Por muito pouco que o murro daquele boi furioso nao me pegou desprevenido, porem me desviei a tempo, aplicando-lhe uma rapida joelhada na coxa, fazendo-o recuar com dor. Prestes a nos atracarmos outra vez, feito dois galos de quintal, fomos rapidamente separados pelo Oliver que bastante alarmado surgiu correndo na cozinha, se interpondo entre nos dois. Com certeza vira William me seguindo ate ali e farejou a confusao.
- Vamos jà parar com essa palhaçada! _ exclamou ele no seu sotaque engraçado _ Parecem dois garotos de rua...
William parecia nao o ouvir, encarava-me com odio, respirando com esforço. Apontou o dedo para mim, num esgar de intenso desprezo.
- Voce que cruze meu caminho outra vez, garoto! _ falou, cuspindo as palavras _ E continue olhando para ele com essa cara de corno pra voce ver! Eu quebro voce ao meio...
- Voce e ele nao valem nada! _ enfrentei-o, ofegando de raiva _ Se merecem...
- Estou avisando, seu veadinho _ disse William se afastando de costas, me olhando _ Tire os olhos de cima dele. O Mauricio tem um homem ao lado dele, agora, e nao uma bicha fresca feito voce.
- Sai daqui, cara! _ disse Oliver, irritado _ Veio para arrumar confusao na casa dos outros?
William se afastou, me fitando com raiva e um certo sorriso sarcastico. Eu tremia de indignaçao, de furia; sentei num tamborete que Oliver puxou para mim, pensando na insensatez de Mauricio em me trocar por aquele patife brigao.
- Ele bateu em voce? _ indagou o americano, pegando um copo d' agua para mim.
- Estou bem. Ele me pegou desprevenido aqui, mas me sai bem _ respondi olhando para ele _ Nao conta para o Quin, cara. Ele vai ficar furioso comigo se souber disso.
- Se ele nao percebeu nada... Esta ocupado testando o som lá fora.
De fato logo ouvimos o som alto do seu aparelho toca - CDs ultimo modelo, disparando batidas de musicas dos anos 70, como Odyssey e Kool And The Gang. Daqui a pouco, porem, quem dominaria seria a Madonna, a sua querida Madge, e entao meus timpanos iriam pelos ares.
Depois que Oliver saiu, permaneci ainda um momento sozinho na cozinha, bebendo o resto da agua e refletindo se voltaria ou nao para junto do pessoal. Nesse instante de fria solidao azulejada na cozinha branca do Quin, Fabinho apareceu me procurando.
- Vai ficar escondido a tarde toda? _ falou um tanto encabulado, abrindo a geladeira e pegando uma Coca _ Nem entrou na piscina.
- Estou evitando aqueles dois desgraçados _ respondi, olhando-o de costas, a curvatura redondamente perfeita da bunda dentro da sunga Adidas azul-clara _ Voce sabe...
- Esta sendo bobo, Nathan. Enquanto voce fica aqui, escondido como um coelho, eles se divertem a valer là fora _ disse ele, me olhando; sorriu _ Queria jogar um pouco de tenis. Porque nao me acompanha? Preciso de um calçao para jogar, já que vim de calça jeans.
Era impressao minha ou ele parecia mais soltinho, mais alegre? Talvez tivesse bebido uns bons drinques antes de vir me procurar. Seus olhinhos verdes brilhavam, desinibidos, e enquanto subiamos em direçao ao meu quarto para nos vestirmos para a partida de tenis, ele acompanhou segurando em minha cintura por alguns lances de escada, tagarela como nunca.
- Meu pai nao desiste, parece incrivel. Essa semana me apresentou duas meninas, primas, querendo que eu as "conhecesse melhor", sabe? _ disse Fabinho fazendo com a boca um som que designava ansia de vomito, rindo em seguida _ E entao aconteceu, amigo, o que sempre acontece nesses casos: ganhei mais duas amigas para conversar sobre musica, revistas, high society e homens.
- Deixe estar, que a qualquer dia seu pai lhe corta na cinta, garoto _ disse dando risada.
- Ele que se atreva! Fujo para a America. O Oliver disse que os gays californianos sao absolutamente malucos e divertidos. Vou adorar. E levo voce tambem, Nathan.
- Eu? _ resmunguei, mexendo na gaveta de shorts e camisetas da comoda _ Porque?
Ele nao respondeu, fez um som como de muxoxo e puxou a cadeira para se sentar. Deu um suspiro.
- O que o Mauricio tem que ate agora voce nao o esqueceu? _ perguntou Fabinho, cauteloso _ Percebo claramente que ainda gosta dele.
- Bem... Ele foi meu primeiro namorado e surgiu naquele periodo dificil de minha vida, voce sabe... quando perdi minha tia _ falei baixinho, olhando um pouco desconsolado para as peças de roupa na gaveta _ A unica pessoa que eu tinha... O Mauricio me ajudou e muito a superar aquilo.
- Voce estava fragilizado e se amparou nele _ afirmou o garoto, convicto _ Nao era amor. Era apego, dependencia. Primeiro voce perde sua mae ainda na pre-adolescencia, se apoia em sua tia solteirona, perde-a para o cancer, se apoia em Mauricio e o perde para o belo William. Agora restou voce consigo mesmo. Para aprender a caminhar sozinho. Imagino que se sinta absolutamente solitario o tempo todo, mesmo entre amigos.
Estaquei com uma camiseta nas maos, aturdido. Era um menino de dezessete anos me falando aquelas coisas? Me desvendando num unico golpe, como se lesse minha alma num artigo banal de revista? Voltei-me e olhei para ele, sem admitir nada.
- Nao acho que seja isso _ desconversei estendendo as peças de roupa para ele vestir _ Veja se servem. Sou apenas um tanto mais alto e mais forte do que voce.
Fabinho provou a roupa: ficou razoavel, e o calçao possuia um cordao de ajuste. Em frente ao espelho ele usou meu pente, moldando os cabelos finos e lisos, cor de trigo sujo.
- Ou entao, amigo, o Mauricio tem uma fabrica de mel entre aquelas pernas gostosas dele... Isso explica tanta paixao.
- Seu safado! _ dei-lhe uma chave de braço, por brincadeira, sacudindo-o em frente ao espelho _ Linguajar obsceno para um virgenzinho, nao acha?
- Querido, sou virgem como uma açucena recem-desabrochada _ disse ele, resistindo bravamente às cocegas na barriga _ Mas tambem sou louco por sexo.
- Doidinho _ murmurei, afastando-me dele antes que me excitasse; trocamos um sorriso sem graça pelo espelho, e Fabinho corou, mordendo os labios.
Todo o material de tenis estava na area de serviço, guardado em caixas empoeiradas de plastico colorido. Apanhamos as raquetes e um balde lotado de bolas sujas e outras novas. Saimos pelos fundos, evitando o grupo ruidoso da piscina. "Vogue", da Madonna, sacudia o som là fora e Fabinho comentou que preferia George Michael. "Freedom" era legal, eu conhecia, porem aquilo tudo, todo esse modismo comercial me soava extremamente vulgar. Meu gosto tinha estacionado no rock britanico da ultima decada.
- Gostou do casalzinho que o Quin convidou? _ perguntou o menino, enquanto nos aqueciamos na quadra.
- Sao simpaticos. E bonitos...
- Sao. Mas o rapaz de olhos azuis tem um rosto quase androgino... Isso me brocha _ Fabinho fez uma careta, girando a raquete _ O outro me agradou mais. Esta usando um calçao branco, curto. Torci demais para ele entrar na agua e aquele paninho fino marcar o pau dele, mas que nada! Ficou là, passando protetor solar no namorado.
- Moleque! Que ousadia, hein? _ dei uma risada alta, quicando a primeira bolinha no chao _ Para quem nunca viu um pau na frente...
- Bom, quando voce quiser poderà me dar esse show ao vivo. Que tal? _ ele piscou, rindo, se postando na quadra, pronto para começar o jogo.
Por um esforço de camaradagem terminamos empatados, apesar de Fabinho ser bem mais habilidoso no esporte do que eu. Claramente nao quis me vencer, contudo nao me importei. O sol quente me cansava alem da conta, e apos uma meia hora paramos, pegando a garrafa de agua gelada que trouxemos, agora morna. Dividimos o liquido sentados à sombra dos jacarandàs mimosos, repletos de flores roxas, forrando o chao numa maciez umida e lilàs.
Fabinho tomou o resto da agua, amassando com o dedo o rotulo de papel da garrafinha. Parecia inquieto.
- Se eu falar uma coisa voce promete nao ficar bravo? _ disse ele num rompante de coragem subita _ E promete tentar me compreender?
Fitei-o, em silencio, buscando seus olhos nervosos que nao se fixavam nos meus. Toda sua ousadia de ha pouco tinha desaparecido.
- Fale _ murmurei.
- Eu... _ ele respirou fundo, me olhou, desviou os olhos e olhou de novo, numa obstinaçao _ Eu fiquei feliz porque voce e Mauricio terminaram... Porque amo voce. Te amei antes dele aparecer na sua vida... E te amo cada vez mais.
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Thanks a todos, lindos :)
Perdoem a falta de acentuaçao, eh um probleminha persistente do teclado.
Abraços, galera!