O som dos insetos na mata rompia o silêncio do quarto. Ao longe sapos coaxavam a beira de algum brejo em sintonia com o barulho de patos ou cisnes, não sabia ao certo. Aquela era a primeira pernoite no acampamento.
Um estalar de madeira fez Derick ficar paralisado na cama. O barulho passou, era apenas Kaio se mexendo no beliche superior, já fazia algum tempo que o garoto dormia. Os olhos de Derick fitavam a claridade projetada na parede. O quarto estava escuro, mas a fraca luz do pátio entrava pelas frestas da janela de madeira.
Outro estalar, um pouco mais demorado. Lucas mudava de posição no beliche ao lado. A situação era essa, os quatro rapazes estavam no mesmo quarto por ironia do destino. Derick e Kaio ficaram no beliche da esquerda frente à porta. Um na cama inferior (Derick) e o outro na superior (Kaio). Lucas e Ian dormiam ao lado, no beliche encostado na outra parede, Lucas na parte inferior e Ian na superior.
O dia já estava quase amanhecendo e o garoto não conseguia adormecer. O nervosismo fazia com que seu estômago revirasse, ele suava frio e tremia. O ar do quarto parecia quente, parecia sufocá-lo. Para ele já era difícil dividir o espaço com outras pessoas, ou melhor, com outros garotos, imagine então nessa situação.
As horas continuam a passar, seus sentidos estavam tão aguçados que conseguia ouvir o tic tac de um relógio de pulso guardado por ali. Derick respirou fundo – Eu preciso sair daqui – pensou.
O barulho do tic tac continuava, ele cobriu a cabeça e ligou o celular para ver as horas, 05:25 da madrugada. Cuidadosamente retirou a coberta de sobre si, colocou o celular no bolso do short e se arrastou lentamente para fora da cama – ainda bem que escolhera a inferior – pensou. Ficou sentado por alguns segundos procurando o chinelo com os pés, como viu que não conseguia descobrir qual era o seu, ligou o celular apontando a claridade para o chão com muito cuidado e assim identificou o calçado branco.
Antes de desligar o celular, observou de relance Lucas dormindo com a boca aberta bem pertinho da beirada do beliche e Ian descoberto virado com a barriga para cima.
Derick caminhou lentamente até a porta e conseguiu abri-la fazendo um pequeno ruído. Mas isso já não importava, precisava sair. Quando colocou os pés no corredor sentiu o ar fresco e respirou fundo, procurou um banheiro e logo após seguiu em direção à saída.
Ao afundar o chinelo na grama da área externa sentiu as gotas do orvalho frio molhar seus pés. Ele voltou para a parte calçada e andou a beirando o prédio passando por várias janelas grandes de outros dormitórios. Deu a volta no local, abriu um pequeno portãozinho e teve acesso a uma área interna, por onde tinha caminhado com as amigas após o jantar.
O garoto subiu alguns degraus de acesso para o corredor onde estava um sofá velho. Ele deitou-se. Era possível ver o céu estrelado para além das telhas colônias que cobriam o local. O ruído da natureza era mais alto, não possuía paredes para limitar o som. A friagem batia em seu rosto, ele aconchegou-se melhor à blusa de frio e adormeceu.
***
- Olha que música legal – Lizi retirou um dos fones e deu para Tatiane que sentada ao lado colocou na orelha.
- Credo – Tatiane olhou para a cara da amiga – desde quando você gosta de Rap?
- Uma colega me enviou por WhatSap – respondeu Lizi balançando o corpo no ritmo da música enquanto tomava um pouco de café.
- Eu em – Tatiane tirou o fone e devolveu para a colega – Ei, e essa cara de ressaca? – Perguntou para Derick que estava com os olhos meio inchados.
Os amigos estavam sentados em uma mesa feita com toras de madeira envernizada, era café da manhã e muitos estudantes circulavam por ali.
- Não consegui dormir direito – Derick abre uma bocarra de sono – acho que foi a ansiedade – completa, mesmo sabendo que não foi aquilo que causara sua insônia.
- Você está a cara da derrota! – Tatiane fala após tomar seu leite e encher a boca de pão.
- Derrotado é pouco – Derick novamente abre a bocarra de sono e toma um gole de café.
- E então, o que vamos fazer depois do lanche? – Lizi desliga o celular, retira os fones e guarda no bolso.
- Vamos explorar o local – Tatiane toma mais um pouco de leite e olhando por cima dos óculos repara alguns rapazes passarem encarando-a. Ela pega um guardanapo de papel e limpa a boca, pensava estar com “bigodinho” de leite.
- Eu queria ir à piscina – Lizi rasga um pedaço do pão deixando cair várias casquinhas sobre a mesa, em seguida leva-o a boca e olha ao redor.
- Estão dizendo que vai ter uma partida de... – Tatiane não sabe ao certo de que - alguma coisa lá na quadra coberta.
Os mesmo garotos que passaram a pouco pelo grupo, param perto de um lavatório e ficam olhando para a garota.
Lizi cai na gargalhada – acho que é de basquetebol mulher – Ela rasga outro pedaço do pão e leva a boca, observando Derick quase cochilando.
- Ei, acorda – o garoto se assusta – nossa Derick, vou falar a verdade, você anda muito perdido – Lizi é direta.
- Perdido? – Derick coça os olhos e continua o lanche.
- “Perdido” – Lizi reafirma – Antes você falava pelos cotovelos, agora vive no mundo da lua – Lizi coloca outro pedaço de pão na boca e dá um gole no café.
- Ai meninas, desculpa – Derick olha para as amigas – são meus probleminhas particulares. Mas prometo que vai tudo voltar a ser como era antes – Ele abre um sorriso.
- E esses meninos que não param de olhar para cá – Lizi repara.
- Quais? – Derick quer saber.
- Aqueles ali, perto do lavatório – Lizi fala baixinho e observa Derick virando-se para olhar.
- Ei, seu tonto. Seja mais discreto – Lizi belisca o colega
- Ai – ele solta o gemido e passa a mão sobre o braço, onde a amiga apertou.
- OMG, um deles está vindo para cá. Disfarça – Lizi coloca a mão no bolso, retira o celular e começa a futricar.
O garoto se aproxima, muito bonitinho por sinal. Ele apoia-se na mesa e olha diretamente para Tatiane,
- Você é a Tatiane do primeiro ano?
A garota fica indagada, o que será que aquele boyzinho queria?
- Eu mesma, por quê? – pergunta.
- É que um dos meus amigos queria conversar com você – ele olha para Derick e Lizi.
- E o que ele quer, ou melhor, quem é ele – Tatiane começa a gaguejar.
- Aquele de jaqueta preta – ele olha para os dois amigos escorados no lavatório – e quanto ao que ele quer – o garoto abre um sorrisinho peralta – você só vai saber se encontrá-lo – completa.
Lizi e Derick ficam olhando um para o outro. Aquele tipo de coisa era novidade para os dois. Ou melhor, aquele tipo de coisa acontecendo com Tatiane, era novidade para os dois.
Tatiane olha para os amigos, Derick dá um sorrisinho de apoio como se dissesse: vai lá boba; Lizi volta a mexer no celular, estava tímida por causa do garoto lindinho.
- Ok. – ela gagueja sem encontrar resposta melhor.
- Então, ele vai esperar lá perto da quadra – o garoto olha em direção aos amigos e em seguida retira-se.
- O que será que ele quer? – Tatiane sussurra, observando os colegas com sorrisinhos sugestivos. No fundo os três sabiam do que se tratava.
Tatiane observa os garotos retirando-se e seguindo para o local combinado. Ela volta a atenção para os colegas.
- E agora? O que eu faço?
- Uai – Derick usa seu sotaque mineiro – você vai lá mulher.
- E se ele tentar alguma coisa? – Pergunta com medo que aconteça o mesmo que houve na quinta série.
- Você dá um chute no saco dele e sai correndo – Lizi e Derick caem na gargalhada deixando a amiga vermelhinha.
- Vocês não esquecem isso mesmo né? – Tatiane fala séria.
- Tá, chega Lizi – Derick interrompe as gargalhadas e depois continua – Amiga, você vai lá. Se rolar alguma coisa – ele olha para a cara de Lizi e completa com risadinhas – “deixa rolar”.
- Mas tipo, tipo – ela está visivelmente nervosa – e se ele tentar me beijar?
- Amiga. Keep Calm - Derick gesticula com as mãos – Beijar não é um bicho de sete cabeças. – Ele faz uma pausa e prossegue – é igual... igual – tenta achar um exemplo para explicar melhor – Igual a tomar café – pega o copo sob a mesa e balança-o.
- Igual a tomar café? – as meninas espantadas olham para a cara do garoto e para o copo sujo tentando entender o exemplo super estranho.
- Tipo isso – Derick sorri e depois tenta ensinar. – Vamos fingir que o copo seja a boca dele, você aproxima seus lábios – Derick faz a demonstração no copo – encosta aos dele – ele fecha os lábios envoltos da borda do copo, como se fosse beber algo e depois afasta para continuar a explicação. Ai você deixa as línguas se roçarem levemente, como se você tenta-se pegar o café com a língua – volta ao copo.
As amigas ficam olhando a demonstração. Uma olha para a cara da outra, incham as bochechas reprimindo o sorriso e não aguentando caem numa gargalhada super alta.
- Que explicação mais idiota – Lizi ainda gargalhando – Todo mundo sabe que é igual chupar laranja. Bota a boca, chupa e passa a língua.
- Fala mais baixo bocuda – Derick e Tatiane olham ao redor para ver se alguém ouviu.
- Como assim, bota a boca, chupa e passa a língua? – Derick sussurra dando risadinhas da colega – você anda muito safadinha.
- Oxe. Mas não é? – Lizi está com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir.
- Sei lá. Eu só sei que acontece, “acontecendo” – Os dois caem na gargalhada e vermelhinhos observam a amiga ansiosa.
- Foi mal - Derick controla-se e volta a falar com Tatiane – é que essa paradinha do primeiro beijo é uma coisa muito complicada de explicar. Mas se tiver de rolar, vai dar tudo certo.
- Eu não sei. Estou nervosa. A única vez que um garoto quis ficar comigo, foi na quinta série – ela faz uma pausa olhando para as mãos – e deu no que deu – completa.
- Ei, calma garota. O que aconteceu ficou lá atrás – Derick tenta explicar que cada pessoa tem problemas próprios para cuidar, ninguém perdia tempo lembrando-se daquilo, era apenas paranóia na cabeça da amiga, principalmente porque não foi um acontecimento recente.
- Eu sei. Mas, é que foi tão humilhante – Tatiane prossegue – E tudo culpa daquela vaca da Caroline.
- “Bate na madeira” – Derick, Lizi e Tatiane batem na mesa – Você é louca, quer atrair azar falando no diabo? – eles riem para descontrair.
- Foi mal.
- Vamos fazer o seguinte – Derick balança o copo na mesa como se pensando em um plano - A Lizi vai de vela – completa após uns segundos.
- Que? – A garota é pega de surpresa.
- Vela. Você não sabe o que é ser “vela”?
- Eu sei o que é ser vela. Mas...
- Mas nada, estranho seria se “eu” fosse a vela. E quer saber, acho que estamos fazendo uma tempestade no copo d´agua – Os três levantam-se – Vai lá amiga, coragem. Se você não quiser que role, ele não vai poder te obrigar – Os três seguem para o exterior do camping – Eu só vou dar um pulo no quarto para deixar essa blusa de frio e encontro vocês no caminho para a quadra.
As meninas seguem juntas para o caminho de pedras que dava acesso à quadra e Derick na direção oposta vai em direção aos dormitórios.
Na volta, passando novamente pelo ambiente onde tomaram o café da manhã é surpreendido por uma interrogação que vem pelas costas,
- Sério? – ele para sem entender – Aquilo foi mesmo uma demonstração de beijo? – Vira-se e depara-se com Ian e seu sorrisinho cretino. Será que ele prestara atenção em toda a conversa? Ou pior, será que assistira toda a ridícula encenação de um primeiro beijo?