Quarto capítulo <IV- Platônico
Eu estava amando novamente.
A professora de Filosofia explicava para a toda sala o significado do que era o amor Platônico. A aula sobre o filósofo Platão era tão interessante quanto um bingo valendo um frango mas mesmo assim eu conseguia prestar um pouco de atenção em suas palavras:
- O amor platônico não leva em consideração o apego sexual “blábláblá” (parte que eu pisquei os olhos) pois o amor carnal cega os verdadeiros sentimentos “bláblábláblá”. Também é visto como um amor perfeito e ideal e muitas vezes inatingível. Um amor impossível.
Eu estava sentado atrás de Felipe. A minha última carteira, encostada na parede (aonde eu tirava belos cochilos) dava a maravilhosa visão daquele garoto.
Sabe quando você olha para uma pessoa e de repente sente algo muito diferente dentro de si? Você logo imagina uma vida imaginária aonde vocês serão felizes, aonde tudo possa dar certo? É como se sua alma gêmea estivesse parada ali na minha frente, apenas alguns metros de distância. E isso sem eu a menos saber quem era esse tal garoto.
A segunda-feira chegou e com ela o começo de uma grande semana que estava por vir. O fim de semana tinha sido trabalhoso e nem tão divertido como eu esperava que iria ser. O começo da semana só veio para mostrar que eu não teria tempo de descanso nesse meu último ano.
Pela primeira vez na vida eu assistia a uma aula de filosofia. Tinha em meus planos em chegar na sala, encostar a minha cabeça na parede e dormir aquilo que eu não conseguia dormir na minha casa. Os planos foram por água abaixo quando eu avistei o garoto.
Era um aluno novo. O começo do ano tinha sido conturbado e eu mal tive tempo de conhecer a minha sala. Fazia tantos anos que tudo permanecia igual, então aquilo foi meio que inesperado por mim. O menino tinha a pele bronzeada, um cabelo preto puxado para o cinza bagunçado, um rosto belo e meio frágil com olhos castanhos brilhantes e lábios rosados e pequenos.
Quando eu o encontrei ali sentado na primeira fileira minha mente viajou por dentro daqueles olhos. Foi como se cada minuto da minha vida tivesse feito sentido ali naquele exato momento ou não tivesse sentido nenhum.
Aquilo era amor a primeira vista.
O sinal tocou mas eu não me levantei como de costume. Iria assistir as duas próximas aulas seja lá qual fossem, foi isso que eu fiz. Felipe e Bia tentavam puxar algum assunto comigo mas eu apenas respondia com monossílabos. O intervalo chegou e com isso aquele garoto se levantou e eu tive a visão de corpo inteiro da minha mais nova paixão. Ele era poucos centímetros menor do que eu. Suas costas largas, braços com pequenos músculos definidos deixavam a camiseta da escola agarrada em seu peito e parecia curta de mais. Por trás daquela cara de fortão, ele parecia ser muito inteligente ou ele não tinha nenhum amigo porque sentar na primeira carteira não era bem a cara de um garoto no estilo dele.
Sem pensar duas vezes eu o segui. Ele caminhava em direção a cantina e eu como um bom admirador ia atrás dele.
- Ei Cesinha, compra uma coxinha para mim? – escutei Igor do meu lado passando uma nota de cinco reais para mim – essa fila está muito grande pô...
Peguei o dinheiro sem tirar os olhos do garoto. No momento ele era atendido e pedia um salgadinho de cebola. Eu também amava salgadinho de cebola e aquilo só fez o meu amor por ele aumentar.
- Oi, qual é o seu? – a tia da cantina perguntou e eu nem tinha visto que a fila tinha andado de pressa.
- Eu... eu... – minha cabeça pareceu rodar um pouquinho enquanto eu ainda via aquele garoto com o seu salgadinho a mais ou menos uns dois metros de distância de mim. – Eu quero um salgado de... – meu coração gelou quando o garoto olhou para mim e me viu encarando-o – eu quero um churros sem recheio.
- Ãn? – a tia da cantina estranhou – não vendemos churros e... porque diabos você quer um churros sem recheio?
Eu não sabia explicar o porque. Minha cabeça entrou em transe quando eu vi que o garoto sorria para mim.
E nesse momento eu não senti mais nada. Apenas aproveitei o tal amor Platônico.
...
Saí da escola o mais cedo que o normal. Não consegui nem ao menos descobrir o nome do meu futuro marido, mas eu não me esqueceria disso, antes eu tinha assuntos mais importantes para tratar.
Passei pelos portões pois eu não tinha muito tempo, Ana e Zé estavam me esperando na entrada com caras de medo e ansiedade. Peguei o pacote de folha sulfite da minha mochila e fui em direção a eles.
- E aí – eu disse – estão prontos para o recrutamento??
- Expandir e conquistar – Ana disse fazendo a sua reverência – estamos prontos imperador!
- E lembrem-se que... – eu fui cortado por Zé.
- Negar até a morte é o nosso lema. – ele falou com receio, Zé não era assim tão corajoso como a irmã.
- Isso – eu falei concordando – se culparem vocês é só negar. Não tentem inventar nada, não tentem pensar em desculpas... apenas neguem e deixe o resto comigo...
Zé pegou os sulfites da minha mão que diziam no cartaz maneiro que ele tinha pensado: ESSA ESCOLA JÁ ERA!! ESPERAMOS VOCÊS NO CAMPEONATO MUNICIPAL!! O TREINADOR GUILHERME NÃO AGUENTA O TRANCO!! (isso tudo com alguns desenhos de chamas, uma bola de vôlei saindo de um canhão, e uma foto de um time de costas assistindo o pôr do sol).
Eles colavam os sulfites na parede da escola o mais rápido possível. Me virei para sair da escola e os dois já estavam acabando o pátio e se encaminhavam para os corredores. Quando o treinador Guilherme visse aquilo ele iria surtar e a nossa guerrinha iria começar.
Fui até a padaria comer alguma coisa pois pedir churros no intervalo foi inviável e por isso eu estava morrendo de fome. Comprei um lanche, um refrigerante e me sentei sozinho na padaria.
Eu precisava de 6 jogadores para ter um time tecnicamente. Faltavam quatro pessoas pois Ana não jogaria no time masculino, e por isso eu precisava de mais gente. Alguns cartazes estavam em outras escolas mas eu não botava muita fé que apareceria alguém pois o treino tinha sido marcado na pracinha perto de casa, ninguém levaria a sério. A praça era o único lugar que tinha um gramadinho que poderia ser usado como campo. Comprei uma rede e duas bolas com o meu dinheiro e experimentei em ir lá no dia passado. Os galhos das árvores impediam a bola de ir muito para cima mas eu não tinha muitas escolhas. Por isso estava praticamente tudo “pronto”, só faltava os jogadores.
- Posso saber o que é isso??
Rodrigo jogou um dos cartazes na minha mesa e disse meio indignado. Eu havia me esquecido de contar a ele.
- Oxi, é meu novo time – eu falei – não estamos aceitando ninguém dessa escola no momento.
- Mas eu não disse que quero entrar – ele disse rindo – só quero te falar que vamos destruir você e eu não quero arrependimentos depois.
- Ahh é assim então, o Otávio já sabe que você é a nova namorada do treinador Gui-Gui??
- Vai se foder Cesar –Rodrigo falava com aquele sorriso lindo – o treinador colocou eu e o Lipe como capitães do time e agora não tem quem nos impeça de ganhar qualquer campeonato.
- Gosto dessa confiança – falei – Mas eu já aviso que esmagarei todos vocês um a um.
- E quem tanto está no seu time? – ele perguntou como quem não quer nada.
“Eu e um par de gêmeos que talvez nunca jogaram vôlei na vida”, sem responder eu troquei de assunto:
- O Otávio está chateado daquele dia do bar?
Para entender o dia do bar eu terei que voltar até aquela quinta-feira aonde eu estava numa puta ressaca e fui tirar umas satisfações com Rodrigo. Depois disso fomos ao bar e foi mais ou menos isso o que aconteceu.
(DIA DO BAR)
Meu estômago revirava muito. Sair de uma ressaca e ir para um bar beber não tinha sido a melhor decisão da minha vida, a qualquer instante eu tinha certeza que iria vomitar.
- Um brinde a nossa amizade – Felipe disse erguendo o copo de cerveja.
Todos os seguiram. O bar estava praticamente vazio, era um lugar completamente comum. Tinha umas mesas de madeira espalhadas e um balcão horizontal aonde uma senhora de seus 50 anos tomava conta do local. Não tinha atrações, não tinha luxo, não tinha wi-fi... ma era o único lugar aonde conseguíamos bebida alcóolica.
Mesmo o bar estando vazio, fomos sentar na última mesa encostada na parede. Bia e Felipe de um lado, Otávio e Rodrigo de outro. Eu me sentei na ponta aonde eu tinha completa visão de todos eles e não era uma visão tão boa de se ver.
Tomei umas cinco latinhas inteiras e o álcool começou a subir na minha cabeça. Otávio e Felipe falavam sobre animes e até falavam com vozes estranhas, Bia dizia algo sobre um garoto novo da nossa sala que tinha conversado com ela e eu respondia com “sim” e “não” dando umas gargalhadas forçadas. De repente a minha cabeça começou a girar e eu fui ficando tonto. Não tinha comido nada naquele dia e a cerveja fez um efeito muito rápido trazendo de volta a dor de cabeça.
- Você está bem? – Rodrigo perguntou e meu mundo voltou ao normal.
- Acho que... - tentei pensar em alguma coisa e me perdi nos pensamentos.
- Ele já está muito bêbado – Otávio falou preocupado.
Meus olhos e o dele se encontraram e eu lembrei do dia em que nós nos conhecemos. Eu estava bêbado jogado em uma árvore, prestes a morrer quando ele apareceu e me salvou. Depois do que eu iria dizer agora, provavelmente ele iria querer terminar de me matar.
- Eu sou gay Otávio – eu disse fazendo todos eles ficarem em silêncio.
Otávio abriu um sorriso e tentou dizer algo. Mas com a notícia que eu daria para ele agora, esse sorriso iria se desfazer de vez.
- E eu namorei o Rodrigo – falei apontando para o garoto ao seu lado para deixar claro que era ele mesmo.
Bia e Felipe viraram o resto de cerveja que havia em seus copos. Rodrigo tinha uma cara meio surpresa, meio aliviada. Somente Otávio me olhava dentro dos olhos como se a ficha ainda estivesse caindo.
- Fui eu que passei o colar para ele de presente e ele te devolveu... – eu dizia tentando criar uma linha de raciocínio que nem na minha cabeça fazia sentido mais – mas agora estamos bem, terminamos como amigos mesmo e vocês podem ser felizes para sempre.
- E porque vocês terminaram? – Otávio perguntou ainda sério.
“Porque eu ainda estava apaixonado por ele mas de repente você surgiu e o roubou de mim”.
- Porque... – travei na hora de falar, as minhas mentiras já não estavam funcionando tão bem – Porque o sexo era muito ruim...
Foi a primeira coisa que veio na minha cabeça, juro que tinha sido sem intenção. Depois dessa a Bia levantou para pegar mais uma cerveja. Felipe me olhava e eu percebi que ele estava achando tudo aquilo engraçado. Otávio me encarou meio desentendido e então eu percebi a estupidez que eu tinha dito.
- Não... não é culpa do Rodrigo – eu falei – ele fica lá paradinho e empinado numa boa o problema é mais o negócio da...
Rodrigo já tinha ficado vermelho e Felipe soltou um grunhido que parecia uma risada.
- A questão é que ele vai te levar aonde você quiser chegar – falei concluindo – pode ter certeza que eu estou muito feliz pelos dois.
Bia chegou com mais uma garrafa e nos serviu. Otávio estava digerindo tudo aquilo que eu tinha acabado de falar e ele parecia confuso de mais. Felipe se levantou de novo e disse:
- Um brinde a nossa amizade.
Dessa vez ninguém respondeu. Levantei e corri para o banheiro para poder vomitar.
(FIM DO DIA DO BAR)
- Não, ele é mega de boa – Rodrigo respondeu – depois que eu expliquei tudo sem nenhum álcool na cabeça ele entendeu. Mas agora que história era aquela de “ele fica lá paradinho e empinado”, sério que eu sou tão ruim assim?
- Eu me lembro de ter comido uma cabra e ela também ficava paradinha e empinada – eu falei zoando com a cara dele.
Rodrigo murmurou um “Vai se foder” quando ele leu uma mensagem no celular.
- Droga, droga – ele disse desesperado – Filhos da puta!!!
- O que aconteceu??
- Uns caras estão perseguindo o Otávio na saída da escola – Rodrigo parecia desesperado – ele acabou de me mandar uma mensagem.
- Vamos lá ver então – falei já me levantando.
Paguei a moça da padaria e saímos correndo rua cima. Andamos duas quadras e nos deparamos com uma situação não tão equilibrada. Otávio estava cercado por uns cinco garotos, já caído no chão. Dois moleques eu reconhecia que eram da escola os outros eu nunca tinha visto. Começar uma briga ali não era muito inteligente pois era só eu e Rodrigo contra cinco. Mas pelo jeito o Rodrigo tinha faltado algumas aulas de matemática.
Numa velocidade que eu nunca tinha visto, Rodrigo voou em cima de um garoto e o empurrou para longe, o pobre coitado caiu de bunda no chão e os outros quatro partiram para cima do Rodrigo e o imobilizaram.
- Olha só, pegamos os dois viadinhos – um deles disse e jogou o Rodrigo bruscamente no chão ao lado de Otávio.
Meu sangue ferveu de tanta raiva. Mas ao contrário de Rodrigo eu apenas fiquei olhando e esperei eles me notarem, isso não demorou muito.
- E o que o garotinho popular está fazendo aqui?? – o mesmo garoto disse apontando para mim, ele era alto magrelo e usava uma toca preta que cobria sua cabeleira loira – está afim de apanhar também Cesar?
Como resposta ele obteve o meu silêncio.
- Vamos lá Cesar – seu nome era alguma coisa com “W”, talvez Wesley, Wellinton... Estudava na outra sala do terceiro ano e curtia pagar de malandro na escola. – Hoje a gente combinou em bater somente nas bichas mas podemos abrir uma exceção para você.
Mais uma vez eu fiquei calado e esperei ele se aproximar. Devagar ele chegou perto de mim e me empurrou para trás:
- Qualé meu irmão, vai ficar aí parado seu otário!!
Desci o meu braço com tudo na cara dele, acertando em cheio. O estralo do meu punho acertando o seu rosto fez um barulho delicioso. O “W” deu uns dois passos para trás e caiu sentado no chão tampando as mãos com o rosto. Pela primeira vez eu me permiti a dar um leve sorriso antes de falar.
- O próximo que quiser mexer com qualquer um dos dois aqui pode chegar mais perto pois eu já estou pronto para quebrar os dentes de mais um.
Rodrigo e Otávio já estavam de pé. Um dos garotos verificava se o “W” estava bem e se ajoelhou do lado dele, assim tudo ficou balanceado em um três contra três. No caminho eu tinha mandado mensagem para o Igor, Denis e Felipe e eles já deviam estar chegando.
- Escutem um pouco aqui o Tio – eu disse para eles – esses dois garotos aqui se amam. Espero que um dia vocês entendam o que é isso. Por tanto parem de ser babacas pois eu sei que a maioria de vocês faz uma chupetinha um no outro e nem por isso eu saio quebrando a cara de vocês né?
Dessa vez eles que ficaram em silêncio.
- Se isso não for o suficiente, se mesmo assim vocês quiserem continuar atormentando a minha paz e a deles... Bem... acho que sem dentes vocês poderão fazer umas chupetinhas ainda melhores.
Rodrigo e Otávio andaram até mim normalmente. Otávio tinha um hematoma feio no lado esquerdo do rosto mas tirando isso nada de mais tinha acontecido. Viramos as costas e voltamos para a porta da escola. Encontramos a galera no caminho e explicamos tudo.
Olhei para a minha mão e vi que ela sangrava mas ao que me assutou não foi aquilo.
Eu ainda estava tremendo de tanta raivaSenta aí temos que conversar.
A diretora Val-Val me fez sentar na cadeira em frente a sua mesa. Para a minha infelicidade o professor Guilherme estava em pé ao meu lado.
Eu estava tão puto com o que tinha acontecido que nem me lembrava dos cartazes do time de vôlei. E aquele tinha sido o motivo de eu ter parado ali.
- Foi você que colou isso? – ela foi direto ao ponto.
- Não. Nunca vi esses cartazes na vida – menti com o maior afinco no mundo.
- VOCÊ É UM DELINQUENTE MENTIROSO GAROTO!!! ISSO É DEPRAVAÇÃO DO AMBIENTE PÚBLICO E DA CADEIA VOCÊ SABIA??? HEIN?? VOCÊ SABIA?? – o esquentadinho começou a berrar.
- Eu não mereço isso – falei sorrindo e piscando para a diretora – mereço?
- Cesar, os guardinhas viram os gêmeos colando os cartazes no corredor, eles estão no seu time?
“Agora fodeu”, pensei. Aqueles dois seriam pressionados até a morte para contar a verdade. Deveria ter ensinado eles a se fingir de idiotas, seria mais fácil.
- Aqueles dois não tem porte para jogar bolinha de gude. Porque eles estariam no meu time?? Eles deviam estar arrumando os cartazes para deixa-los mais bonitos na escola.
Val-Val engoliu a história mas o treinador não pareceu muito satisfeito. Aqueles seus olhos mostravam mais raiva do que o comum.
- Ah pelo amor de Deus – eu disse – Se quiser eu mato a próxima aula de física e arranco todos os cartazes para você, isso nem é um problema. Quer saber o que é um problema de verdade??? Hoje mesmo tivemos um caso de homofobia nessa escola e eu não ouvi ninguém procurando os responsáveis!!!
- Isso não é problema da escola – Aquele maldito professor disse secamente.
- Como??? – eu falei indignado.
- O professor quis dizer que isso não aconteceu no prédio da escola – Val-Val tentou corrigi-lo, pelo jeito ela tinha juízo – e portanto não posso fazer nada a respeito.
- Meu amigo foi ameaçado de morte – eu disse fingindo que estava quase chorando – e vocês estão preocupados com cartazes idiotas. Esperava mais de você professora Valéria.
Sem mais resposta eu levantei da cadeira e sai da sala da diretora feliz. Anotei na minha mente que se fingir de chorão e sentimental era uma boa para sair da diretoria e conseguir um pouco de paz.
Todos tinham ido embora já. Felipe tinha ido para o treino, Bia sumiu, Rodrigo foi curar o ferimento do Otávio... apenas Igor e Denis me esperavam lá fora.
- Fala Cesinha – Denis disse me cumprimentando, ele tinha crescido muito nas férias e agora já estava do meu tamanho.
- Você queria falar com a gente?? – Igor disse, sua voz tinha engrossado também.
- Eu preciso de uns favorzinhos de vocês.
- Fala aí – Eles disserem.
- Eu quero que vocês fiquem de olho no Otávio e no Rodrigo.
- O casal?? – Igor perguntou.
- Sim, vejam se tem gente aprontando com eles e me avisem de qualquer coisa, ok? Hoje eles apanharam de uns mané aí e eu não quero que isso volte a rolar? Conto com vocês.
- Ok – Denis disse ajeitando seu óculos na cara.
- Se envolver briga eu estou dentro – Igor disse.
- Valeu e o outro favor é mais um pedido... Vocês topam entrar no meu time de vôlei??
Os dois se olharam meio confusos. O ano passado eles jogaram contra os “Legendários do Vôlei” pois não tínhamos gente suficiente. Apesar de perdermos eles tinham ido bem até... seriam perfeitos para o time.
- Vamos poder colar cartazes ofensivos contra aquele professor Guilherme?? – Igor perguntou.
- Mas é lógico – eu respondi rindo.
- Então estamos dentro. – Denis concordou.
E então fomos até a pracinha arrumar as coisas para o treino.
Deus duas horas da tarde e os gêmeos chegaram saltitando e ficaram surpresos com o lugar:
- Que lugar lindo Zé – Ana disse de boca aberta – Podemos ir na gangorra depois do treino.
- Para de ser infantil Ana – o garoto respondeu.
- Só porque você sempre chorava na gangorra não significa... – o irmão fez ela ficar quieta com o olhar.
Eu ri com os dois capetinhas na minha frente, o que eles tinha feito hoje era digno de umas boas risadas.
- E aí, como se saíram na diretoria??
- Ana estragou tudo, ela negava até que o seu nome era Ana e disse para a diretora que seu nome era Solange De’la Cuesta . Pegamos uma advertência.
- Desculpa, eu fico nervosa – ela falou distraída com uma borboleta que passava pela gente – e el tambien teno un bielo sotaque espanol !!!
Seu sotaque espanhol era fofo porém ridiculamente ruim.
- O importante é acreditar né – eu falei para eles – mas advertência não significa nada de mais.
Apresentei eles para os meus dois amigos e foram ambos contar histórias de pegadinhas engraçadas que já haviam feito. Depois de combinarem a próxima colada de cartazes eu os chamei para começar a reunião.
- Ótimo, até agora temos quatro jogadores – Ana não ficou muito contente em ouvir aquilo – e por isso precisamos de mais dois. Os cartazes foram incríveis mas não nos trouxe ninguém...
- Oi – escutei alguém falando atrás de mim – É aqui o lugar do treino??
Meu coração parou de bater por uns cinco segundos. Aquela voz entrou pelo meu ouvido e me fez ficar encantado.
O garoto novo da minha sala estava ainda mais lindo que o normal. Ele tinha trocado o uniforme de escola por uma regata agarradinha e um shorts esportivo. Sua perna estava raspada, seu cabelo muito bem cuidado, a pele bem lisinha... No meu “gaydar” aquele garoto já tinha ganhado muitos pontos.
- O que? – eu disse acordando para o mundo real – Treino?
- O treino de vôlei – ele falou abrindo aquele sorriso novamente – é você que coordena né?
Na hora as palavras entraram pela minha mente mas foi difícil liga-las para formar um sentido. Zé me olhou e viu que eu estava com dificuldades e respondeu a pergunta primeiro do que eu:
- É ele sim, o imperador Cesar. Ele é meio lerdo assim de vez em quando, creio eu que é drogas, vamos esperar ele acordar para a vida.
- É oi – eu disse meio envergonhado.
O silêncio voltou novamente e dessa vez Ana que o quebrou.
- Eu sou a Ana , sou a diretora da parte administrativa e dos setores de recursos humanos do time, também organizo a parte burocrática...
- E gandula também – Zé a cortou.
- E principalmente gandula – Ana nem percebeu que o irmão zombava dela – o resto são jogadores que você vai ter um bom tempo para aprender os nomes , esse aqui que está aparentemente drogado e não fala nada é o Cesar, o capitão. Como é seu nome mesmo para eu colocar na ficha de inscrição?
Ana pelo jeito assustou o guri mas mesmo assim ele disse:
- Muito prazer eu sou o Gale.
A pronúncia do nome era “Gueiou” e aquilo fez com que Ana ficasse meio confusa.
- Como?
- “G-A-L-E” – ele soletrou.
- Se pronuncia “GAEL”? – Ana, assim como o resto do grupo não tinha entendido.
- Não, é GUEIOU – ele disse pacientemente.
- Desculpa – dessa vez foi o Igor – é “GUEILA” ?
- Eu entendi GAYLE – Denis complementou a discussão.
- Gay? – eu falei acordando para a vida.
O “GALE” ficou meio perdido e repetiu a pronúncia do seu nome mais umas cinco vezes. Inutilmente.
- Eu vou colocar um “G” aqui na ficha e a gente já vai entender... – Ana falou pondo um fim na discussão toda.
- Ótimo – eu falei – muito bem-vindo Gale, você já sabe jogar vôlei?
- Sim – ele falou – Eu jogo desde os onze anos.
- Isso é legal cara – eu continuei – a galera aqui é meio iniciante então é bom ter alguém que já tenha experiência. Esse ano estamos com planos para ganhar todos os campeonatos que aparecerem.
Aquilo o fez ficar incomodado um pouco, estranhei a sua atitude até que ele falou:
- Eu conheço você Cesar, inclusive já joguei contra você.
- Como é que é? – eu perguntei.
- Eu jogava no time do Davi – ele falou com um pouco de medo – Eu era um “Legendário do Vôlei”.
“Ele tinha que ter um defeito”, pensei comigo. Aquele maldito time tinha destruído a minha vida feliz, se não fosse eles eu ainda teria vencido o campeonato e ainda estaria com o Rodrigo. Minha missão seria me vingar de todos os malditos que trapacearam para poder vencer e agora um deles, o mais bonito e gostoso, estava parado ali na minha frente pedindo para se juntar a mim.
- Vishhh – Igor se expressou – Cesinha, os “Legendários” não são tipo os nossos inimigos e tal?
- Temos inimigos? – Ana se surpreendeu – Caraca isso não pode ficar ainda mais divertido.
- Eu sei o que o Davi fez com vocês no ano passado – Gale disse – e foi por isso que eu decidi jogar em outro time...
“Jogar em outro time, ele deve ser gay, ele tem que ser gay...”
- Tudo bem – eu dei o veredito – isso não é nada de mais, vamos ter alguém que sabe como derrota-los mas por hora temos um outro problema. Vencer o time da escola vai ser barra pesada, eles tem o Lipe, o Rodrigo, os garotos do ano passado... a maioria tem experiência, e sem contar que o professor Guilherme sabe ser bem rigoroso em relação a treinos.
- Estamos ferrados? – Zé deduziu.
Olhei para eles e quis dizer “SIM, NOSSAS CHANCES SÃO ZERO” mas tirando o fato de que ainda nos faltava um sexto jogador, a minha sensação é que aquele time era perfeito. Gale me observava e aquilo me deixou desestruturado. Não entendia o que tinha em seus olhos, será que era admiração? Medo? Amor?
- Isso eu só saberei responder quando ver do que vocês são capazes.
Aquela resposta agradou a todos e com ânimo e força, começamos a treinarEu te amo – Gale falou se entregando.
- Eu também – agarrei ele pelo pescoço e começamos a nos beijar.
Sua língua era muito gostosa e fazia movimentos lentos dentro da minha boca. Seu cheiro era muito bom, sua pele era macia e ...
De repente eu me vejo beijando um velho. Um cheiro de talco tomou conta das minha narinas e me fez pular para trás.
- Mas que diabos é você?? – eu perguntei revoltado.
A figura em minha frente tinha um cabelo grisalho que caía em suas costas, uma pele enrugada, braços e pernas finas e uma túnica branca que tampava seu corpo.
- Eu sou Platão, o filósofo grego. – ele respondeu com uma voz rouca e cansada.
- E porque você estava me beijando? – eu disse indignado.
- Porque você é muito gostosinho rapaz – ele chegou perto e apertou as minhas bolas – agora me responda. Você está apaixonado por esse garoto Gale?
- Sim... eu amo ele.. quer dizer eu gosto um pouquinho mas...
- O amor não é carnal meu caro rapaz – Platão disse apertando agora a minha bunda – é um sentimento que não leva em consideração o corpo e nem a mente. É um amor das almas.
- Você tá chapado Platão, o que isso quer dizer?
- Que você não ama o tal Gale e sim uma outra pessoa...
Platão me beija novamente só que dessa vez eu sinto os pelos do meu braço arrepiar. Eu poderia reconhecer o beijo do Rodrigo em qualquer lugar, aquela sensação era única e verdadeira. Quando eu abri os olhos lá estava ele parado se transformando novamente em um velho esquizofrênico:
- Essa é sua verdadeira paixão meu rapaz, seu garoto ideal, seu amor platônico.
- Mas como eu faço para ter ele aqui comigo Platão? Ele não me ama mais? – Eu perguntei desesperado, aquele tal de “amor platônico” só me trazia problemas e dores de cabeça.
- Só sei que nada sei meu rapaz – Platão respondeu filosoficamente.
- Essa frase nem é sua seu velho gagá – perdi a paciência com ele e comecei a gritar.
- E Deus disse “dessa e arrase” – Platão começou a se dissolver – Não devemos analisar o perfume pelo frasco e sim pelo conteúdo. Sou CEDRIGO ATÉ O FIM.
Platão desapareceu e tudo ficou escuro. Abri os olhos e escutei a porta do meu quarto se abrindo.
- CESAR ACORDA!!! – meu pai me chamou “gentilmente” – SEU TIO ESTÁ AQUI EM CASA PARA JANTAR.
Pulei da cama e vi que eram nove horas da noite. Eu voltei a fechar a porta e comecei a trocar o meu uniforme de jogar vôlei. Tirei a roupa e só de cueca eu comecei a procurar no meu ninho de bagunça (conhecido como guarda-roupa) uma calça para vestir. Quando eu estava quase conseguindo arrancar uma calça daquele monte de roupa espalhada:
- Ei Cesar – Otávio disse me fazendo pular de susto. Sua cara com o recente hematoma o deixava um pouco mais assustador.
- Caralho eu quase me mijo aqui velho – eu falei rindo nervosamente.
Otávio deu uma gargalhada.
- Você se assusta fácil não é mesmo?
- É claro, você tem esse dom de entrar nos lugares de uma forma escondida, pior que um fantasma pô.
Otávio me pediu desculpas e me contou que veio com a família do meu tio jantar em casa e convidar para mais um casamento da família. Depois de uns dois minutos de conversa, Otávio chegou ao ponto que eu não estava a fim de falar.
- Então era nessa cama que o Rodrigo ficava... “paradinho e empinado”?
Fiquei vermelho igual uma pimenta e respondi.
- Távio... eu meio que... desculpa por não ter te contado nada... foi tudo tão recente que eu mal tive tempo de...
- Relaxa cara, o Rô já me contou tudo. Sinto muito seu apareci assim, você foi a primeira pessoa que eu pude chamar de amigo depois de ter me assumido e o que eu fiz com você, mesmo não sabendo, foi meio errado.
- Mesmo assim... eu queria dizer que desejo toda a felicidade a vocês. Os dois foram muito corajosos e assumir o amor de vocês é muito bacana.
- Essa minha “coragem” – Otávio disse – me trouxe um belo hematoma na cara ou até mesmo coisa pior se você não tivesse aparecido...
- Se você não tivesse aparecido – eu falei – eu seria morto por uma picada de escorpião.
A lembrança daquela noite ainda me trazia uma sensação terrível. Otávio e todos os meus parentes gritando e eu parado usando todas as minhas forças para não morrer...
- Agora eu entendo – Otávio disse – Quando você estava no chão agonizando por causa do veneno, você chamava um único nome... você chama pelo Rodrigo.
Fiquei sem resposta para aquilo. Porque Otávio ainda teimava em tacar na minha cara o que tinha acontecido? Ele percebeu que eu não tinha nenhum comentário sobre o que ele tinha dito e sem delongas disse:
- Você ainda ama o Rodrigo?
- Sim – eu fui sincero na resposta.
Mais uma vez o silêncio se estabeleceu no meu quarto e dessa vez fui eu que o quebrei.
- Olha, eu o amo... mas as coisas não são mais as mesmas, ele quer ser livre e feliz enquanto eu ainda não sei a diferença de manteiga e margarina. Por isso eu estou tentando deixa-lo para trás e talvez isso leve um tempo. Mas não se preocupe pois eu já mais vou conseguir rouba-lo de você.
- Cara, ninguém vai roubar nada de ninguém – ele disse rindo do meu desespero.
- Porque você tinha que ser tão bonito heim? Até com um hematoma na cara você continua lindo e perfeito... se eu tivesse levado um murro na cara só ficaria mais feio e cabado...
- Para Cesar, você é mó gatinho... – Otávio disse rindo ainda mais alto.
- Não tem nem como competir com você, eu perco feio de goleada... – continuei falando.
- Sabia que eu tinha uma queda por você? – Otávio jogou no ar a questão me fazendo ficar quieto – você é incrível Cesar e qualquer garoto teria a sorte de ter você como namorado.
- É... Talvez fosse melhor você ter me deixado para o escorpião. – falei rindo.
- E você ter me deixado para os garotos homofóbicos...
O cheiro da janta se intensificou e fomos comer. Otávio realmente era um cara bacana e eu jamais iria conseguir ter ódio dele. O atual do meu ex namorado tinha se tornado um grande amigo meu e eu já não sabia se aquilo era algo bom ou ruim... Agora eu teria mais um belo motivo para esquecer Rodrigo e seguir em frente.
A madrugada chegou e eu apaguei em minha cama. Dessa vez Platão não apareceu mas eu não precisava dele para saber o que já estava explicito.
Eu não conseguiria esquecer o meu amor assim tão fácilQue horas vai ser o treino hoje? – Gale me perguntou.
Eu estava subindo as escadas quando eu o vi me esperando lá em cima.
- Hoje vamos começar um pouco mais cedo – eu respondi – se quiser vir almoçar com a gente, vai estar todo mundo lá.
- Fechou então – ele disse animado.
Fomos no bebedor tomar água antes de entrar para a sala de aula. Sua pele estava mais pálida que o normal e sua cara de sono era tão fofa que eu tinha vontade de por ele dormir na cama (comigo).
- Sabe, eu andei pensando em alguma forma da gente ir assistir o treino do professor Guilherme um dia desses. – eu falei jogando a ideia – podemos descobrir as táticas deles e tirar alguma vantagem.
- Isso se chama espionagem não é mesmo? – ele falou me incriminando.
- É só uma passadinha para dizer um oi - sorri para ele – eu poderia chamar o Igor ou os Gêmeos mas daria muito na cara, você é perfeito.
Esse “você é perfeito” foi muito tipo “estou afim de você”, tanto é que ele parou de andar e olhou para a minha cara.
- Quer dizer que eu sou perfeito? – ele sorriu e fez a pergunta.
- E porque você não seria? – retruquei no mesmo tom.
Sua reação o entregou e eu pude ver que ele estava afim de mim. Para ajudar o corredor estava vazio e sem ninguém passando no momento.
- Vamos jogar sujo então? – ele voltou a falar
- Você faz o tipo bonzinho? – eu disse
- Porque você responde uma pergunta com outra pergunta? – ele abriu os lábios dando um sorrisinho sensual que me fez arrepiar.
- Sei lá – eu cheguei um pouco mais perto dele – eu sou um pouco curioso.
Minha mão repousou em sua cintura mas ficou por aí mesmo.
- CESINHA!!! – Felipe apareceu no corredor e viu o desenrolar daquela cena e não parecia muito feliz – estou te procurando faz tempo seu morfético.
Gale coçou a cabeça meio sem graça. Desejei mil mortes diferentes para esse meu “amigo” pelo fato dele ter estragado o momento.
- O que você quer? – eu já disse irritado.
- Então esse é o famoso Gale? – Felipe disse com certo nojo na voz – esse traíra está te implorando uma vaga para entrar no seu time Cesinha?
- Ele não precisou implorar nada – eu respondi – é um dos melhores jogadores que eu já vi e vai ser ele que irá acabar com vocês no campeonato.
Gale ficou feliz com minha resposta e complementou:
- A chance de vocês ganharem sem o Cesinha aqui são mínimas.
- SÓ EU CHAMO ELE DE CESINHA – Felipe falou pausadamente para ter certeza que Gale iria escutar – agora some daqui pois eu tenho assuntos a tratar com o MEU amigo.
Ciúmes besta do Felipe já pela manhã não era melhor contrariar. Gale aprendeu isso rápido e antes de ir para a sala ele virou e respondeu:
- Mais tarde a gente continua o que paramos CESINHA!
Felipe bufou e quando Gale dobrou o corredor ele já foi logo gritando comigo:
- VOCÊ DEIXOU ELE ENTRAR NO TIME E EU NÃO?
- Pelo que eu me lembre – eu disse – foi você o culpado por eu ter saído do time...
- E AINDA VAI FICAR COM ELE? – Felipe não estava nem se importando com o que eu dizia.
Continuamos a andar pelo corredor até chegar ao da nossa sala.
- Por que eu devo me importar sobre o que você acha das pessoas com quem eu fico? – eu disse já revoltado com o Felipe e essa barda dele de me atazanar.
- PORRA CESINHA SERÁ QUE É TÃO DIFICIL ASSIM DE PERCEBER QUE EU...
Felipe parou de falar de repente e eu não entendi o porque. Seus olhos verdes estavam focados em uma direção e pareciam perplexos demais. Segui o caminho que sua visão fazia e meu mundo também caiu.
Meu amor platônico estava encostado na parede do corredor agarrado e aos beijos com uma outra pessoa. Tive um pouco de dó pelo Felipe mas a dor no meu peito também tinha sido forte.
- É Cesinha, estou vendo o que você vai continuar hoje a tarde – Felipe disse rindo e entrando na sala.
Tudo tinha sido obra da minha mente? Gale estava afim de mesmo? E o porque o Felipe parecia não se importar com aquilo que ele tinha acabado de ver? Eram tantas perguntas...
Mas ver Gale e Bia se beijando no corredor não trouxe nenhuma resposta