Parte VII – Uma mente clareada...
Domingo chegou, e com ele, a tão indesejada lucidez. Acordei meio dia, com uma leve fraqueza no corpo e uma sede desgraçada. Nada de dor de cabeça, tonteira ou enjoo, não bebi tanto ao ponto de ter ressaca. Uma torrente de lembranças invadiu minha cabeça imediatamente e, num ato de proteção, bloqueei tudo.
Me levantei, tomei um banho rápido, e vesti uma roupa leve. Ainda evitando pensar em qualquer coisa, fui até o som e liguei uma playlist do The Kooks. E ao som de Naïve, fui fazer o meu almoço. Estava inesperadamente animado, ou pelo menos o bastante para alguém que tinha passado a noite inteira fora. Cantava e segurava uma guitarra imaginária enquanto colocava o macarrão na panela.
Meia hora depois, estava apreciando meu espaguete com peito de frango e molho branco ao curry (surpreendentemente fácil de fazer, sério) e assistindo um filme qualquer no Tele Cine. Quando terminei, fui arrumar a cozinha e, quando estava tudo arrumado, voltei para a sala e me deitei no sofá, olhando para o teto. Organizei meus pensamentos, a fim de enfrentá-los melhor.
Primeiro, um garoto aparece do nada e é gravado na minha memória. O que me chamou a atenção de início foi a voz, mas eram os olhos que não saíam mais da minha cabeça. Eu tinha aquela imagem fixa na minha cabeça, e pensar nele era pensar em seus olhos. O resto da sua aparência me parecia agora um borrão, e eu lembrava de poucos detalhes.
Segundo, esse cara me conhecia, e fazia todo o sentido concluir que ele estava na minha turma da faculdade. Tudo convergia para isso, e com o álcool fora do meu sangue, eu tinha ainda mais certeza de que estava certo. E de qualquer forma, confirmaria isso amanhã.
O que era estranho era eu não ter notado ele antes. Tudo bem, eu devo ter dedicado poucos segundos para prestar atenção em meus colegas de classe, mas essa atenção súbita que ele despertou em mim não deixava de ser estranha. O que só confirma minhas hipóteses de que vários fatores influenciam o processo de atração. Talvez em outro ambiente, ou outra situação, eu não tivesse reparado nele mais do que em uma pessoa qualquer, mas não foi o que aconteceu.
O que me deixava apreensivo era que essa atenção inicial podia se tornar algo mais forte, ainda mais considerando-se que eu teria de conviver com isso. E eu definitivamente não queria um problema desse tipo nessa fase nova da minha vida. Eu conhecia bem essa história. Uma atração básica, uns olhares de vez em quando, e, em poucos casos, uma queda pelo cara. As únicas vezes em que tive quedas por garotos não foram experiências legais. Um garoto da quarta série, outro na sexta, e alguns outros, sendo Lucas um deles. Geralmente elas duravam poucos meses, mas eram meses torturantes. Paixão foi só uma vez, e platônica, no meu terceiro ano, por um cara com quem eu nunca conversei, e durou um semestre inteiro. Foi horrível. Na verdade, paixão seria equivocado aqui, já que eu nem mesmo conhecia o cara. Estaria mais para uma obsessão. E amor... bem, não conheço isso ainda, ou pelo menos não nesse sentido.
Enfim, o que importa é que eu sabia que essa história podia virar uma baita batata quente. Porém, pensando melhor, não era uma coisa digna de tanta preocupação assim. Bah, eu perdi a conta de quantas vezes encarei garotos na minha vida, quantas vezes pensei em alguns por horas a fio. Essa era só mais uma situação comum, não precisava fazer tanto caso disso. É, melhor parar de me preocupar com isso, até porque o que não existe não vai me levar a nada. Satisfeito com minha conclusão, peguei meu notebook e tirei o resto da tarde para conversar com meus amigos pelo facebook.
É nessas horas que sinto vontade de ter um amigo que saiba sobre mim. Nunca tive coragem de contar a ninguém, e, por isso, todas essas sensações ficam guardadas , sem que eu possa compartilhá-las. Quem sabe um dia...
Depois de horas que passaram voando, me despedi e decidi dar uma volta. Estava meio frio, então coloquei uma blusa de frio e saí. Acabei parando no tal restaurante de comida oriental. O ambiente era lindo, o cheiro maravilhoso, e já havia semanas que não comia sushi, então exagerei naquela noite. Muito sashimi, nigiri, sushi, temaki, e mais milhões de tipos. Quando saí, mal conseguia andar, e olha que o bolso estava bem mais leve.
Cheguei em casa, tomei um banho quente, fiz minha higiene noturna, arrumei algumas coisas de última hora para as aulas do dia seguinte, e me deitei. Dessa vez, quando a imagem dos olhos dele veio à minha cabeça, apenas dei um sorriso leve e afastei o pensamento, abraçando a exaustão de bom grado.