Cheiro de encrenca

Um conto erótico de APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Categoria: Heterossexual
Contém 1210 palavras
Data: 21/03/2015 14:03:29
Última revisão: 02/02/2016 21:15:59
Assuntos: Heterossexual

Cheiro de encrenca

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Especial para a "Casa dos Contos".

JÚLIA, OU MELHOR, senhorita Júlia (embora seja um pedaço de caminho, beco sem volta que qualquer homem gostaria de se ver perdido, vinte e cinco anos, linda, esguia, pernas desenhadas aos deleites de um criador inimitável, cabelos pretos e compridos, sorriso encantador, vestida com elevado apuro, mas, pelo viço da idade, com poucas roupas), só não é mais perigosa por absoluta falta de espaço. Moradora do apartamento 303, sete andares abaixo do meu (estou baseado no 902), é amante de um militar cinquentão metido a valente e encrenqueiro. Procuro escapar dela, como o rato indefeso do gato impiedoso, para manter, em dia, a política da boa vizinhança e, o mais importante, não cair nas iras do cidadão que dizem perdidamente apaixonado. Ninguém melhor que eu conhece a fundo, e sabe, com todas as letras, de cor e salteado, o que pode um homem fazer quando se embasbaca por um rabo de saia.

Dessa forma, toda vez que topo com ela, seja na rua, no supermercado, ou dentro da área dos apartamentos, no salão de jogos, na piscina ou no saguão principal que acessa o portal da minha torre, sinto uma espécie de arrepio reto-furicular descalcificado, me percorrer o corpo da cabeça a região lombo lortal posterior, e vice-versa. Para quem não sabe, arrepio reto-furicular descalcificado é aquele inconveniente maçante que acomete o sujeito com uma baita de uma caganeira. Dependendo da criatura (existem pessoas que, por estarem com a taxa de imunidade muito baixa ou com traumas psicoproctológicos no limite) pode seu cu, se enfurecer e defecar por até três dias seguidos, sem levantar da tampa do vaso, mesmo que ela seja de fabricação rudimentar. No meu caso, especificamente, o que pesa, são duas coisas que não tenho como abrir mão. A primeira, o medo da figura antipática do fardado me fazer uma visita e, paralelo a esse receio mórbido, Grazielle, a moça que mora comigo ha seis meses, ser igualmente da pá virada no bicho e barraqueira aos extremos. Se acaso me pegar com a Júlia, seja em que circunstância for, por certo, me verei no mato sem cachorro.

Dias atrás, tive o desprazer (e ao mesmo tempo a festiva coincidência, só que essa não conta) de cruzar com a Júlia no meio da rua, ou, mais precisamente, à altura da guarita dos seguranças que policiam o quarteirão em derredor do condomínio. Ela chupava uma dessas balas de caramelo que se engalfinham aos dentes, e, quando gruda, não sai nem por reza braba. De repente, a me ver, escancarou a boca e pediu, na maior cara de pau, que, ”por favor e com delicadeza”, arrancasse a parte do que sobrara do puxa-puxa que se aderira a seus dentes e teimava em não despregar. O vigia que estava de serviço, vendo meu embaraço momentâneo, se abriu num sorriso largo e acorreu em meu socorro. Foi contundente:

– O que é isso, dona Júlia? Já pensou se o coronel Troncoso do Amaral flagra o rapaz bolinando na sua perereca –, digo, perdão, madame, na sua dentadura?! – O que pensará, ou pior, o que fará com o mancebo que, por azar, também aqui é um dos residentes...?!

A beldade não perdeu a pose. Retrucou, na lata:

– Troncoso não se importa meu caro. É um borra-botas.

– Mesmo assim, madame. É melhor não arriscar. Poderá sobrar até para mim...

No galope dessa deixa, e enquanto pensava, com meus botões, como aquele magrelo musculoso, com cara de tarado, sabia que a dondoca usava uma prótese móvel (embora aparentasse não ser muito usada e estar com tudo em cima, sem nada para ser recauchutado?), tratei, sem imprimir delongas, sumir do pedaço o mais rápido possível. Dei sorte.

Lá vou eu para o trabalho e o elevador de serviço, acometido por uma dessas fatalidades do cotidiano, estanca no andar indevido. Quem abre a porta, inopinadamente? Ela mesma. A encantada do 303!

– Nossa! – diz a guisa de bom dia, com elegância ímpar. – Hoje estou por conta dos anjos. Queria mesmo lhe encontrar. Pensava, inclusive, bater logo mais a noite, na sua porta...

Meio que embasbacado, tranco. Nem agulha entra cu adentro. Balbucio, desmoronado:

–... E para quê?

– Olhe aqui...

No que fala, arreda um pouco um pano azul que cobre uma cesta de palha tecida, presa ao braço.

– Estou vendendo uns ovinhos caipiras que trouxe da fazendo do Troncoso. – Relata sensualmente. – Caso não goste –, completa – pode optar pelos de codorna. – E arremata cínica, piscando graciosa: – Como você é garanhão e desfila com uma ninfetinha mal saída das fraldas, uma gemada destas belezuras, logo ao pular da cama, aumentará, em cem por cento, a sua tesão.

Argumento estar em cima da hora, atrasado o bastante e com um bocado de pressa. Não sou agraciado com o prêmio de me aparecer, do nada, um segurança oportuno.

Seguimos em frente. Eu apavorado, o rabo entre as pernas. O mínimo que pode acontecer, para completar a exuberante manhã. A Grazielle vir no meu encalço, usando o elevador social e dar de cara com a Julia, os cabelos úmidos, a blusa branca, com a marca do sutiã quase invisível por baixo, toda faceira e vaporosa, tentando agarrar minha mão, ao tempo em que se esfrega dengosa, deixando em meu nariz vermelho um suave perfume de talco para bebês. Chego a imaginar a cena entre as duas e, no meio da confusão formada, o infeliz aqui entrando de gaiato, sem ter nada com o peixe.

– “Guga, quem é essa vadia colada em sua aba?”– Ao que eu responderia, mecanicamente tentando evitar o pior:

– “Grazzi, não é nada disso que está pensando... Essa aqui é a dona, perdão, senhora dona Júlia, esposa do coronel... Ela me mostrava os ovos que...”.

–... “Ah...! Esposa do coronel, em?! E você cheio de trololós para o lado dela? Vou mostrar aos pombinhos com quantas omeletes se faz uma mulher furiosa... Em guarda, sirigaita siliconada...”.

Tudo não passa de imaginação. Coisas da minha cabeça, por sinal, à mil. Real, todavia, a Júlia, aqui, neste minúsculo ambiente, o cheiro de fêmea impregnando o ar, sua boca vermelha, seus dentes muito brancos, o hálito a sabor de menta, seu traje mínimo, as pernas à mostra, o desejo da posse querendo aflorar. Atrelado a esse leque (apesar da câmera de segurança estar atenta acima de nossas cabeças), eu me sentindo adolescente, como se houvesse fogos estourando ao meu redor, minha vontade de jogar os ovos pelo desvão das grades, levantar a jeans dessa sem vergonha desmiolada, e dar, a ela, ainda que num trajeto acanhado, a comida que o coronel não mais pode oferecer, apesar do peso da sua patente de oficial. Apearmos no hall, com o Tonhão, do 2001, voltando suado da academia. Julia, ao vê-lo, esquece-se de mim e retorna, extrovertida, cabine à dentro, gesticulando, rindo, falando alto, como se mandasse recados pelos poros do corpo. Nas mãos, os ovários tenros em busca de um comprador solidário que lhe de melhor destino. “Quem sabe – Penso de mim para comigo, o coração voltando ao normal, seguido, porém de um longo suspiro de frustração – a bela do 303 não seja mais afortunada com o parrudo morador lá de cima, de perto das nuvens...?”.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 62 anos é jornalista.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil genéricaAPARECIDO RAIMUNDO DE SOUZAContos: 44Seguidores: 4Seguindo: 0Mensagem

Comentários

Foto de perfil genérica

Eu também adoro ninfetas. Que gostem de fantasias. A última ninfeta que fisguei, infelizmente me trouxe um sério problema de coluna. Na hora de trepar, imaginem só, ela tirou a escada e eu acabei caindo de cima do guarda-roupas. O SAMU foi chamado e eu precisei sair do hotel disfarçado de aspirador de pó. Abraços carinhosos.

0 0
Este comentário não está disponível