Por umas dez vezes pensei em simplesmente levantar e sair daquele restaurante, deixar Mauricio lidar sozinho com seus dramas e afliçoes. Mas entao a voz chorosa dele ao telefone me vinha à lembrança e eu ficava penalizado. "Esse mundo dà mesmo muitas voltas. As làgrimas que ele chora hoje, eu chorei hà dois meses", pensei, sem satisfaçao nenhuma.
Conforme o combinado, ele apareceu no restaurante às onze em ponto, movendo a porta giratoria de vidro fosco e entrando junto com uma lufada de ar frio. Como sempre, superando por um segundo toda a raiva e a magoa, meu coraçao bateu num compasso de saudade e amor ante a visao daquele homem espetacular que se aproximava de mim. Vinha num semblante entre desanimado e constrangido, trajando jeans descorado e uma jaquetona de couro branco, toda ornada com insignias de times de beisebol; apertou minha mao rapidamente, sentou-se e apos um momento de silencio que se seguiu aos nossos pedidos ao garçom, Mauricio me encarou.
- Desculpe perturbà-lo com meus problemas... _ começou ele a dizer, suspirando _ Eu fiquei... com vergonha de me abrir com os outros...
- Sei. Comigo voce nunca teve constrangimento de nada, mesmo _ esbocei um sorriso infeliz _ Para o bem ou para o mal. Simplesmente fez como quis...
- Eu sinto muito... _ ele sussurrou, cabisbaixo.
- Eu senti mais, Mauricio.
Ele se calou, olhando para o guardanapo de linho bordado sobre a mesa. Suspirei, querendo acabar logo com aquela situaçao aflitiva.
- Entao? Como foi? Voce o flagrou com outro...
- Ontem mesmo... à tardinha _ Mauricio engoliu em seco, humilhado _ Subi ao apartamento dele, com ingressos para o teatro, espetàculo da sete horas... Entrei, pois tinha uma copia da chave e... là estava ele, Nathan, na sala mandando ver no rabo duma bichinha loirinha, magrela... Conheço essa bicha, mora ali no condominio, e William sempre me disse que eram "colegas". Colegas de foda, claro.
Fitei-o com pena dele e de mim. Como ele foi se enganar tanto? E tinha facilmente me trocado por aquele verme. Eu valia tao pouco assim?
A comida chegou: risotto alla milanese para mim, e alcatra ao molho madeira com salada Cesar para ele. Começamos a comer em silencio; o restaurante tinha como som de fundo jazz, e lembrei que Mauricio gostava um pouco do estilo. Ele sempre fora refinado, uma bicha "chique", como dizia o Quin.
- Ele esta como louco atras de mim, desde ontem _ falou ele de repente, me olhando _ Mas claro que... eu nao quero ouvir explicaçao nenhuma.
- Creio que agora voce sabe como me senti naquele dia em que os vi juntos _ falei, rodando o vinho na taça _ Doi tanto, Mauricio! Parece que a gente vai morrer.
- Eu sei _ ele sussurrou, e seus olhos marejaram olhando para o vazio.
Sempre que ele estava para chorar seu rosto ganhava um rubor intenso, assim como os labios que pareciam feitos de sangue, tornando-o espetacularmente belo e com um jeitinho de inocente. Como ele era bonito! Um dos mais magnificos homens que já vi.
- Voce nunca faria comigo o que ele fez _ disse ele de repente, se contendo e me olhando com um semblante desamparado.
- Nao. Nunca.
- Sabe, Nathan, as vezes temos que levar uma bordoada dessas, uma rasteira, para aprendermos a dar valor ao que foi _ murmurou, me olhando nos olhos _ Porque o arrependimento vem. E vem forte.
- Entretanto voce disse que meu amor era ridiculo e que voce nao me amava hà tempos _ falei um pouco exaltado _ Lembra daquele escandalo na livraria? Eu me lembro de cada palavra sua.
- Eu estava alterado, voce me pegou de surpresa, me acuando... Sabe como nao gosto de me sentir pressionado e... odeio baixaria, ainda mais em publico. Desculpe por aquilo.
Permaneci calado, tentando entender aonde ele queria chegar com tudo aquilo. Certamente nao me procurou apenas para desabafar... Havia algo mais e eu tinha medo de ouvir, porque sabia o que era.
- Voce esta tao bonito _ sussurrou ele, dando um sorriso suave _ Ontem, depois que nos falamos ao telefone, fiquei pensando que voce foi o namorado mais bonito que eu tive. E o melhor, tambem.
Coloquei o guardanapo na mesa, me levantando.
- Deu a minha hora, preciso voltar _ falei, pedindo com um gesto ao garçom a minha conta.
- Espera _ Mauricio segurou meu braço _ Deixe que eu pago, afinal o convidei.
Nao opus resistencia, observando-o pagar aquela salgada despesa. Saimos juntos, andando lado a lado na rua sob o sol morno. Ventava outra vez.
- Seu apartamento ficou bonito? _ indagou ele _ Luan me disse que voce se mudaria no domingo, por isso liguei...
- Ficou como planejei, deixando as cores e as lembranças do passado para tras _ respondi sem olhar para ele.
- Posso visità-lo hoje, às seis? _ perguntou, pondo a mao em meu ombro enquanto caminhavamos.
Nao respondi, apenas afastei-me dele, apressando o passo e continuando meu caminho em direçao ao meu trabalho. Impossivel, a partir daquela hora, concentrar-me em alguma coisa, minha cabeça parecia um redemoinho, me pondo louco à medida em que o tempo passava. Porque nao me deixavam em paz? Logo agora que eu estava me refazendo...
Às cinco sai com pressa do escritorio, me odiando por ter aquela ansiedade, aquela fraqueza ainda por ele... Em casa tomei banho, vestindo-me com algum cuidado, e no ultimo momento pensando em sair para que ele nao me encontrasse. Porem, assim que soou a campainha e eu abri para ele entrar, soube que estava liquidado, como um pato abatido.
Pressentindo vento favoravel, Mauricio me fitou demoradamente nos olhos, chegando mais perto e me abraçando com força, com vontade. O cheiro dele era quente, loçao Old Spice e a intensidade aveludada de seus cabelos castanhos recem-lavados com xampu OX de manteiga de karite, para hidratar. Tentou me beijar na boca, mas desviei e ele chupou devagar um lado de meu pescoço, me arrepiando.
- Voce tem alguem? _ sussurrou.
Pensei no maluquinho. O que ele diria? A palavra "namoro" sequer fora pronunciada em nossas conversas; senti uma tristeza, como se estivesse deixando algo bom para tras.
- Nao _ respondi.
Mauricio me apertou mais forte em seus braços, acariciando meus cabelos daquele jeito que sempre fazia, enquanto me beijava o rosto levemente. Que saudade, meu Deus, que saudade...
- Volta pra mim, Nathan? _ ele sussurrou.
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Valeu, povo! :)
Ate a proxima!!