Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Aquela era sem dúvida a pior semana da minha vida, depois daquela em que a minha mãe morreu para me salvar da queda de uma árvore.
Eu tinha acabado de desligar o telefone do que que tinha sido a ligação mais surreal que eu já fizera.
Meu namorado, meu noivo, o homem com quem eu dividia a vida, o amor da minha vida, havia passado a noite transando com um dos nossos melhores amigos. Amigo esse que deveria supostamente estar de luto pela morte do homem com quem se casaria em poucos dias.
Atirei o celular com tanta força que se espatifou no espelho do outro lado do quarto. Em um ataque de fúria comecei a quebrar tudo o que eu via pela frente.
Não poupei nem um objeto.
Peguei uma faca e rasguei todo o colchão da cama. Virei do outro lado e fiz a mesma coisa.
Ergui o estrado da cama e joguei quantas vezes foi preciso para quebrar em vários pedaços. Assim eu fiz com todo o resto da cama. Quando eu terminei peguei as minhas duas sacolas de viagem e coloquei todas as minhas roupas e miudezas dentro. Tive o cuidado de deixar absolutamente tudo o que Tomás houvesse me dado.
Levei todas as coisas para dentro do Benedito e retornei para fazer uma última coisa.
Entrei no quarto retirei minha aliança e o cordão com os nossos nomes e coloquei na mesa.Fechei a porta e fui para o alojamento.
Nesse momento fiquei feliz por Marli, a madrasta de Tomás ser mesquinha e cruel.
Porque se não fosse por isso, eu não teria mantido o alojamento e estaria sem teto.
Entrei no meu antigo quarto, dei um tapa na limpeza e fui para o CPEER.
Contei para Alice o que havia acontecido.
Incrédula ela disse que devia haver uma boa explicação e que tudo não devia passar de um mal entendido. Mas eu não tinha a menor dúvida.
Meu ódio não tinha tamanho.
Para mim Tomás era passado.
Eu fiquei responsável por ajudar a família de Bruno a providenciar o funeral.
Tudo já estava pronto. Eu inclusive havia feito todos os cancelamentos referente a despedida de solteiro e ao casamento.
Ainda bem, porque eu não tinha cabeça para mais nada. Só pensava no quanto eu estava desapontado, decepcionado, arrasado e humilhado com o que Tomás havia feito.
Alice ficou de pegar a picape e buscar a todos no aeroporto.
Avisei a ela para não avisar onde eu estava e deixar bem claro para Tomás que se ele me procurasse eu faria com ele pior do que eu havia feito com a cama.
Mas a sorte não estava do meu lado. A 1:30h fui acordado por batidas fortes na minha porta.
-Por favor Leonardo! Abre a porta.
Era Tomás.
-Eu sei que você está aí dentro.
- Por favor bebê me deixe explicar.
Ele batia na porta insistentemente. E eu tampava meus ouvidos com as mãos.
Ele então começou a bater mais forte e disse que se eu não abrisse ele arrombaria à porta.
Uma voz vinda do fundo do corredor gritou.
- Tem gente querendo dormir se você não parar de gritar, eu vou chamar a polícia.
Tomás então respondeu.
-Vai se fuder seu filho da puta!
Então ele tornou a bater na porta com mais força ainda do que antes.
- Por favor Leonardo, abra a porta!
Nessas horas, coisas estranhas vem na nossa cabeça. Eu ficava ouvindo no fundo do meu pensamento a música da Sandy e do Júnior "Abre a porta Mariquinha! Eu não abro não."
-Por favor Leo! Não é como você tá pensando.
Eu tapava o meu ouvido o mais forte que eu podia.
Foi então que pela janela do quarto entrou uma forte iluminação strobo. Alguém tinha chamado a polícia. Fiquei tentado a abrir a porta, mas a raiva ainda era muito grande. Fiquei parado esperando para ver o que iria acontecer. Um toque curto de sirene de aviso foi acionado. Ouvi vozes masculinas falando em um rádio comunicador. Parece que Tomás também percebeu a chegada da polícia. Ele deu um tapa seco na porta e disse:
- Eu vou, mas nós vamos ter essa conversa ainda.
Escutei seus passos se afastando em direção as escadas.
Depois ouvi vozes conversando no estacionamento. Não resisti a curiosidade e fui até a janela olhar pela fresta da persiana. Tomás conversava com os policiais gesticulando muito. Parecia estar embriagado. Os policiais devem ter sido da mesma opinião porque um deles foi até a viatura e pegou o bafômetro pedindo que Tomás soprasse nele.
Aparentemente o resultado do exame do bafômetro deu negativo porque Tomás foi liberado. Ele subiu na pick up e partiu, mas não sem antes olhar para a janela do meu quarto fixamente por quase um minuto e dar um leve aceno com a cabeça. Eu sabia que ele não podia me ver porque o quarto estava escuro e a persiana estava fechada. Mas foi como se aquele olhar houvesse penetrado a minha alma.
O velório de Bruno teve a sua vez no salão nobre da reitoria. haviam centenas de alunos, tanto dentro quanto fora.
O cortejo partiu rumo a um cemitério próximo a universidade.
No momento de despedida final alguns alunos que haviam trazido o violão se uniram para tocar a música favorita de Bruno, "Garden" do Pearl Jam. Todos cantaram juntos.
Eu permaneci o tempo todo ao lado de Alice. Procurei ficar o mais distante possível de Tomás.
Ele aparentemente teve o bom senso de respeitar o funeral de Bruno e não tentar uma aproximação comigo ali.
Daniel que durante todo o funeral e o enterro parecia desolado, veio andando em minha direção no final do enterro.
Eu apenas fiz um gesto com a mão direita para que ele nem tentasse.
Ele parece haver compreendido o recado e não tentou uma segunda vez se aproximar de mim.
Quando eu cheguei no alojamento Tomás estava me aguardando na porta do meu quarto. Ele devia ter colocado o carro em algum lugar distante, pois se eu houvesse visto a pick up no estacionamento, certamente eu não teria entrado em casa. Eu teria dado meia volta.
Quando eu o vi sentado na porta do meu quarto, imediatamente virei para ir embora. Ele levantou em um salto e pediu:
-Por favor não vá embora! Vamos conversar.
Eu então respondi em um tom seco:
-Nós não temos nada para conversar. A nossa história acabou. Não tem mais volta Tomás. Não consigo imaginar nada que você diga que vá me convencer a te perdoar.
-Eu te amo. Eu sei que você me ama também.
- Isso é irrelevante agora, Tomás. Tão irrelevante quanto foi para você quando transou com Daniel naquele quarto de hotel lá na Itália. Ou você vai querer me convencer de que fez isso por que me amava? Em nenhum momento você parou para pensar o quanto estaria me machucando? Provavelmente se eu não tivesse ligado naquela hora, eu nunca ficaria sabendo e vocês dois continuariam a ter um caso bem debaixo do meu nariz.
-Você não entende Leonardo você não estava lá vivendo o que nós vivemos.
-Você fala como se tivesse sido uma opção minha não ir para a Itália com você.
Sabe de uma coisa? Você está completamente certo. É evidente que eu estou mentindo sobre a porra dessa maldita catapora só pra ter tido uma desculpa pra não ir. - Falei em tom de ironia.
Tomás passou a mão pelo cabelo em um gesto típico dele quando muito nervoso.
- Não foi isso que eu quis dizer. Você não está fazendo o menor esforço para entender o meu lado.
- Eu não quero e nem vou querer nunca entender o seu lado Tomás. O que mais eu tenho que fazer para que você entenda que está tudo acabado entre nós e que nada do que você disser poderá mudar isso?
- Eu não vou desistir de você. Eu amo você. Você é o amor da minha vida. Nada nunca vai mudar o que eu sinto por você. Eu não vou desistir Leonardo.
- Se você realmente me ama prove isso. Não me procure mais para falar sobre assuntos pessoais. Não me procure mais para pedir que eu volte para você. Isso não vai acontecer. Não me faça mais mal do que você já fez me obrigando a abandonar este estágio, que eu preciso tanto, apenas para ter que evitar você. Porque eu vou preferir perder tudo do que continuar nessa agonia de ter você ao meu redor insistindo neste assunto.
Tomás olhou para mim por alguns instantes em completo silêncio. Ele tinha a aparência triste e abatida. Por alguns segundos tive que me segurar para não me agarrar ao seu pescoço o abraçando, beijando, consolando dizendo que estava tudo bem e que nada daquilo importava mais e que iriamos continuar juntos para sempre. Mas a raiva, o recentimento, o ciúme e o orgulho ferido, junto com o medo de que isso se repetiria, foram mais fortes e eu permaneci parado sem mover um único músculo.
Tomás fez um sinal lento de afirmativo com a cabeça e disse:
- Tudo bem. Se é isso que você quer, é isso o que você vai ter de mim. De hoje em diante só vou me dirigir à você para conversar sobre assuntos que dizem respeito ao nosso trabalho no CPEER.
Dizendo isso ele virou as costas e foi embora.
Entrei no meu quarto sem acender a luz, fui em direção a janela a tempo de ver Tomás entrar no carro dar a partida e ir embora sem dirigir um único olhar para a direção da minha janela.
Deitei na minha cama abracei o meu travesseiro e chorei. Chorei por mim, chorei pelo Bruno, chorei pela minha mãe, chorei pela minha infância solitária e chorei pela perda do amor da minha vida
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Obrigado a todos os que leram, votaram e comentaram até aqui.
Em particular aos queridos: cintiacenteno, Amon ❤️, Sheilinh@, M(a)rcelo e will(Wy) que comentaram o último capítulo.
Eu sei o quanto é indigesto falar de traição de verdade. Principalmente quando não há equívocos, e mau entendido. Do tipo, alguém tropeçando e caindo de boca no pau de outro."sem querer". O conto está apenas na metade. Haverão muitas outras zonas de desconforto sendo visitadas.
M(a)rcelo você está certo ao pensar que muita coisa que vocês desejam podem acontecer sim, mas de forma surpreendente e incomum. Só espero que minha escrita esteja a altura das expectativas de vocês.
Como eu tenho feito aos sábados, hoje haverá um capítulo bônus que eu estarei liberando mais tarde.
Bjs!