O Dani ainda dormia quando levantei da cama. Vesti um roupão e desci pra cozinha para cozinhar algo pra comermos.
Depois da maratona de sexo com o Dani não havia mais nada que me incomodasse. Nem família, nem trabalho, nem qualquer preconceito. Eu o amava satisfazê-lo e, me satisfazer dele, era mais que perfeito.
Preparei sem pressa umas batatas-fritas e corri rapidinho no mercado comprar refrigerante.
Tive tempo de tirar do carro o material de pintura dele e deixar na varanda pra que ele pintasse ao ar livre.
Quando terminei de salgar as batatas, ouvi meu celular tocar no andar de cima. O barulho irritante ecoava em alto e bom som.
Praguejei alto, ao lembrar que meu celular estava na calça, que estava no quarto aonde o Dani dormia. Provavelmente havia o acordado. Subi correndo até o quarto, aonde o Dani segurava meu celular, com um cara sexy de quem acordou faz pouco tempo.
-Tá tocando. -ele bocejou e sorriu. -Mas isso é meio óbvio.
Eu ri.
-Se você estiver com fome, tem batatas e refrigerante. Vou ali no escritório atender e já desço.
Beijei seus lábios e fui pro escritório.
-Homero Lopes. -atendi secamente.
O escritório era outra parte da casa que continuava da mesma maneira que eu havia deixado. Havia algo meio... meio frio ali. Precisava de mais cor.
-Lopes, temos um problema! -meu assistente, Fernando Aguiar, anunciou.
Suspirei.
-Então resolva! -respondi, irritado. -Sabe que estou de ferias! Não venha me dizer que os caras da reunião de hoje se recusam a...
-Você está em um site online de fofocas beijando um cara. -ele me cortou.
-Como? -alterei levemente minha voz.
Eu havia ouvido errado, com certeza.
-A matéria é a seguinte: "Homero Lopes, um dos herdeiros das grandes empresas de calçados LOPES, é flagrado aos beijos com garoto misterioso".
Ele fez uma pausa, pois sabia que eu precisava desse tempo pra absorver a notícia.
-Diga que você está brincando comigo. -coloquei a mão na cabeça, em desespero. -Puta que pariu! Fernando, puta que pariu! Vou processá-los! Vou acabar com a raça desses merdas!
Caí na cadeira do meu escritório e rosnei. A imprensa havia parado de me perseguir fazia anos! Por que voltaram agora?!
-Homero, isso não é bom. -a voz de fernando estava cautelosa. -Os acionistas podem cair fora por causa disso e os nossos clientes também. Você sabe exatamente o tipo de discriminação que homossexuais sofrem.
-Eu sei! -gritei irritado. Suspirei. -Eu sei. -repeti nem suspiro.
Minhas empresas poderiam ir por água abaixo! Isso era o fim pra mim! Com certeza os acionistas e clientes vazariam ao perceber que um homossexual estava no controle de tudo.
Era uma realidade triste! Mas de qualquer forma, minha realidade!
Então num estalo lembrei da minha mãe... de como diversas vezes ela me subornou.
Arregalei os olhos.
-Filhos da puta! Malditos parasitas imundos!
Havia sido por isso que minha família apareceu aqui hoje. Pra me subornar com aquela matéria! E logo quando não aceitei a presença deles e descartei qualquer possibilidade de suborno, eles fizeram questão de liberar a matéria pra primeira revista que quisesse. Seja online ou não! Queriam mesmo era me foder!
-Foi a minha família! -disse, num grunhido. -Foram eles!
-Não duvido de nada. -meu assistente sabia como meus parentes eram.
-Fernando, a situação é realmente muito grave? -questionei desesperado.
-Não sei. -ele falou baixinho e eu conseguia ouvir ele martelar nas teclas do computador buscando soluções pro meu problema.
Fernando sempre foi muito leal e competente.
-Lopes, preciso desligar. Tenho muito a fazer. Só evite de sair com o seu... -ele suspirou. -... namorado e fique calmo. Eu vou resolver tudo, como sempre! É sério! Não se preocupe com nada! Curta suas férias e eu ligo pra dar novas notícias.
E desligou.
Fiquei ali, olhando pro teto do meu escritório com o celular na mão até que o deixei cair sobre meu colo.
-Maldição! -sussurrei, apertando a mesa a minha frente.
Tudo havia ido por água abaixo. Não havia mais sossego pra mim depois daquilo. Não havia como eu não me preocupar... eu era o pilar central das minhas empresas...
Então me dei conta de quão egoista eu estava sendo. De quão ridículo eu estava sendo! Pensando apenas em mim e nos meus lucros!
Mas e o Daniel? Eu não prometi a mim mesmo fazê-lo feliz? Prometi! Mas não era capaz de enfrentar preconceitos e uma possível falência por ele! Isso me encheu de asco de mim mesmo!
E eu nem contava o fato de que ele era apontado como o "garoto misterioso" que estava comigo. O guri estava completamente exposto! E se a imprensa começasse uma investigação sobre a vida dele quando descobrissem que ele estava comigo? Com certeza descobririam todo o abuso que ele sofreu e usariam isso pra mais materias!
A ideia me fez socar a mesa com fúria. Minha família iria pagar! Todos eles! Eu os odiava mais que nunca por mexerem com o que havaia de mais precioso pra mim! E me odiava mais ainda por expor o Dani a aqueles urubus!
Respirei profundamente e tentei me acalmar. Eu não iria conseguir pensar de cabeça quente.
Ouvi um barulho e baixei os olhos para assistir o Dani entrar pela porta do escritório, com o pote de batatas-fritas em uma mão e o refrigerante na outra. Havia dois copos de vidro dentro do pote de batatas.
Ele estava sorrindo quando entrou no escritório, mas seu sorriso sumiu assim que olhou-me. Aproximou-se devagar e colocou delicadamente as coisas em cima da mesa.
Deu a volta e sentou-se no meu colo. Eu fechei os olhos e deixei o cheiro dele me envolver.
-Algum problema? -ele deve ter lido a preocupação e a irritabilidade estampada na minha face. Seu olhar descontraído e contente foi substituído por um olhar preocupado também.
Direcionei a ele o melhor sorriso que consegui levantar e neguei.
-Está tudo bem. -menti. -Só uns problemas com um cliente furioso.
O olhar dele se suavizou e ele novamente sorriu. Me senti mal por mentir, mas era necessário! Eu iria protegê-lo até quando for possível! Nem que isso custasse muito caro. Eu estava disposto a pagar qualquer preço!
-Suas batatas-fritas são uma descoberta caseira! -ele riu. -Você é um perito em batatas.
Relaxei um pouco e ri.
-Pois é! É um dom!
Ele virou-se e sentou na minha mesa de madeira. Trouxe as batatas pra perto, assim como o refrigerante, e comemos enquanto conversávamos.
Não era difícil estar em paz perto do Dani. Apesar dos problemas me cercando, ele era minha válvula de escape. Com ele eu me sentia forte, destemido... com ele eu descobria um motivo pra lutar.
Depois de comermos, descemos até a varanda e eu me sentei na rede ali enquanto observava o Dani preparando as coisas pra pintar um novo quadro.
-Esse será um quadro bem melancólico. -ele avisou, virando o cavalete pra fora da minha visão de modo que eu via o verso da tela.
-Por quê? -parei um instante de me balançae na rede. -Está melancólico? -preocupei-me.
-Não. Estou tão feliz quanto alguém é possível estar. -ele sorriu, me contagiando. Sorri largamente pra ele. -Só quero pintar um dos meus últimos quadros melancólicos. Depois desse, apenas quadros alegres.
Ri baixinho e acenti.
-Então, fique à vontade.
Ele também acentiu, sorrindo.
Começou pincelando e manusiando fortemente o pincél sobre a tela. Eu era hipnotizado pelos movimentos dele. Pelas suas expressões faciais. Seu corpo transpirava delicadeza e arte enquanto ele se movia. Ventos vinham do mar e brincavam com o cabelo dele enquanto ele pintava. Lindo!
Era impreciso afirmar quando tempo fiquei ali, vendo-o pintar. Talvez meia hora ou talvez três horas. O tempo não importava, porque amava vê-lo tão relaxado e confortável.
Então, de repente, ele sorriu largamente e deu a última pincelada. Afastou-se e analisou cuidadosamente o quadro. Olhou pra mim e seus olhos transbordavam alegria e satisfação. Fiquei sem fôlego.
-Modéstia à parte, eu gostei e achei lindo. -ele falou pra mim, acanhado. -Quer ver?
Acenti sorrindo e ele virou o cavalete contento o quadro.
Meu sorriso sumiu.
-Dani, isso é lindo. -sussurrei, chocado. -Dani... isso é incrivelmente perfeito. Meu Deus!
O quadro era realmente melancólico. Muito triste e melancólico. Mas tão perfeito quando "O Toque de Vênus" que ele havia me desenhado.
Havia um garoto de olhos incrivelmente grandes e amarelos segurando um floco de neve completamente escuro. Nevava uma neve branquinha, mas ao alcançarem o chão, elas se tornavam escuras como o floco de neve que o garoto de olhos grandes segurava.
O garoto trajava roupas azuis fraco e estava descalço. Dos seus olhos saiam sangue. Ele chorava sangue.
-O nome é "Quarto Escuro". -o Dani falou baixinho e eu fui até ele pra beijar seus lábios.
Sei que não deveria me expor demais com ele, mas não resisti.
O guri tinha um telento que muitos artistas profissionais não tinham. Eu iria dar um jeito de anunciar para o quanto talentoso ele era... mas deixaria essa poeira abaixar.
Por hora, ele e eu estaríamos camuflados para que eu pudesse aproveitá-lo ao máximo.
"Quarto Escuro" ganhou um lugar no meu escritório e, por incrivel que pareça, deu um ar mais convidativo a ele. Agora eu tinha um motivo de entrar ali, sem ficar irritado. "Quarto Escuro" iluminaria meus dias.
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*Quero agradecer de coração a todos que comentam e lêem. Pode não parecer muito comentar sobre o quanto vocês gostam da história, mas, sim, é muito! Vocês e seus comentários são grande parte da minha motivação para continuar escrevendo... obrigado, de verdade!*