Agosto chegou ao fim. Setembro e outubro passaram voando. Eu agia de forma como se fosse um autômato. Acordava no meu quarto no alojamento, levantava, fazia a minha higiene pessoal , bebia um café, me arrumava, assistia às aulas e mergulhava nos estudos. Quando eu me lembrava eu ia ao refeitório almoçar. Eu ia para o estágio e executava as funções com concentração e precisão. Ia para casa e quando eu tinha muito o que estudar eu acabava dormindo sobre os livros. Quando não tinha muito o que estudar eu deitava e chorava com pena de mim mesmo até que eu dormisse.
Eu havia emagrecido uns bons quilos. Todas as minhas roupas estavam largas. Como eu não queria desperdiçar o dinheiro da minha poupança para comprar roupas novas, eu tive que improvisar cintos com barbantes.
Tomás havia cumprido com a sua promessa e não tornou a me procurar. Ele evitava os meus horários no CPEER. Quando ele tinha algo para me dizer mandava um memorando formal ou um recado impessoal por Alice.
Um lado de mim estava furioso com ele, porque eu queria que ele lutasse por mim até as últimas consequências. As vezes eu via sua caminhonete passando perto de onde eu estava, mas eu sempre desviava o olhar antes que ele chegasse mais perto.
Naquela manhã nós quase colidimos ao cruzarmos um com o outro nos corredores vazios da faculdade de engenharia. Eu olhava pra ele com cara de espanto e ele olhava para mim igualmente surpreso. Ele estava muito magro. Se eu estava tão horrível e miserável quanto ele, estava explicado a cara de espanto com qual ele me olhava.
-Oi Leo! - disse ele num sussurro.
-Oi! -Ficamos parados olhando um para o outro sem nos movermos, sem falar nenhuma palavra.
Eu queria tanto saber dele, ouvir sobre ele, levar ele para o meu quarto e deitar a sua cabeça no meu colo até que ele dormisse. Queria alimentar ele até que ele voltasse ao peso normal.
- Você está uma merda. - Droga! Eu não acredito que eu disse aquilo.
-Me desculpe eu não deveria ter dito isso- Falei abaixando a cabeça. Eu já ia me virando para ir embora quando ele segurou o meu braço, olhou nos meus olhos e com uma expressão séria e triste disse:
- Tudo bem! O que você disse é verdade. Eu sou a mais pura merda quando estou sem você.
Me desvencilhando do seu braço, eu baixei a cabeça e em murmurio quase inaudível falei:
- Com licença eu estou atrasado para a aula.
Caminhei pelo corredor quase em uma corrida até que cheguei na sala de aula. Meu coração batia de forma alucinada.
Aquela noite eu não consegui dormir. Fiquei a noite inteira pensando em Tomás. Era evidente que o seu sofrimento era tão grande ou maior que o meu. Eramos os dois miseráveis. Eu estava tão confuso. Tudo parecia tão sem lógica.
A madrugada quase terminava quando eu havia chegado à brilhante conclusão de que o mal que a separação de Tomás estava me fazendo era milhares de vezes pior do quê a dor da traição.
Eu não queria mais sofrer. Eu queria esquecer tudo. Eu queria Tomás de volta.
De madrugada na solidão da cama era mais fácil tomar essa decisão, porém na luz do dia era como se as coisas deixassem de ser uma fantasia e a voz da realidade falasse mais alto.
Um lado de mim, mais perverso estava satisfeito em ver que eu não estava sozinho no meu sofrimento. Tomás, aparentemente sofria tanto quanto eu.
Uma semana depois do nosso encontro acidentetal no corredor, Tomás apareceu no CPEER dentro do meu horário. Era a primeira vez que isso ocorria desde a nossa separação. Ele ainda estava magro, mas a aparência geral havia melhorado um pouco.
Ele me cumprimentou e se dirigiu a mim para falar de assuntos pertinentes ao nosso trabalho.
No final do dia ele se despediu com um:
-Tchau vou nessa!
Eu fiquei em um misto de felicidade e decepção.
Por um lado eu fiquei feliz por passar o dia ao seu lado. Por outro, eu fiquei decepcionado por ele não tentar uma conversa mais pessoal comigo.
Mas eu não podia reclamar, não é mesmo? Afinal ele estava me dando apenas aquilo que eu havia pedido, ou melhor, aquilo que eu havia exigido.
Me conhecendo como ele conhecia, era quase certo que ele deveria estar morrendo de medo que eu cumprisse a minha promessa de sumir caso ele continuasse me assediando.
No dia seguinte para a minha surpresa Tomás passou o dia inteiro trabalhando ao meu lado novamente. E assim foi no decorrer de toda a próxima semana.
Na sexta feira ele havia comprado pão de metro e dividiu com todos no laboratório. Eu aceitei o meu sem fazer nenhum estardalhaço a respeito disso. Afinal ele estava me tratando da mesma forma que a todos os demais alunos.
Todos os outros dias Tomás trouxe algo diferente para comer. Os outros alunos ficaram empolgados com a idéia e começaram a trazer também. Eu, também trouxe lanche para dividir com todos. Um dia quando vi o sorriso de Tomás ao me ver comendo com gosto o lanche que ele havia trazido, me dei conta de que este era o plano dele desde o início.
A descoberta deveria me deixar irritado. Não sei explicar direito o porquê, mas na verdade me deixou muito feliz. Apesar de separados ele ainda cuidava de mim.
Eu estava sentado na cadeira comendo o meu sanduíche de maionese alface tomate e frango desfiado quando Tomás sentou ao meu lado e começou a discutir alguns gráficos que eu havia montado na véspera. Estávamos muito próximos.
Fiquei surpreso quando com a mesma naturalidade de quando estávamos juntos ele estendeu a mão até meu rosto e com a ponta do dedo limpou um pouco do molho que escorregou no canto da minha boca, tornando os dedos para a propria boca e lambendo. Eu parei no meio da frase que eu estava falando. Fiquei olhando para ele sem ação. Ele parecia estar tão assustado quanto eu com sua ação impensada.
- Desculpa Leonardo! Eu simplesmente não pensei.
- Tudo bem Tomás. Não foi nada. - Eu balbuciei olhando para os papéis buscando com certa dificuldade retomar o meu discurso de onde eu havia parado.
Os dias foram passando e a minha relação com Tomás foi ficando cada vez mais normal.
Não que tivéssemos passado a ser amigos, mas era uma convivência educada e agradável.
Na última semana de novembro houve um problema com o reator do sistema eólico principal. Se não resolvessemos logo, toda a pesquisa realizada durante os últimos três anos seria desperdiçada. Todos nós alunos e professores atuantes na pesquisa estávamos como loucos correndo de um lado para o outro tentando resolver o problema. Passamos o dia inteiro tentando achar uma solução para este problema sem sucesso. Já passava de duas horas da manhã e estávamos no CPEER eu, Tomás e o nosso chefe de pesquisa, que aliás havia feito uma pequena pausa para um cochilo.
Eu fazia o mesmo cálculo pela milésima vez. Tentamos por vários caminhos diferentes, mas na hora de colocar em prática tínhamos zero de sucesso.
Dessa vez, quando terminei os cálculos, Tomás digitou os valores. Reajustamos todo o equipamento e ...Voilá!
O gerador voltou afuncionar.
Olhando um para o outro demos um grito de goooool com os braços erguidos
Começamos a rir e a nos abraçar numa alegria que não sentíamos por nada a muito tempo.
Rodamos abraçados, felizes por "marcar um golaço" no que para nós era o melhor jodo do mundo. O jogo do desafio da ciência versus a nossa inteligência.
Foi então que aconteceu.
Tomás segurou o meu rosto e antes que eu percebesse, estávamos nos beijando de forma apaixonada.
Fomos interrompidos por uma tosse forçada. Seguida da voz grave do professor.
- Normalmente eu sou absolutamente contra a confraternização entre alunos durante o horário de trabalho, mas levando em conta a razão aparente pela qual vocês estão confraternizando, eu digo que se quiserem podem me beijar também.
Para o meu espanto e do professor também, Tomás segurou o rosto do professor e deu um selinho em sua boca e em seguido uma pirueta. Com uma mão enviou "um beijo do gordo" e saiu saltitante gritando.
-Vejo vocês amanhã, meus amores!
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Mais uma vez agradeço a todos vocês que têem lido, votado ecomentado o meu conto. Hoje em especial:
cintiacenteno️, Sheilinh@, M(a)rcelo e Guininho.
Vocês são muito gentis e generosos. Sem dúvida a existência de leitores como vocês e todos os outros que ja fizeram algum cometário é um verdadeiro estímulo para que eu continue a escrever, mais contos.
Beijos e até amanhã!