Parte VI - Três passos
Três passos. O drama da minha faculdade começou através de três passos simples.
Eu já ouvi todo tipo de coisa a respeito de paixão nos meus breves 17 anos de vida. Algumas pessoas defendem que se apaixonaram pela beleza da pessoa. Outras, pelo comportamento e caráter. E ainda tem aquelas que defendem que (pff) se apaixonaram à primeira vista. Seja lá qual for, nunca acreditei que seja possível que uma pessoa passe a gostar da outra em tão pouco tempo.
Agora quando o assunto é atração, bem, já é outra história. É muito comum bater o olho numa pessoa e instantaneamente se atrair por ela, na maioria das vezes pela beleza desta. Uma simples troca de olhares pode gerar um comichão na boca do estômago, uma necessidade insaciável de olhar, um sentimento novo. Mas também não passa disso. Atração. Uma coisinha traiçoeira e imensamente perigosa. E especialmente para pessoas como eu.
Naquela noite fatídica, onde todas as entidades superiores (sejam lá quais forem elas) conspiravam contra mim, meu processo de atração se deu em três etapas básicas, que eu gosto de me referir carinhosamente como os três passos para a tortura.
Primeiro passo: a voz. Aquela voz comum, adulta, mas com um toque de jovialidade destacada. Não falo aqui de sinos de natal ou música para os ouvidos. Era apenas... simples, bonita... e única.
Segundo passo: a atitude. A forma como ele, preocupado, se agachou ao meu lado, segurando minha cintura para me levantar, enquanto eu tentava recuperar meus sentidos. Como ele me levou até uma cadeira no canto do salão e se agachou na frente dela, colocando as mãos nos meus ombros e direcionando minha visão ainda turva para ele.
E então o último passo: os olhos. Que prenderam minha visão assim que ela retornou. Que foram as únicas coisas que eu consegui ver em seu rosto. Que prenderam meu foco e não me deixaram olhar para mais nada. Uma tonalidade azul escura, que viria a ser minha cor favorita.
Tudo isso regado a um nível bastante considerável de álcool no meu sangue. O que, apesar de não poder ter certeza, acredito que apenas facilitou um processo que teria ocorrido de qualquer maneira.
Mas o que realmente importa é, senti aquilo de imediato. Um misto de curiosidade e magnetismo, que aguçou meus sentidos. E que, por experiência própria, se tornaria algo potencialmente catastrófico se não controlado rapidamente.
- Ei, cara, volta pra gente... tá me escutando?
A voz dele me despertou do meu estado de reflexão, e eu esfreguei minhas têmporas, numa tentativa de diminuir a súbita dor de cabeça.
- To sim, pelo menos agora - fiz uma careta pela dor. - Me desculpa, acho que estava distraído, quando vi já estava no chão.
- Não tem do que se desculpar, fui eu que trombei com você. Você está melhor? Aquele copo que caiu, derramou alguma coisa em você? - Ele passou os olhos rapidamente pela minha roupa, procurando algum sinal de sujeira.
- Por sorte não, caiu tudo pro lado.
- Porra, cara, desculpa mesmo. Caramba, por um momento achei que você fosse desmaiar aqui - deu uma risada, embora o rosto ainda demonstrasse preocupação.
- Bem, quanto a isso, acho que o copo que estava na minha mão, e os que estiveram antes dele, ajudaram a chegar nesse ponto - e ri também, para acabar logo com a tensão inicial.
Me levantei, testando meu equilíbrio, enquanto ele se preparava para me segurar se eu caísse. Consegui me manter em pé e, satisfeito, olhei para ele e sorri.
- Obrigado pela preocupação, mas acho que já estou melhor. E tenho que voltar para um amigo, que, a esse ponto, deve estar pior que eu.
- Vou indo então, e me desculpa de novo - ele saiu andando e, depois de uns cinco passos, se virou e acenou. - Te vejo na segunda.
Acenei também, ajeitei alguns amassos na minha camis... Ahn?! Até segunda?! Então aquele garoto me conhece?! No meu estado de embriaguez, não consegui imaginar de onde poderia ser, e resolvi deixar a reflexão para o outro dia. No momento, a única coisa em que conseguia pensar era em como ele havia sido simpático comigo, a preocupação no rosto dele... como os olhos dele eram bonitos. Minha conclusão foi de que ele era, no mínimo, interessante. Mas enfim, a vida continua, então apenas empurrei o assunto para algum canto em que pudesse voltar mais tarde e segui até onde o Danilo estava, para checar o estado dele.
O caso é que ele tinha sumido. Revirando os olhos, saí para procurá-lo. A festa já estava bastante adiantada, o que se via claramente pelos vários vultos em cantos separados, tentando se recuperar do exagero, ou já vomitando tudo para fora. Meu único desejo era que o Danilo não fosse um deles.
Estava quase na pista de dança quando avistei a Andressa debruçada sobre uma mesa, onde o Danilo tinha deitado a cabeça e parecia estar dormindo. Preocupado, corri para lá.
- Andressa, o que aconteceu? Ele está bem?
- Mais ou menos, ele ameaçou passar mal, mas acabou só dormindo.
- Ufa - suspirei aliviado. - Eu passei um bom tempo vigiando ele, mas foi só dar as costas alguns minutos que ele sumiu. Acho que a gente exagerou nas doses dele - disse a ela, dando um sorriso.
- Ahh, ele vai viver. E na próxima ele já vai estar mais acostumado, então foi até bom no final. Pelo menos ele se descontraiu, o que achei que fosse impossível de acontecer.
- Bem, primeiro ele vai matar a gente, mas tirando isso... Enfim, sua vez de vigiar ele, quero aproveitar um pouco do resto da festa - disse, já me afastando.
Ela abriu a boca para protestar, mas não esperei para ouvir. Apenas segui na direção da pista de dança, onde agora havia grupos grandes conversando, e poucas pessoas dançando. Conversei com algumas pessoas que havia conhecido mais cedo, conheci outras, mas sempre atento aos arredores. A verdade é que estava procurando ele. Não sabia exatamente porque estava fazendo isso. Não tinha a intenção de puxar conversa com ele, muito menos de trombar com ele de novo. Acho que eu só queria vê-lo. Mas ele não estava em lugar nenhum.
Depois de um tempo, olhei pro relógio e ele marcava quatro horas. Me despedi de todo mundo e segui na direção da mesa, onde a Andressa estava conversando com algumas amigas e o Danilo estava sentado, agora acordado, mas com uma cara horrível.
- E aí, cara, tá melhor agora? - Perguntei, colocando uma mão no ombro dele.
Ele me olhou meio de lado, claramente tonto, e levantou um dedo.
- Sou mais alto que você, e mais forte. E eu juro que vou te matar segunda-feira.
Ri um pouco da forma como ele lutava com as palavras, e me sentei do seu lado.
- Relaxa, a primeira vez é assim, mas logo você se acostuma. E se segunda você ainda quiser, a gente pode tirar a limpo essa loucura sua de achar que é mais forte que eu. Como se isso fosse possí...
E aí a ficha caiu. Nem mesmo terminei o que ia falar, ainda meio sobressaltado com minha descoberta. É por isso que ele me disse "até segunda"! Ele estudava comigo! Como eu não percebi isso antes, não fazia a mínima ideia, mas só podia ser isso. Não consegui evitar uma centelha de esperança dentro de mim quando percebi que logo poderia vê-lo de novo. Ele tinha se tornado uma espécie de mistério para mim. Não havia segundas intenções nesse momento, ele era apenas uma pessoa que me parecera interessante. Contudo... os olhos dele eram REALMENTE lindos. Sacudi a cabeça para afastar esses pensamentos traiçoeiros e voltei à realidade, com a voz da Andressa me chamando.
- Lucas... ei, Lucas, dá pra parar de viajar aí? É melhor você ligar pra mãe dele vir buscar vocês. Ele precisa dormir um pouco, e de qualquer forma a festa já está acabando mesmo.
Olhei pro lado, e Danilo estava dormindo de novo.
- É... claro, vou ligar sim.
Saí do salão e fui pra uma área mais vazia, onde o barulho era bem menor. As poucas pessoas que estavam lá eram casais se pegando, desinteressados em falar e fazer barulho, o que, por sua vez, era bom para mim. Liguei para a Adriana e falei que já estava acabando e que ela podia vir nos buscar. Terminando, guardei o celular e estava voltando para o salão quando o avistei na saída, ao lado de um carro. De longe, não podia ver seus olhos, mas conseguia imaginá-los claramente. Aquela imagem ficou gravada, e poderia me lembrar dela para sempre. Ele entrou, com três outros garotos, e então o carro foi embora.
- Isso pode virar um grande problema - pensei alto, enquanto voltava para a festa e para a agradável distração dos fatos recentes.