Pensei um instante no pedido de Nick. “Vamos lá no meu quarto!”.
Com certeza nada rolaria naquele instante. Mesmo se eu e ele quiséssemos. Tinha uma festa rolando no quintal da casa dele, aparentemente. Eu fiquei curioso com o que ele queria comigo, sobre o baja...
Mesmo assim, ainda demorei uns instantes para responder. Demorei tanto, que Nick repetiu a pergunta:
- E então, vamos? Eu preciso falar com você! Por favor... – Nick fez uma cara de arrependido. Acenei com a cabeça e falei:
- Me espera lá dentro, preciso pedir para alguém ficar na churrasqueira – Ele me deu um sorriso e falou:
- Pera, 2 palitos! – Ele se virou e gritou para o bixo ficar na churrasqueira.
- Fica aqui bixo! E se essa carne queimar você vai tomar pinga, ok? – Uma forma de punição dos calouros é tomar pinga, em Itajubá.
- Vamos? – Só acenei.
Segui ele. Entramos na rep e seguimos até o quarto dele. Ele destrancou a porta e me convidou para entrar, fechando a porta, assim que ele entrou.
O quarto dele era bem legal, para uma rep. Tinha um grande pôster do Vasco na parede, em cima da cama. Um pequeno guarda-roupa, com algumas fotos dele e de uma menina na porta. Menina até muito bonita, mas pela semelhança devia ser sua irmã, não sua namorada.
Uma guitarra no canto, ligada em um pequeno amplificador me chamou a atenção. Ele devia saber tocar. Era uma guitarra bem bonita. Toda preta, apenas com um adesivo da equipe de baja no corpo.
Na parede, havia um pôster, que devia ter sido feito por ele. Um pôster do disco Dark Side of The Moon, do Pink Floyd (se você não sabe, é aquele que tem um prisma refratando a luz branca num arco-iris).
Nesse pôster estavam escritas em branco equações de difração da luz. E no centro das equações uma celebre frase:
“Tudo na vida tem o lado bom e o lado ruim. Exceto os LPs do Pink Floyd, que tem os 2 lados bons. HG”. HG significava Humberto Gessinger, vocalista do Engenheiros do Hawaii. Eu conhecia a frase.
Para completar o quarto, uma escrivaninha com um notebook e pilhas de folhas. Nessas folhas eu vi várias peças e esboços de suspensão, além de contas e mais contas.
- Senta ai, em qualquer lugar que não tenha nada...
- Tipo sua cama?
- Tipo minha cama – Ele falou decidido.
Sentei na cama dele e era estranhamente muito confortável. Ele puxou uma cadeira e sentou na minha frente. Olhei para ele. Merda. Ele estava me dando aquele olhar de novo.
Faremos uma convenção. Quando Nick me lançar esse olhar 43, devastador, que me faz arrepiar o corpo todo, falarei que ele me lançou “O Olhar”. Tudo bem?
Enfim, Nick me lançou O Olhar, por alguns instantes que pareceram horas. Quem saiu desse transe, dessa conexão que era criada durante Os Olhares, fui eu. Olhei para baixo, para o chão.
- Nando, eu cometi um erro. E percebi somente hoje. Eu... devia ter chamado você para a equipe... E até agora eu juro que não sei por que não chamei
- Você deve ter tido algum motivo, Nicolas – Não sei por que eu chamei ele de Nicolas, mas chamei. Ele me olhou meio estranho. Pelo visto eu chamar ele Nicolas ou invés de Nick, mexera com ele.
- Nando, é sério. Se você quiser... Tem uma vaga na minha equipe de suspensão ainda. Você topa fazer parte? – Pensei muito no convite. Eu queria muito. Muito mesmo. Mas como seria isso? Minha relação com Nick... Eu não sabia...
- Eu posso pensar? – Perguntei. Mesmo meu corpo todo gritando sim.
- Deixa eu te mostrar uma coisa... – Nick começou a mexer em vários papeis em cima da mesa dele. Ele pegou um artigo e me entregou. Li a folha, quer dizer, vi a folha. Estava em alemão.
- Esse é um artigo proposto por uma equipe europeia de baja. É um estudo teórico de várias configurações de suspensão para bajas. Nele eles explicam por que esse é o mais indicado e esse é o menos indicado – Enquanto ele falava me mostrava projetos de suspensão.
- Você fala alemão? – Ele me olhou e assentiu.
- Então, meu projeto para esse ano e/ou para o ano que vem é juntar as duas configurações. É meio arriscado. Ninguém nunca fez isso. Há várias incompatibilidades entre os 2 projetos. Seria um desafio extremamente complexo. Encontraríamos milhões de problemas de projeto, várias EDOs (Equações Diferenciais Ordinárias), EDPs (Equações diferenciais Parciais), cálculos e mais cálculos. Mas se der certo, entraríamos para a história. O que você me diz?
- Eu não sei... – Fiquei maravilhado. EU queria muito fazer aquilo. Eu não gostava de correr de desafios. E aquele seria, provavelmente o maior de todos eles.
- Nando, o que mais me chamou a atenção não é o que você sabe, mas o seu potencial de aprender. Você passa a sensação de facilidade de estudo. Juntos nós podemos fazer isso. O que me diz?
- Mas... nós temos recursos para fazer isso? – Perguntei. Não parecia ser barato o que ele me propunha.
- Nós? Então você está dentro? – Olhei e dei um sorriso discreto.
- Temos ou não? – Ele riu.
- Dinheiro é com a Gestão. A gente só faz o projeto...
- Quando começamos? – Ele me deu um abraço forte.
- Quero que você me passe seu horário. Precisamos nos encontrar pelo menos todos os dias. Preciso te explicar muita coisa. Preciso te passar muito material.
- Ok – Perfeito. Todos os dias eu teria pelo menos um tempo com Nick. Eu estava feliz.
- A gente vai conversando. Vamos voltar para o churrasco
- Vamos.
Nick e eu voltamos para o churrasco. Bebemos umas cachaças, algumas cervejas, comemos mais carne. Cantamos, brincamos e sorrimos.
Já chegando a noite, eu fui para minha casa. Nick havia dito para eu dormir na rep, mas eu recusei. Um passo de cada vez. O primeiro era ficar do lado dele todos os dias. O segundo, quem sabe?
Antes de eu ir embora para minha casa, Nick me falou:
- Nando, amanhã, 14h, aqui em casa, pode ser?
- Claro, por que não? – Sorri. Ele sorriu de volta.
Coloquei meu fones de ouvido que não vivia sem para ir embora, andando, meio bêbado, até. Se interessa para vocês, tocava “Apesar de você” do Chico Buarque. Amo. Sem mais.
Enquanto eu andava, ainda perto de rep do Nick, um carro parou do meu lado. Olhei assustado, mas quando eu vi era Matheus. Sem a Nat. Achei estranho, pois pelo que a Nat tinha dito é que ele iria esperar ela...
- Ow, entra aí! Preciso falar com você! – Matheus tava com a voz estranha, nervosa... Chorosa... Entrei no carro. Matheus estava com os olhos vermelhos.
- O que aconteceu? – Ele olhava fixo para frente enquanto dirigia. Ele estava correndo muito. Fiquei até com medo de olhar no velocímetro.
- Nada – Ele respondeu, seco, apenas olhando fixo para frente. Percebi que algumas lagrimas escorriam dos olhos incrivelmente azuis dele.
- Nada mesmo? Você disse que precisava falar comigo!
- Era mentira – Ele continuou correndo e olhando para frente. Coloquei o cinto, por segurança. Não perguntei mais nada.
Dei graças a Deus quando chegamos no prédio onde eu e Nat morávamos. Agradeci a carona e desci. Matheus continuou no carro.
- Você vai subir? – Perguntei antes de fechar a porta. Matheus não respondeu, só continuou olhando fixo para frente, chorando.
- Se precisar de mim, vou estar no meu quarto, ok? – Ele só olhou para mim e acenou. Fechei a porta e subi.
Entrei em casa, meio bêbado e sentei na minha cama. Respirei fundo. Peguei um copo de água gelada. Enquanto eu bebia calmamente minha água, senti 3 pancadas fortes na minha porta.
Levantei tão assustado que dei um pulo da cadeira. Derrubei agua em mim todo. Tava de noite e frio, tirei minha camiseta, só então abri a porta. Era Matheus.
Ele me olhou de cima em baixo. Depois ele me lançou algo muito semelhante ao Olhar de Nick. Depois de um instante me chupando com os olhos, ele me puxou e me beijou.