Hoje estou com raiva de Hugo, imagina só, me babou todo o moleque... também, dia de domingo, o coitado não tem nada pra fazer e dorme a tarde inteira, chega a dar pena até, um garoto tão bonito, tão vivo e tão sonhador não deveria estar dormindo numa tarde ensolarada de domingo. Quem me dera se tivesse pernas, sairia por aí a correr nos becos, passear pelos campos, brincaria nos parques, rodaria e rodaria até cair de tão cansado, jogaria peteca, aquele jogo das bolinhas cristalinas que vi um dia desses estampado em pôster numa revista de jogos esquecida por Hugo em cima de mim, mas ficar dormindo durante uma tarde maravilhosa daquelas... Nunca!
Ai ai, suspiro envolto no tédio exorbitante que habita o quarto de paredes esverdeadas. A respiração compassada de Hugo é o que mais há para prender minha atenção... o interessante é que quando me vejo com vontade de interagir com alguém fico totalmente isolado. Bosta de domingo. O menino está me apertando demais, se eu tivesse ossos estaria perdido. Já contei que Hugo mudou seu perfume? Pois é, ele passou de uma fragrância amadeirada pra uma floral, presente do dono das confecções. O garoto não gostou do presente, não sei porquê.
O grilo que canta embaixo do assoalho de madeira gasto, compõem o ritmo para a poesia de desalinho fundamentada no som que o vento faz ao passar pela brecha das janelas pregadas. Muito bom obter silêncio em casa, geralmente o irritante tic-tic das máquinas de costura reina o tempo todo... melhor deixar como está e ficar de bico calado, afinal, de cavalo dado não se olha os dentes.
Parei um tempo para fazer a checagem da minha lista de afazeres diários, haha, como seu houvesse alguma para mim. Pensando bem, o problema não estava no domingo, todos os meus dias são assim, dias infindáveis tendo o tédio por companhia. O grilo continua sua cantiga em desalento, ninguém dá atenção a ele, a mim também não.
Um raio de sol perdido dentro do quarto me encontrou, acho que estava curioso com o menino deitado e quis conferir mais de perto para saber do que se tratava o fato inusitado, ele olhou-me como quem diz “Estou vendo mesmo isso?!”, eu apenas ri. Como desaforo, o pequeno raio de sol com cara de sapeca e de língua pra fora, foi caminhando lentamente em direção a Hugo e pousou sobre o seu rosto fazendo-o acordar instantaneamente. Achei engraçada a piada, e o menino logo virou de lado tentando encontrar outra posição longe do infante raio. “Desista amigo, com esse aí não dá”, aconselhei o raio que foi embora enfezado, acho que demoraria um tempo até o vê-lo novamente passando por aquelas paragens.
Deveria ir dormir um pouco, pior que não adianta, já contei cordeirinhos aos montes e o bendito sono não aparece. Hugo agora ronrona, mais parece um gatinho dormindo. Queria entrar em seu sono e ver com o que ele sonhava, acho que só vou descobrir quando ele estiver no modo de desabafo, menino difícil, até com o travesseiro é ressabido de se abrir.
De tanto pensar em Hugo sair, acabei ficando com vontade de conhecer o mundo lá fora. Que surpresas encontraria nesse mundo infinito? Algodão doce, ursinhos de pelúcia, gatinhos peludos, campos de flores... só consigo pensar em coisas fofinhas, não sei porquê. Desisti de pensar em Hugo e seu sono de domingo e vou me apegar com coisas mais produtivas: eu e meu sono de domingo. Boa tarde, até breve, vou ali fazer como Hugo, sonhar com o mundo lá de fora.
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Querido Dark, a história vai logo começar a ter seu desfecho, continue acompanhando e saiba mais dos mistérios por trás de o Travesseiro de Hugo.