesse mais como filho. Vocês não estão vendo sentido nisso, mas foi porque eu implorei para minha mãe não contar nada do que tinha acontecido para ele. Acho que eu ia ficar mais envergonhado ainda.
_ Você acha que um dia ele vai me perdoar? _ Pergunto depois de terminar de comer.
Ela me olha aflita e diz:
_ Me perdoa, Dany, mas eu contei a verdade para ele.
Não, não, não, não, não! Isso não pode ter acontecido, não pode!
_ Por que você fez isso mãe? _ Eu digo saltando da cama. _ Eu te pedi para não contar nada para ele. Ai que vergonha...
_ Calma filho, pelo menos agora ele entendeu tudo.
_ Mas então por que ele não falou comigo? Por que ele sequer olho para minha cara no funeral?
_ Ele está com vergonha, ele está arrependido de ter te expulsado de casa. _ Ela disse alisando meu cabelo. _ Acho que você tem que dar o primeiro passo.
Depois de dizer isso ela sai do quarto. Estou muito aliviado, pelo menos agora eu sei que meu pai não me odeia. Posso dormir muito melhor, mas não antes de escovar os dentes porquinho da índia. Eu ainda ria feito um retardado com esse apelido que minha mãe biológica me deu. Parei de rir quando me lembrei dela. Mamãe... Por que você tinha que agora? Estávamos tão felizes juntos. Você, Henrique e eu éramos um ótimo trio.
No dia seguinte acordei antes do sol, com a mamãe eu era acostumado a acordar cedo, ela era meio (muito) hippie e adorava ver o nascer-do-sol companhia de Henrique e da minha, é claro. Foram três anos muito felizes. Sem vocês dois eu jamais teria superado tudo aquilo.
Ainda estava escuro quando eu saí de casa com um short tectel, uma regata branca e chinelão de dedo. As ruas estavam na mesma, quase nada tinha mudado. Aí lembrei de um bom lugar para ver o sol renascendo. Só que teria que tomar cuidado, pois ficava perto da casa do Charles. Quando lembrei disso pensei em desistir, mas eu não ia perder a vinda do astro por causa desse garoto que não pode mais me causar mal (não pode, né?).
Sim, continuava magnifico o Mirante do Enforcado. Tinha esse nome por que enforcavam pessoas aqui. Tirando esse detalhe bizarro, era um ótimo lugar para se estar. Ficava em frente ao mar, ia ser lindo com certeza. E não deu outra. Foi emocionante ver o sol aparecendo lentamente atrás do mar. Enquanto suas cores amarelas e laranjadas substituíam a escuridão que ausência dele trazia. Fiquei olhando, piscando o menos possível, até que a última estrela teimosa se apagou. E então e fechei os olhos, mesmo sabendo que cochilar seria perigoso, visto que eu tinha subido num monumento de ferro para ter uma visão melhor.
2011
Essa sem dúvida foi a pior e mais longa noite da minha vida, eu sentia o sangue seco nas minhas pernas. Mas não conseguia levantar, mexer e nem raciocinar. Eu não sabia se ficava com raiva ou com medo de ter sido abandonado lá, sozinho. Aquele galpão era imundo e quando a noite chegou ficou muito escuro. Então eu desmaiei. Acordei com uma luz fraca passando pela pequena janela. Então eu me lembrei onde estava e o que tinha acontecido. E eu nunca tinha sentido uma dor tão forte na vida e comecei a chorar como nunca.
“Eu não posso morrer aqui” era tudo o que eu conseguia pensar, juntando todas as forças que eu tinha eu me pus de pé e vesti meu bermudão. E não sei como eu consegui chegar a cachoeira, no caminho eu percebia como o nascer-do-sol parecia cinzento. Aliás, tudo parecia mais cinzento. Quando entrei na água fria, pensei em recuar e essa vontade só aumentou quando meu ânus começou a arder. Foi aí que eu vi que eu estava muito machucado. E de novo eu chorei@tempodepois) _ Eu não vou ficar com esse garoto! _ Ouvi meu pai gritar para a mamãe.
_ Como você pode dizer isso, Marcus? Ele é seu filho! _ Minha mãe disse exaltada.
_ Deixa Márcia, se ele não quer cuidar do nosso filho o problema é dele. Ele que vai estar perdendo por não estar perto de um garoto tão especial como o Dany. _ Mamãe disse isso e eu ouvi a cadeira se arrastar lá dentro.
Me sentei em posição fetal e fiquei esperando as lágrimas vir. Mas não vieram, fazia algum tempo que eu não conseguia chorar. Só ficava com aquele nó idiota na garganta. Acho que minhas lágrimas secaram.
_ Dany, agora você agora vai morar comigo e com o Henrique. _ Minha mãe disse e me deu um beijo na minha cabeça. Quando eu levantei a cabeça ela me deu um sorriso e disse: _ A gente vai se divertir, vamos ser muito felizes. Eu prometo.
Por três anos, depois de cinco meses de depressão profunda, ela honrou sua promessa. Mas agora, ela se foi e um vazio voltou a tomar conta do meu peito. Se eu achei que na manhã seguinte ao estupro foi dolorosa, não se compara a dor de perder minha guerreira. Minha mamãe!
Me lembro do primeiro nascer do sol que vimos juntos, que foi no terceiro mês que estava com ela.
_ Todos precisam aprender com o sol, todo dia ele fica para trás, mas todo dia ela renasce. Você é forte Dany, vai sobreviver. Você só tem que se levantar. Porque aqui comigo você é livre para ser o que quiser. Eu sempre vou estar ao seu lado.
2015
Eu abro meus olhos e o sol já está em alta. ‘Droga’, eu murmuro. Lá em baixo tem um burburinho, então eu vejo que metade do bairro está olhando pra mim. Inclusive ele, Charles. Eu estava torcendo pra que ele estivesse o mais feio possível. Por mais que eu não quisesse me vingar eu queria que ele perdesse a pose dele. Vejo que ele está rindo para/de mim. E está mais lindo que nunca.
E também que os outros dois estão chegando. Não posso descer, não quero passar por eles. Mas a única alternativa que sobra é me jogar no mar. Não deve ser tão fundo, né? E me jogar daquela altura não pode me machucar. Eu vou cair na água. Eu acho.
Ouço Bin... Fábio me chamando, então sem pensar duas vezes eu me jogo. Só dar tempo de ouvir os ‘ohh’ daquele bando de desocupadosEntão pessoal, acessem o blog, pois logo colocarei mais fotos e a trilha sonora. Amo vocês.