O aniversario de trinta anos do Oliver seria numa quinta-feira, porem ainda no domingo Quin começou a preparar tudo: lista de convidados, a festa, decoraçao e cardapio, musicas, etc. Confidenciou a mim, muito secretamente para o loiro nao saber, que iria presentea-lo com um Porsche conversivel vermelho, que o americano cobiçava hà tempos. Ele jà possuia uma BMW branca com a qual fora presenteado pelo Quin no seu primeiro aniversario no Brasil; certamente andava enjoado do brinquedinho e queria outro. Com ele o meu amigo gastava sem pena nenhuma, era um verdadeiro perdulàrio. As bichas invejosas do nosso high society classificavam Quin como um mentecapto, um tolo que se deixava depenar alegremente pelo americano. Quin zombava delas, chamando-as de "capivaras", pois segundo ele, "viviam no brejo e morreriam no brejo", sem perspectivas e nada de interessante em suas vidas.
- Que falem! _ ele ria no seu jeito espertalhao _ Bem sei que esse homem me dà um trabalho dos diabos, que muitas vezes parece ser um retardado, que diz que me ama com a boca no canudinho tomando suco, e que no final me custa muito caro. Sei o quanto ele vale, em todos os sentidos, e mesmo que seja um tolo eu o amo loucamente. E aquele pau compensa tudo!
Assim mesmo nao deixou de convidar todas as "capivaras" para a festa, talvez para mostrar à elas seu poder e prestigio, deixando-as doidas de inveja. Esses gays eram praticamente todos empregados das editoras Modelo, recem saidos dos bancos das Faculdades de Letras. Quin fazia questao de empregar o maior numero possivel de gays em sua empresa; dizia que se dependesse dele nenhuma bicha daquela cidade ficaria sem trabalho. Era um bom patrao, severo, justo pagador, mas apesar disso, sempre foi odiado pela maioria de seus empregados.
A festa seria no sabado, para que todos pudessem vir. Logo pela manha a mansao ganhou ares de uma agitaçao extraordinaria. O pessoal do buffet nao parava mais de descarregar as bandejas com doces, canapes e bebidas. Mais tarde veio a turma responsavel pela montagem da decoraçao; o som foi equipado e testado por outra galera especializada: fariam um tipo de pista de dança com luz negra no salao principal. Fabinho chegou às duas horas para ajudar, muito bonitinho de sueter azul turqueza e jeans. Arrumamos o salao ao som de Tavares, conversando e rindo. Logo chegou uma caminhonete preta com emblema de brasao e Oliver correu para ajudar os caras a descarregar caixas de Prosecco, Champanhe Louis Roederer, e cerveja Stella Artois. Ele descarregava as caixas na sala, de qualquer jeito, como se transportasse Itubainas e nao bebidas da melhor qualidade; abriu uma Stella ali mesmo, bebendo no gargalo, suado e sem camisa, exibindo com prazer seu magnifico peitoral trabalhado e bronzeado.
Foi servido um lanche ao pessoal que ajudava na organizaçao, um pouco de bolo de cenoura, torradas e suco de uva. Quin chegou da rua nesse momento, satisfeito com o que viu. Jà estava tudo bem adiantado, e como nossa ajuda nao foi mais necessaria, chamei Fabinho para meu quarto. Ele queria ver o livro que eu estava lendo: Moby Dick. Um classico da literatura americana.
- Conheço essa historia atraves do desenho Tom & Jerry _ disse Fabinho, olhando o livro _ Talvez seja bacana... Mas ainda prefiro Stephen King.
- Precisa variar seu gosto, ler sempre o mesmo autor cansa _ disse, sentando-me na cama ao lado dele.
- Hummm, meu querido, e quem disse que nao leio outra coisa? _ ele assumiu um semblante malicioso _ Na verdade, revistas pornograficas nao sao assim... literatura...
- E voce tem isso? _ fiquei surpreso.
- Qual o problema? _ disse ele, enrubescido, rindo numa ousadia nervosa e insegura; desviou os olhos de mim _ Tenho dezessete anos... e um fogo que voce nem imagina... Tenho que descarregar, ora essa.
Sorri comigo, mordendo os làbios, um tanto constrangido e excitado. Notei que ele me encarava, vermelhissimo, um ar nervoso. Tocou em meu rosto, devagar, se aproximando para um beijo rapido e quente. Afastou-se na mesma hora, atarantado, e foi para a janela, fingindo olhar là fora; meu avexamento foi total e me levantei, sem saber o que fazer. Da outra vez estavamos bebados, e ele nao havia se declarado. Agora era diferente. Ele se virou, me olhando e rindo sem graça, tentando dizer algo. Gaguejou:
- Eu vou para casa... me trocar para a festa e... eu vou... Tchau, Nathan!
Passou rapido por mim, abrindo a porta e saindo, e um segundo depois voltando rapido como um cometa, me abraçando por tras, num sussurro ligeiro e umido em meu ouvido.
- Sou louco por voce _ disse, e saiu lepido, batendo a porta; ouvi o som de sua corrida no corredor e sorri comigo sem nem saber o motivo, quase num nervosismo.
Às oito da noite a festa jà estava repleta de convidados, agitada pela musica alta e zunzum de conversas. Na pista de dança no meio do salao o pessoal se esbaldava em musica pop. Fabinho e Luan se remexiam ao som de Eurythmics, rodeados por dezenas de gays de varios tipos e estilos. Estranhei nao ver Mauricio e William por ali, imaginando o que estariam fazendo de util que nao puderam comparecer.
O bolo do aniversariante era imenso, de dois andares e branco como uma nuvem. Decoraram com chantilly, rendas de glace e flores de pasta americana vermelha; nao sei como conseguiram um efeito purpurinado sobre a iguaria, pois o bolo brilhava à luz da discoteca ali montada.
Cantamos os parabens ao americano que se mostrou francamente comovido, de olhos marejados. Ofereceu o primeiro pedaço de bolo ao Quin, em seguida abocanhando como um famelico uma larga fatia, sujando-se de chantilly e purpurina comestivel. Quin foi limpa-lo com um guardanapo, sendo surpreendido por um beijo longo e melado de doce do namorado. Na mesa do buffet, onde eu me servia de tarteletes de ricota e mini quiches Lorraines, rejeitando os canapes de salmao e croquetes de vitela, mas tomando Prosecco, ouvi sem querer duas bichas conversando em tom de desprezo.
- Veja se sou gato para comer peixe cru! _ dizia uma, olhando os canapes sobre a mesa; serviu-se de outro, de queijo brie com geleia de damasco.
- Querida, desdenhe do salmao porque eu sei que voce nunca comeu outro peixe alem de sardinha em lata _ o outro carinha sorriu, enchendo um pratinho com brigadeiros de chocolate belga _ Uma gata bem vira-lata voce, isso sim!
- Antes gata do que cadela... Sempre um cachorro sarnento por cima, nao?
O rapazinho deu de ombros, altivo, fazendo um som de beijo e deliciando-se com o brigadeiro.
- Ao menos nao passo falta de homem _ disse _ Nao vivo de bom humor por acaso, lindona.
O outro contemplou-o com raiva, uma solida inveja. Virou toda a taça de champanhe na boca. Nesse instante, Luan passou por eles, ruborizado de dança e bebedeira, enchendo outro copo com sangria de vinho tinto.
- Bela jaqueta, Luana! _ disse o garoto que se fartava de doces; Luan fez um sinal da ponta da mesa a eles, dizendo um "joia" com os dedos; o garoto falou mais baixo ao outro _ Couro de avestruz, amiga. Vi uma igual no Claude's essa semana. Custava uns dois meses do salario que a nossa maravilhosa patroa paga.
Ficaram observando Luan por um tempo.
- Horrorosa _ disse a bicha que bebia champanhe _ Ainda nao esqueço que ele andou igual uma vaca no cio atras do Luiz, mesmo sabendo que o Bru estava separado dele fazia poucos dias. E nao sossegou enquanto nao deu para o cara. Uma piranha! Ave de rapina. Cada rasante e là se vai um pinto.
Garçonetes passavam oferecendo mais champanhe e cerveja.
- Porque aquela aristocrata tirana da nossa patroa nao contratou garçons? _ falou um dos garotos, inconformado _ Vejo apenas mulheres servindo! Ele faz de proposito! Convida todos os passivos, nenhum ativao, nenhum mecanico, caminhoneiro, pedreiro e eis o resultado: ninguem beija ninguem, todos riem e dançam! Virou o Clube da Luluzinha!
- Ah, mas ele tem o bofe espetaculo dele, querida... Esta se lixando para a gente.
- Eu com um homem daqueles... meu Deus! Era cama dia e noite! Minha boca fazia calo...
- Com o que voce ganha nao pagaria nem as gravatas que ele usa _ o outro olhou-o com desprezo _ Se contente com aquele paraiba horrivel que a senhorita arranjou. Ouvi dizer que ele matou um homem na terra dele e esta aqui fugindo da policia... Amor bandido, diva? Que nivel, nao?
- Pura mentira dessas invejosas! _ o garoto pegou uma mini tortinha de morango com a ponta dos dedos, erguendo o mindinho _ Meu Francisvaldo bate um bolao na cama! Tenho certeza que seria incapaz de matar um mosquitinho.
- Se eu namorasse um homem chamado Francisvaldo ia sair na rua com um saco de papel escondendo a cabeça! _ riu o moço, olhando para a tortinha do outro _ Cuidado com o açucar, princesa. Se ficar fofinha, o bofe paraibano foge para outro lugar...
- Tenho metabolismo excelente, baby _ disse o rapaz, fitando o outro com um ar vitorioso _ Nunca precisei gastar grana em spas como umas e outras... Olha, acho que voce jà deve ter bebido uns bons litros de champanhe, nao? Aproveite mesmo, pois na sua casa vi apenas groselha e cachaça Andorinha.
- Batida de pessego, querida. Amo.
- Bebida de bicha solitaria.
Fabinho me chamava no meio do pessoal, gesticulando. Larguei os comes e bebes e passei pelas duas bichas que me olharam de cima a baixo. Ainda ouvi falarem de mim, em palavras soltas que flutuavam acima da batida da musica da "Madge".
- Nathana... chifruda da contabilidade... a abandonada...
Nao me importei com aquilo, o Prosecco me dava uma alegria suave, pulsante. Fabinho estava entusiasmado.
- O Oliver já subiu! _ disse ele _ Logo farà o show dele.
De fato, logo tivemos aquele pequeno e excitante espetaculo que se repetia todo aniversario. A musica foi trocada por "Being Boring" do Pet Shop Boys e todos ficaram quietos, obsevando Oliver descer lentamente a escada e parar no patamar marmorizado, dançando sensualmente enquanto se livrava devagar daquela especie de smoking com sungao de couro preto que usava; dançava sorrindo, mordendo os labios, acariciando o proprio corpo escultural, tirando camisa e gravata e as lançando sobre o grupo de bichas hipnotizadas; algumas gritavam. Apoiado em meu ombro, por tras, roendo as unhas, Fabinho ria, achando uma graça maliciosa naquilo tudo. Oliver ameaçava tirar a sunga de couro, sorrindo lascivamente, se virando de costas, descendo ate o chao em movimentos lentos, mexendo no pau por dentro da sunga, fazendo que ia tirà-la de uma vez, mas houve apenas uma rapida amostra de seus pentelhos louros e fartos, pois Quin interrompeu o espetaculo.
- O show termina aqui, senhores!_ disse rindo, abraçando e beijando o namorado; houve um murmurio de protestos e palavroes soltos.
- Mas continua pra voce, sua gulosa! _ gritou um garoto de voz anasalada atras de nos; Fabinho e eu rimos.
A barulheira da festa prosseguiu, mais champanhe foi servido e aumentaram o som. Fabinho parecia cansado de toda aquela movimentaçao, convidou-me para passear do lado de fora da casa. O frio era intenso, a noite negra como um pano preto apesar do ceu estrelado. Demos uma volta silenciosa pelo terreno orvalhado e paramos em frente à piscina, sentados com as pernas cruzadas na borda de azulejos, como dois monges. Sem dizer nada, Fabinho pousou a cabeça em meu ombro, olhando para a agua parada. Eu o observava, sentindo seu calor contra mim; abracei-o e ele suspirou.
- Nao tenho mesmo nenhuma chance com voce? _ sussurrou, enfiando as maos no bolso da jaqueta de couro preto.
- Do tamanho de uma sementinha de ervilha serve? _ murmurei, sorrindo.
- Serve! _ ele riu consigo, abaixando a cabeça envergonhado _ Claro que por enquanto serve!
- Então você tem, seu bocózinho.
Ele riu mais ainda, sem me olhar nenhuma vez, envolvendo minha cintura com o braço. Beijei seus cabelos, observando a noite fria e estrelada. No meu peito aquecia-me um tipo singular de calor novo e inesperado, algo que queria viver por si mesmo, sem ser tolhido ou domado. E que isso vivesse, afinal! Devagar, pois eu ainda sentia as traumaticas dores do termino brusco e da traiçao.
"Chega de sofrer, Nathan", pensei comigo, respirando o ar gelado com prazer, apertando o meu maluquinho nos braços e fazendo-o rir outra vez.
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Gente, opinem. Estao curtindo? De qual personagem mais gostam?
Muito bom escrever para voces!
Abraço e ate a proxima! :)