Não fiquei muito tempo na beira da piscina porque ela não é coberta e como eu sou branco ia ficar vermelho feito um camarão. Então eu voltei a ler meu livro, debaixo de um guarda-sol. Quando a Cici me chamou para almoçar.
Meu pai e minha mãe já estavam na mesa e quando eu menos espero meu pai começa a me dar uma bronca:
_ Daniel, como você pode ser tão irresponsável meu filho? Você poderia ter se machucado ou até morrido...
Pera, é impressão minha ou ele usou as mesmas palavras que o idiota do Fábio tinha usado?
_ Mas papai, não aconteceu nada demais e eu e a mamãe sempre pulávamos a Corcunda do Velho, que tem bem mais altura que isso.
_ Eu não acredito nisso, mas vindo da sua mãe não me surpreende. _ Ele respira fundo e continua mais calmo: _ Agora você está comigo e eu não quero que você se ponha em perigo de novo, ok?
_ Tudo bem papai.
Essa foi a primeira conversa que eu tive com meu pai há anos. Finalmente, eu acho que as coisas possam voltar a ser como era antes.
Depois de uma semana tranquila eu resolvi ligar para Karol, minha amiga de Santo Heleno.
_ Alô, quem fala? _ Ela atende com uma voz de sono.
_ Não acredito que você ainda estava dormindo Karol. _ Falo rindo.
_ Ah, ser besta sô. Depois de uma semana que o moleque me liga.
_ Antes tarde do que nunca. Como você está?
_ Tô ótima, tô solteira e tô na pista. _ Ela ri e pergunta: _ E você amigo, como vai esse coração?
_ Eu estou bem, só no segundo dia aqui que eu pedi a cabeça com um ‘deles’.
_ Ai amigo, o que foi que o cê fez? _ Noto um tom de preocupação em sua voz.
_ Nada... _ Digo receoso. _ Eu dei um chute no estomago dele com a maior força que eu consegui.
Uns quinze segundos de silencio depois ela pergunta:
_ Você não acha melhor procurar um terapeuta aí, não?
_ Não, eu estou bem Karol. Não se preocupa. E então, a faculdade? Vai fazer aí?
Ela começa a rir e responde:
_ Ééééééé... Nop. Advinha só, vou estudar contigo.
_ Jura? Que legal, quando você vem pra cá?
_ Semana que vem, eu vou abalar essa cidade fuleira aí.
Então eu pergunto sobre o assunto que eu quero falar desde o começo:
_ E ele? Tem notícias dele?
_ Ele perguntou de você na quarta-feira...
_ Sério? E você o que respondeu?
_ Respondi que não sabia, que você não tinha me dado notícias ainda.
_ E ele como está? Você acha que ele já me perdoou?
_ Amigo, sei não hein. Também não o vi desde então. _ Ela dá um suspiro e diz: _ É por causa do que aconteceu entre vocês dois que eu acho que você deve continuar a terapia aí.
_ Sério Karol, eu não vou deixar que aquilo aconteça novamente, ok? O que aconteceu com o Fábio semana passada, foi só porque eu não estava preparado.
_ Tudo bem Dany, eu não vou insistir, mas pelo menos liga pro Barney.
_ Tá bom eu ligo. Tchau Karol e se cuida.
_ Beijos gato.
Caí na cama e pensei se eu devia ou não ligar para o Barney. Barney, ou Grilo, era o meu terapeuta, minha mãe obrigou a vê-lo depois de um ‘incidente’ entre mim e um garoto. Não um garoto qualquer, era ‘o’ garoto. Eu estava começando a gostar tanto dele, mas estraguei tudo. Buuuuuuuuuuuuuuuuuuurro! Desde então eu faço questão de não dá bola para a voz ruim, porque como o Barney disse: ‘Quando cedemos ao nosso lado escuro não acontece nada de bom’.
_ Alô? _ Ele atende no terceiro toque.
_ Oi, Grilo. Sou eu: Dany.
_ Ah, fala garoto! Como vai meu paciente favorito?
_ Ha ha, você diz isso para todos. Vou bem, eu acho...
_ O que foi amigão?
_ Eu dei um chute na barriga de um ‘deles’. Eu cedi para ela, a fúria me dominou totalmente.
Ele fica um pouco em silêncio e me pergunta:
_ Você quer continuar a terapia aí? Eu posso ver um bom terapeuta pra você aí...
_ Não precisa Grilo, eu... Pedi desculpas para ele!
Ele dá uma risada.
_ Sério? Você foi capaz de pedir desculpa pra um ‘deles’, então você evoluiu bastante garoto.
_ Nada, eu só fiz isso porque era pra ele. Eu não sei, eu não consigo odiá-lo.
_ Eu ainda posso procurar alguém aí. Pode te ajudar nos seus rompantes, mas uma dica: uma boa ideia é escrever.
_ Tudo bem, Grilo.
_ Foi ótimo, falar com você, mas tenho um paciente. Tchau.
_ Tchau, até mais.
Antes dele desligar eu escuto: ‘E ae Marcos? Como vai o meu paciente favorito?’ e rio comigo mesmo, ele realmente diz isso para todos.
Meu pai estava cheio de cuidado comigo, todo carinhoso e eu estava adorando aquilo. Eu amo ele e agora eu até acho que, talvez, ele possa me amar também. Hoje ele estava super preocupado comigo, porque ele ia viajar a negócios e não queria me deixar sozinho de jeito nenhum. As coisas só pioraram para o meu lado quando ele pediu para Cecilia se o ‘Binho’ poderia vir ficar comigo a noite.
Deu vontade de segurá-lo pelos ombros e dizer ‘Homem se você quer que eu fique bem, não me deixe sozinho com um estuprador.’
Cecilia estava muito arredia, acho que estava com medo que eu atacasse o filhinho dela. Boba, como eu pude gostar tanto de uma idiota como ela? Calma, ela não tem culpa de ser tão religiosa e que eu tenha uma imagem de vagabundo safado.
Chegando a noite eu não consegui convencer meu pai que eu não precisava de alguém tão ‘responsável e dedicado’ comigo. E assim a tripa seca apareceu na minha porta às 20 em ponto. Os olhos dele brilharam com os elogios do meu pai. Sempre achei estranho essa atenção dele com meu pai. Talvez seja porque ele não tem. Bem, a vida deste sujeito não me diz respeito.
_ Boa noite Daniel. _ Ele diz estendendo a mão para mim.
_ Boa noite Fábio. _ Digo a apertando, não queria que meu pai desconfiasse de nada.
_ Que é isso meninos? Dany e Fabinho, vocês se conhecem desde crianças. Pra que ser tão formal? _ Meu pai diz isso rindo. _ Bem, divirtam-se garotos, mas não muito.
Ele e minha mãe saem, quer dizer minha mãe me enche de beijocas, pedindo pra mim dizer os números de emergências e, por fim, falando que não desligaria o celular e que eu poderia ligar a hora que eu precisasse e quisesse.
Depois foi a vez de Cecilia sair, mas antes notei que ela falou com Fabio alguma coisa em voz baixa. Com certeza indicando o lugar onde ela escondeu o spray de pimenta.
Fiquei no sofá assistindo tv e ele ficou na outra ponta, quando eu me cansei eu levantei e me dirigi ao meu quarto. Porém antes de começar a subir, eu falei sem olhar para ele:
_ Tô indo dormir, ah... E esqueça o que meu pai disse, você não vai dormir no mesmo quarto que eu.
_ Tudo bem, eu durmo no corredor, em frente ao seu quarto.
_ Durma aonde bem entender, porque pouco me interessa.
Antes de me deitar eu tranquei a porta a chave, não queria bancar o paranoico, mas também não ia dar mole.
Lá pelas tantas eu acordo me sentindo observado. Será que... Não, ele não teria coragem de arrombar a porta. Ou teria? Por via das dúvidas era melhor acender a luz.
Deveria não ter feito isso, é melhor ficar na incerteza do que ver que se tem razão. Não era Fábio que estava no meu quarto, era Charles.
_ O que você está fazendo aqui?
_ Uai, visitando um velho amigo. _ Ele diz com um sorriso sarcástico no rosto.
_ Como você entrou?
_ Pela janela, baby.
Ele começou a se aproximar e eu me preparo para gritar. Ele coloca o dedo na boca, como quem pede silêncio.
_ Não precisa gritar, eu só vim dar um aviso: não tente me ferrar porque o que eu fiz 3, 4 anos atrás não se compara ao que eu posso fazer agora.
_ Socorro! _ Eu grito com toda força.
Enquanto Charles começa a rir, eu ouço uma movimentação do lado de fora. Alguém bate na porta e eu ouço a voz de Fábio:
_ Dany, tá tudo bem aí?
_ Tá tudo bem sim, Fabinho. Fica tranquilo!
Fábio começa a bater na porta com mais força, como que tentando arromba-la.
_ Charles? O que você está fazendo aí? _ Fábio começa a gritar. _ Sai de perto do Dany, agora mesmo.
Charles, ainda rindo, se aproxima de mim segura as minhas mãos atrás do meu corpo, puxa meu cabelo (como ele fez no dia negro), cheirou meu pescoço.
_ Sabe Dany, você pode até tentar esquecer de mim ou daquela história toda, mas nunca vai conseguir. Sabe porquê? Porque você é gay, eu sei disso e toda a vez que alguém comer essa bundinha deliciosa _ ele solta minhas mãos e me apalpa _ você vai lembrar que eu fui o primeiro.
Ele me solta e eu caio no chão, totalmente sem forças.
_ Se cuida Dany. _ Charles diz isso pulando a janela.
Quando Fábio entra no quarto, não arrombando a porta, mas sim com uma chave extra, o Charles já tinha ido embora. Ele fecha a janela com trinca e pergunta se eu preciso de alguma coisa. Perante meu silêncio ele sai do quarto, vejo que tinha um lençol e um travesseiro na porta. No qual ele se deita. Ele realmente dormiu no corredor, em frente ao meu quarto.
Pego meu celular e vejo que ainda é uma hora da manhã. Mas aquela frase de Charles não saiu da minha cabeça. Eu nunca ia esquece-lo e por culpa disso Pietro ficou sem andar por cinco meses.