Morto? Como morto? Não podia ser verdade! Devia haver algum engano.
Dona Bilóca, mais preparada para esse tipo de situação do que nós, falou mais alguma coisa com a pessoa do outro lado da linha e desligou.
Eu e Leonardo apertávamos as mãos, esperando que Bilóca dissesse que haviamos entendido mal e que Bruno estava bem. Mais infelizmente não foi isso que aconteceu.
Com os olhos cheio de lágrimas ela disse:
-Meninos, acho que vocês entenderam bem o que ele disse.
-Bruno esta morto? Foi isso que ele disse? - Leonardo perguntou em um sussurro.
-Infelizmente, é isso mesmo, meus queridos. O nosso anjinho Bruno se foi. O Dr. Disse que ele não resistiu ao impacto da Batida do carro. Nem mesmo deve ter sabido o que aconteceu.
Eu e Leo em um gesto conjunto abraçamos dona Bilóca e choramos por vários minutos.
-Não é possivel que isto esteja acontecendo- Eu dizia aos prantos.
-Eu não acredito! Não o Bruno. Porque ele? Por quê? Por quê? Me diz Tomás. - Leo me perguntava enquanto me segurava pelo rosto, em tom desolado.
Os outros moradores da república que estavam nos seus quartos sairam para o jardim ao ouvir nosso choro. Todos ficaram igualmente desolados. Durante o dia vários alunos vieram confirmar o que pensavam ser boato, outros vieram simplesmente para estar por perto. A notícia se espalhou na velocidade do vento. Eu sabia que Bruno era popular e querido, mas só percebi a dimensão das pessoas que ele alcançou, ao olhar do terraço para o portão e ver um número enorme de flores. que os alunos traziam e velas que eram deixadas acesas dentro de cilindros transparentes.
Durante toda a noite as pessoas iam chegando e algumas traziam violão e cantavam as musicas do Pearl Jam, que eram conhecidamente as preferidas de Bruno.
Eu me lembrei daquela última vez em que fizemos amor na sala de Daniel.
Amor? Será que a morte dele estava me fazendo romantizar a situação?
Hora, por que diabos eu ainda me enganava?
E claro que nós haviamos feito amor. Nós nos amavamos sim, não do mesmo jeito que eu amava Leonardo. Mas nós nos amavávamos do nosso jeito.
Haviam aparecido também alguns canais de televisão que vieram documentar a trágica história da morte de um dos mais brilhantes bolsistas, que vindo de uma famílha pobre se tornara lider estudantil de uma das mais importantes universidades do país.
Na televisão corespondentes internacionais mostravam o local do acidente e os ferros contorcidos do carro. Olhando para as imagens ficava dificil de acreditar que Daniel havia sobrevivido com apenas algumas escoriações.
Leonardo me abraçou por trás e beijou minha nuca.
-Amor vamos deitar. Amanhã cedo temos que buscar os pais de Bruno na rodoviária.
A família de Bruno, o pai a mãe e uma irmã eram gente humilde. Moravam numa cidade pequena no interior do estado. Eles se recusaram a vir de avião, pois os três tinham pavor de voar. Eles não tinham dinheiro para uma emergência destas. Por isso compramos passagem de ônibus para todos. Alguém teve a feliz idéia de fazer uma vaquinha pela imternet e em menos de 24h já estávamos alcançando nosso objetivo e teríamos dinheiro para bancar as despesas do funeral translado do corpo e despesas de viagem para quem fosse ajudar.
Não tinhamos como contactar ninguém da família de Daniel. Seus pais o haviam rejeitado quando ele saiu e sua tia a única pessoa da família que lhe apoiava morreu na última primavera. Pobre Dani! Como ele estava suportando passar tudo isso sozinho?
Por causa da catapora, Leonardo não teria permissão para voar. Ficou decidido que eu e Bilóca iríamos para Milão.
Apenas depois de dois dias estávamos novamente em frente ao portão de embarque da ala de vôo internacional. Ao chegarmos no local exato onde havíamos dado aquele abraço coletivo com Bruno e Dani, Leonardo e eu nos abraçamos e começamos a chorar.
- Por favor amor volta pra mim.
-Não se preocupem rapazes logo nós estaremos de volta. E traremos todos para casa. - Disse Bilóca em um tom de e resignação.
A presença dela nos confortava - Ela era como uma mãe para nós e nós como os seus filhos.
Ouvimos o último aviso para o embarque.
Me partiu o coração deixar Leonardo para traz. Era a nossa primeira separação. Nos beijamos mais uma vez e nos despedimos com muitos "eu te amo" "se cuida" e "volta pra mim".
Parecia insano, mas passar por aquele portão me fazia sentir uma sensação de que eu e Leonardo estávamos nos separando para sempre.
Após um exaustivo vôo de 12h chegamos no aeroporto de Malpensa, onde um funcionário que o consulado brasileiro, gentilmente nos enviara para ajudar com os trâmites, nos aguardava.
Bilóca trazia toda documentação que fora exigida pelo governo Italiano.
Pedimos que nos levassem até o hospital onde estava Daniel.
Era um imenso complexo hospitalar cercado por um enorme gramado e jardins.
Nos dirigimos à um dos prédios mais modernos, mais especificamente ao sexto andar.
Nos indicaram a porta da enfermaria. Haviam seis leitos, apenas dois estavam ocupados.
No primeiro havia um homem de aparentemente trinta anos deitado sob os lençóis e tinha a perna com pinos puxada por trações, estava acompanhado de uma mulher jovem usando um hijab. Ela baixou a cabeça assim que entramos.
No outro lado, sentado no leito,estava um Daniel que eu nunca esperava ver. vestindo camisola, pálido, cabelos em desalinho, olhos fundos e vazios, olhava fixo para algum ponto do outro lado da janela.
-Dani! - Eu chamei.
No mesmo instante, como despertando de um lugar distante e voltando à vida, Daniel Puxou ar para os pulmões e virou a cabeça em nossa direção. Seus olhos ganharam expressão quando nos viu.
Eu me aproximei com passos rápidos.
-Tomas! O meu amor morreu Tomás. O meu amor, o meu Bruno...
Abraçando ele eu murmurava:
-Eu sei, eu sei.
-Por que eu não morri também? Me diz? Como é que eu vou viver sem ele? Ele era a minha vida, meu porto seguro, meu tudo.
Chorávamos abraçados enquanto Bilóca nos afagava.
-Obrigado por virem! Eu estava tão perdido!
-Nós somos sua família. - Disse Bilóca. - Claro que nós viríamos.
Fora o curativo na testa e algumas escoriações leves no ombro esquerdo, Daniel estava bem.
O mantiveram internado mais por ele necessitar a pricípio de sedativos e de ajuda psiquiátrica. O fato de Bilóca se apresentar como terapeuta ajudou muito para que lhe dessem alta naquela mesma tarde. Eu e Bilóca havíamos reservado um quarto de duas camas no mesmo hotel da reserva de Daniel e Bruno.
Não querendo ficar no mesmo quarto onde estaria supostamente passando a sua prévia da lua de mel com Bruno, Daniel pediu que Bilóca ficasse com a suíte enquanto eu e ele ocuparíamos o quarto duplo.
Devido a última dose da forte medicação que recebeu, Daniel dormiu assim que chegou ao hotel. E pelo cansaço do longo vôo eu e Bilóca fizemos o mesmo.
No dia seguinte a equipe organizadora do evento que faria a premiação ligou para o hotel para confirmar o horário que a limousine chegaria. Bilóca explicou a eles o que havia ocorrido. Eles lamentaram e se desculparam por não haverem associado as notícias do acidente a eles.
Vieram entregar o troféu e o cheque da premiação no hotel, naquela mesma manhã.
Daniel disse que doaria tudo para a família de Bruno.
Dona Bilóca junto do representante do consulado brasileiro se ocuparam de juntos aos órgãos italianos competentes agilizar a liberação do translado.
Eu e Daniel fomos levar flores no local onde ocorreu o acidente. Curiosamente haviam flores, velas e faixas em homenagem a Bruno. O que comoveu Daniel profundamente. Soubemos depois que alguns alunos da universidade, haviam pedido para que conhecidos em Milão fizessem as homenagens.
Sentamos a tarde em um café, onde permanecemos em silêncio.
No inicio da noite nos encontramos com Bilóca em um restaurante indicado pelo consierge do hotel. Durante o jantar Bilóca disse para não nos preocuparmos que estava tudo sendo resolvido em uma velocidade fora do comum e que no máximo em mais dois dias estaríamos voltando para casa.
No meio daquela noite fui acordado por um som que vinha da cama ao lado. Tentando abafar o som com o travesseiro, Daniel chorava de forma desolada. Aquela cena me cortou ainda mais o coração. Sem pensar duas vezes me levantei, caminhei até a sua cama e o abracei. Ele me abraçou de volta e choramos juntos até cairmos no sono, sedados pelo excesso de lágrimas derramadas.
No dia seguinte, sexta feira, estava completando seis dias do acidente. Haviam embalsamado e liberado o corpo de Bruno. Na manhã de sábado estaríamos embarcando de volta para o Brasil.
Assim que soube da liberação naquela tarde, Daniel fez questão de ver Bruno. Nós o acompanhamos.
Nos levaram para um sala gelada onde ele já estava preparado para o embarque.
Quando abriram a tampa, Daniel se aproximou. Olhava com olhar de descrença. Levou a mão até o rosto frio e sem vida de Bruno e percorreu cada parte com a ponta dos dedos como se quisesse memorizar a sensação de um último toque. Inclinou-se e beijou os lábios já sem vida e falou por um longo tempo em seu ouvido num sussurro inaldível.
Quando se ergueu afastou-se sem virar as costas.
Eu me aproximei e contemplei o rosto, ainda lindo, que eu tanto amava. Ele estava perfeito.
Parecia apenas estar dormindo.
Havia um pouco de maquiagem em sua pele, que fora levemente borrada pelas lágrimas de Daniel.
Me inclinei e beijei sua testa também, sussurando em seu ouvido, algo que não ousei dizer em vida .
Bilóca também se aproximou e repetiu o mesmo ritual.
Dois homens em terno preto que aguardavam pediram permissão para fechar, agora lacrando o caixão para a viajem.
Saimos os três da sala com os olhos marejados.
Sem muito apetite, jantamos em um restaurante e voltamos para o hotel.
Bilóca se despidiu e foi se recolher, dizendo já não ser tão jovem e que precisava estar disposta para maratona que seria o nosso retorno ao Brasil na manhã seguinte.
Eu e Daniel resolvemos descer para o bar do hotel para bebermos em homenagem ao Bruno. Isso era exatamente o que ele estaria fazendo se a situação fosse inversa.
-Sentamos em um canto do bar e pedimos uma garrafa de vinho que foi servido com uma porção de macadâmia de cortesia.
Falamos a maior parte do tempo de Bruno. Da pessoa maravilhosa que ele foi e dos momentos que passamos juntos. Choramos e rimos por diversas vezes.
Após a segunda garrafa e já um pouco altos. Pedimos a conta. O garçon que nos atendia, um simpático brasileiro com sotaque do nordeste, entendeu por que estávamos alí e disse:
-Eu falei pro gerente que hoje vocês tavam "bebendo o morto" e ele disse que não era pra cobra não. Essa fica por conta da casa.
Agradecemos a cortesia, deixamos uma boa gorjeta e fomos para o quarto.
Daniel tomou banho primeiro. Quando eu saí do banho, Daniel pediu que eu deitasse com ele como na noite anterior.
Peguei meu travesseiro e deitei do seu lado.
Mas ao contrário da noite anterior não o abracei.
Ficamos deitados um de frente para o outro nos olhando sem dizer nada por um tempo.
-Você sabia que foi o responsável por eu e o Bruno começarmos a namorar? -Daniel falou ajeitando o meu cabelo atrás da orelha.
-Como assim eu? Não me lembro de ter sido eu a apresentar vocês.
Bom não foi. Nós todos estavamos em uma mesa no B&B quando ele chegou do meu lado e perguntou se eu e você estávamos namorando. Eu disse que gostaria, mas que você não me dava mole. Então ele perguntou se podia tentar, mas parece que você não deu mole pra ele também, aí nós resolvemos fingir que estavamos namorando para ver se valorizávamos o nosso passe para você.
-Hah! Eu não acredito no que você está falando. Você tá de gozação, né? Mentira que vocês me deram mole. Eu jamais teria deixado passar nenhum dos dois.
-Eu não mentiria sobre isso. A verdade é que apesar de nós dois estarmos apaixonados por você, nos acabamos nos apaixonando um pelo outro também. Mas você nunca deixou de ser o nosso sonho de consumo.
Eu fiquei vermelho diante de tal declaração.
-Na verdade nós ficamos eufóricos quando rolou a nossa primeira tranza com você e seu ficante. Nós começamos a fantasiar que eramos um trio e que você também era nosso namorado.
Quanto mais Daniel ia falando, mais eu ficava pasmo.
- Então você apareceu com Leonardo. Eu desconfiei que ele podia ser algo mais para você, mas então nós fizemos amor de um jeito... Quando nós terminamos Bruno estava morrendo de medo, disse que já se sentia carta fora do baralho. Mas eu lhe garanti que faria de tudo para que nós três ficássemos juntos. Ai então você disse que queria conversar com a gente. Nós estávamos ansiosos. A gente tinha esperança que ainda podiamos ficar os três juntos. Mas então você jogou um balde de água fria quando disse que o seu namoro com Leonardo era sério e que vocês tinham fechado o relacionamento. Eu e o Bruno ficamos ...mais que arrasados. A gente tava muito apaixonado por você.
-Dani...eu não fazia idéia. Quer dizer eu meio que desconfiava, mas nunca pensei que fosse assim, não desse jeito.
Depois que você dispensou a gente, eu e o Bruno nos conformamos em ser um casal. E ficamos felizes em saber que você estava feliz.
-Eu não sei o que dizer Dani.
-Eu posso te perguntar uma coisa Tomás?
-Fala.
-O que você disse no ouvido do Bruno hoje?
Eu baixei o olhar me sentindo envergonhado.
-Eu...eu disse "Eu te amo".
Dani abriu um enorme sorriso.
-Ele deve ter adorado. Deve ter feito a dancinha da vitória. - Nós dois rimos. Isso era bem típico do Bruno.
Ficamos em silêncio.
Dani ajeitou novamente meu cabelo para trás da orelha e disse com os olhos marejados num sussurrou.
-Eu ainda te amo. Meu amor por você e pelo Bruno é a única coisa que permanece viva dentro de mim. Manter meu amor por você vivo é como manter o amor dele vivo também.
Eu também chorava. Então eu disse com a mais pura sinceridade.
-Dani, eu também amo você.
Foi aí que aconteceu. Ele aproximou os lábios do meu e me deu um leve beijo. Meu corpo todo estremeceu.
Eu retribui dando outro beijo. Apenas um leve roçar. Então ele me beijou novamente e senti sua língua pedindo passagem. O beijo que começou inocente, tornou-se intenso e apaixonado. Quando eu percebi já estavamos nús.
Eu adorava fazer amor com Dani. Ele tinha um pegada do jeito que eu gostava.
Nós nos acariciávamos e dizíamos palavras de carinho.
Em dado momento, enquanto ele procurava por preservativos na gaveta, uma vozinha me dizia que aquilo não deveria estar acontecendo. Mas quando Dani se virou tão lindo e com aquele olhar apaixonado, toda a culpa ficou ofuscada. Fizemos um amor calmo e apaixonado. Terminamos a noite dormindo um nos braços do outro.
Fomos acordados pelo tocar do meu telefone.
-Alô! Quem é? - Eu disse com a voz no meu típico resmungo mau humorado de quando eu acordava.
-Desculpa te acordar bebê! Ontem você não me ligou. Fiquei preocupado amor.
-Era Leonardo.
Olhei para o corpo nu de Daniel ainda colado ao meu, enquanto ele despertava perguntando em voz alta e rouca típica de quem estava espreguiçando:
-Quem é?
Eu tapei o bocal e corri até o banheiro. Chegando lá eu fechei a porta e disse:
-Desculpe amor! Eu não estava te escutando...
A voz de Leonardo do outro lado da linha que tinha um tom seco que eu ainda não havia ouvido nele me cortou.
-Pois eu escutei perfeitamante bem.
Ele fez uma pausa e depois apenas disse:
-Me responda apenas uma coisa. Eu estou errado de imaginar que no momento que eu liguei, você e Daniel estavam dormindo nús na mesma cama?
Eu estava mudo.
-Eu estou errado em pensar que o meu noivo e o meu amigo que deveria estar de luto pela morte do homem com quem ia se casar na próxima semana, passaram a noite transando? - Eu fiquei em silêncio sem saber o que dizer, então ele completou:
-Espero que o Bruno, onde quer que ele esteja perdoe vocês, porque eu jamais vou perdoar. Dizendo isto ele desligou o telefone.
Nú sentei no chão do banheiro, encostando na porta eu enterrava os meus dedos no cabelo e puxava com força.
-Meu Deus! Isso não está acontecendo!
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Estamos na metade.
Ainda tem muita coisa pra rolar.
Mais uma vez agradeço a todos que me trazem alegria ao prestigiarem o meu trabalho lendo, votando e comentando.
Vocês todos são muito especiais param mim.
Valeu mesmo, gente!
Amanhã tem mais.
Um pequeno spoiller: O capítulo de amanhã será no POV de Leonardo.
Bjs!