Seis meses haviam passado, desde que meu pai havia morrido e tive que mudar de Salvador para Fortaleza com minha mãe. Nada pior do que você dizer adeus a tudo o que era referência pra você... Amigos, escola, sua casa, seus interesses.
Dois dias antes da nossa viagem, mamãe decidiu que ficaríamos num hotel, já que nossa bela casa na Pituba tinha sido vendida e ela recusou terminantemente a oferta de minha meia-irmã Priscilla de nos hospedar por esse curto período de tempo. Reconheço que ela tinha suas razões, só que eu não podia ficar entre fogo cruzado, esse pessoal que não gostava dela, era meu sangue também e eu gostava deles.
Papai sempre foi um homem rico e antes de casar com minha mãe, havia casado uma primeira vez. Só depois que a primeira esposa dele morreu é que ele assumiu minha mãe de vez, contra a vontade dos meus outros irmãos e mediante cessão de grande parte do seu patrimônio pessoal. Ele praticamente durante os 17 anos seguintes, juntou novo patrimônio e quando de sua morte eu era seu único herdeiro, juntamente com ela. O chato disso tudo, é que meus irmãos sempre viram em minha mãe, uma oportunista ou um termo que esta muito em voga, uma alpinista social. De uma coisa eu tinha certeza, Carlos Eduardo, Maria Eugênia, João Paulo e Priscilla, odiavam a minha mãe e me adoravam, nunca soube por qual razão.
Quando o avião finalmente decolou, tive certeza que estava deixando pra trás uma parte muito boa da vida, a vida que achava segura e que havia sido tirada de mim por dois assaltantes que haviam matado meu pai quando ele voltava pra casa na semana final de sua vida pública, uma vez que iria se aposentar no início do mês seguinte. Mamãe imediatamente tratou de organizar a sua vida e comunicou que voltaria pra sua terra e que eu claro iria junto, era ainda menos de idade e não tinha como ser de outra forma. Ter 17 anos, e não poder mandar no próprio nariz foi difícil de aceitar.
Muita coisa do meu patrimônio, ações, dinheiro, além de imóveis ficariam sob administração de um amigo do meu pai até que eu completasse 21 anos e tivesse cursando uma Universidade. Depois que a vida tivesse encaminhada, aí sim eu seria dono de mim mesmo, pois começaria a gerir minha própria vida. Enquanto isso viveria dos dividendos de todo o patrimônio. A saudade e tristeza que sentia, por não mais ter a meu lado o melhor dos caras, isso ninguém me ajudou a administrar. Eu tava sozinho pois a relação com meu pai sempre foi a melhor possível, com mamãe somente o básico, e agora? Eu não perdi apenas um pai, eu perdi o meu mentor, melhor amigo o cara que me fazia rir e que sempre perguntava como tinha sido meu dia, se estava tudo bem comigo... E isso fazia uma falta filha da puta.
Chegamos numa tarde quente de verão... Devo confessar que vim disposto a odiar tudo na nova cidade, só que eu tinha que colocar na cabeça que teria que no mínimo viver aqui 4 anos e mais uma vez deixei pra lá... Haviam me vencido de novo.
O mês de férias foi uma coisa meio providencial... O apartamento novo foi comprado em meu nome e era localizado num dos bairros nobres da Capital. O último ano do ensino médio, seria cursado num dos melhores colégio da cidade e rapidinho tratei de me adaptar à nova vida e por sorte tudo era perto... Academia, curso de inglês, shopping, o clube, e um monte de outras coisas. A família de minha mãe era composta por duas tias, Zoraide e Nereide que também era casada e tinha um pivete chato como filho, meu primo Isaac.
E a vida seguiu em frente, como tinha que seguir e da maneira que deu. Mamãe logo tratou de abrir uma loja de roupas num dos shoppings próximo a nosso apartamento e pra variar mal a via.
Foi na terceira segunda-feira na cidade que ao levantar um pouco atrasado para ir na Academia...
_ Perdeu a hora, Gustavo? Perguntou mamãe assim que me viu chegar à copa vestindo apenas um calção de ginastica preto e tênis na mesma cor, segurando a camiseta branca na mão direita.
_ Ia perdendo, D. Lucrécia. E a beijei na testa, coisa que sempre fazia ao vê-la pela manhã, pelo menos quando a via.
_ Algum amigo ou amiga na academia, filhote? Odiava esse nome dito por ela... papai era quem me chamava assim.
_ Pode ser... O pessoal lá é bem legal... Preocupe não, se arranjar, eles virão frequentar nossa casa.
_ Animado pro colégio? Chegou inclusive um livreto com todas as observações que o senhor deverá saber. O negócio é bem organizado por aqui, viu filhote?
_ Quem em sã consciência se anima em estudar, mãe? Agora deixa eu ir, tô realmente atrasado e a culpa é sua.
Saí comendo um pedaço de torrada com geleia e levando uma garrafinha com suco e um suplemento que tinha comprado na própria academia... Passado por uma nutricionista.
Claudinha, a jovem da recepção me sorriu e desejou bom dia, assim que entrei.
_ Bom dia pra você também, Claudinha.
Gerardo, o personal, já estava fazendo alongamento com mais outros dois alunos, um casal na verdade, e ao me olhar com reprovação, disse:
_ Gustavo, espera dez minutos e a gente inicia, beleza?
Eu sabia que o cara ia achar ruim o meu atraso e concordei com a cabeça, ficando em pé onde estava. Duas outras garotas me cumprimentaram e ficaram esperando a pedido de Gerardo.
_ Você viu quem começa hoje na academia, Pamela? Disse a mais baixa delas.
_ Não, quem? Falou a tal Pamela para a baixinha.
_ O Alberto. O cara é a encrenca em forma de gente, nem sei como aceitaram ele aqui... Dizem que já foi expulso de várias outras... Sempre te uma briga.
_ Também ouvi falar sobre isso, acho que é uma forma dele pagar um pouco aquelas horas de serviço que a justiça mandou, né não?
_ Eu que não vou fazer aula com ele, Deus me livre.
_ E ainda tem mais, sabe como é que ele é chamado agora?
_ Betão, né não? Disse a tal da Pamela.
_ Nada disso... Mancha. Disse a baixinha fofoqueira.
_ Mancha?
_ Isso mesmo, por conta de deixar marcas com quem se meter a besta com ele.
Nem dá pra esconder que isso atiçou a curiosidade em mim... Acho que aguçaria em qualquer pessoa, né? Alberto que era o Betão e agora era o tal Mancha... Ia fazer aula lá, ou pagar hora de serviço determinado pela justiça... Encrenca em forma de gente que andava tranquilo sob o sol que eu também andava... Essa eu pagava pra ver e ouvir...
Finalmente chegaram mais dois coitados atrasado e Gerardo nos chamou pra alongar.
O corpo já não reclamava tanto das dores musculares, acho que já estava acostumado aos novos exercícios e novas cargas de peso... Musculação é bom mas não é mole... Terminei o alongamento e cada um de nós foi pegar a ficha na recepção, seguindo a orientação do Gerardo.
Antes de seguir pra lá fui beber um pouco do meu suplemento que deixava na sala vizinha a recepção e ao pegar minha ficha e me dirigir pra sala dos espelhos no segundo piso, vi um instrutor falando com um dos caras que chegara atrasado e logo em seguida fui até ele:
_ Bom dia, eu sou o Gustavo e esse aqui é meu plano de exercícios...
_ Deixa eu ver aqui, fera...
O cara tomou a ficha da minha mãe e deu uma rápida olhada, em seguida me devolveu e disse:
_ Vou te acompanhar pelos próximos dias, sou o Mancha, e você pode começar pelo supino reto. Cloca carga de 20 kg e faz três repetições de dez, beleza?
O cara era... Nem sei dizer direito... O olho, é isso mesmo... Foi o olhos que mais me chamou a atenção... Havia ódio lá, do mundo da humanidade, da vida... Dizer que era grande, é babaquice, o cara era enorme e cheio de músculos... Todo ele era duro, firme, pra cima... Aí sua voz veio de longe até conseguir me alcançar...
_ Algum problema, Gustavo?
_ Não Cara... Quer dizer, macha... Já vou começar... Valeu... Saí de lá porque não sabia o que fazer... As duas não haviam mentido em nada, pelo menos a baixinha... O tal Mancha, era o cara.
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POVO do LADO ESQUERDO, não quero falar da saudade que estava sentindo... Quero falar do prazer em estar de volta e poder contar com cada um de vcs nessa nova jornada... Feliz Ano Novo pra cada um de vcs e deixo também registrado a grande satisfação de dever cumprido no conto passado... Aqueles dois vão me deixar saudade, viu? Beijo em cada coração, abraço em cada um de vcs que com certeza, já fazem parte de mim e dessa louca e maravilhosa jornada, chamada vida. Nando Mota.