Quinto capítulo!!V – Dezessete fracassos
Na minha pacata e ilusória vida muitos fracassos vieram, ao lado de muitos sucessos e também de grandes experiências. Tudo virava aprendizado e depois de cada fracasso eu os corrigia e estava pronto para não repetir o mesmo erro.
Acontece que por vários anos eu sempre fracassava em um único evento. Jamais (e isso que eu tenho provas) eu consegui me superar e fazer essa data especial se tornar no mínimo uma coisa bacana e divertida, ao contrário, o fiasco sempre reinava me fazendo passar vergonha atrás de vergonhas.
De todas as minhas festas de aniversário, nenhuma conseguia fugir do mesmo caminho que todas seguiam. O fracasso eminente.
Podemos começar pela minha festa de 5 anos. Meu pai queria porque queria uma decoração de futebol do Corinthans, mesa, cadeiras, bexigas e até mesmo o bolo com símbolos do seu time preferido. Para a alegria dele o time jogaria um clássico contra o Palmeiras no mesmo dia da festa, conclusão: Corinthans perdeu de goleada, meu pai saiu no murro com um dos meu tios Palmeirenses por causa de uma discussão e de raiva destruíram a metade da festa...
Os anos se seguiram e com 11 anos mais uma festa chegou. Dessa vez uma tia minha comeu um salgado de camarão e ela era alérgica. Me lembro até hoje da cara dela inchando bem na minha frente e eu chorando desesperado sem saber o que fazer. Todos foram com ela para o hospital e eu fiquei lá em casa sozinho...
A de 15 anos foi até legalzinha e normal, mas foi nessa festa que eu conheci a Rosemônio e por isso ela merece um lugar especial nas mais fracassadas.
O ano passado, nos meus 16 anos, inventaram de fazer uma festa surpresa, eu já sabia faz um bom tempo pois ninguém na minha família sabe guardar um segredo... Eu estava completando uma semana de namoro com o Rodrigo e as coisas estavam uma maravilha, ele disse que iria passar um fim de semana na casa da vó e ficaríamos longe um do outro. No dia do meu aniversário eu cheguei em casa e vi todo mundo cantando parabéns e eu pensei que aquele ano as coisas iriam mudar e eu teria uma festa bacana e divertida, na minha mente aquela história de “casa da vó” era invenção do Rodrigo mas quando eu vasculhei a casa inteira a procura dele e não o encontrei... bem não consegui sorrir pelo resto da noite.
Apesar dos pedidos de desculpas, a semana inteira que passamos juntos para compensar e todos os presentes que ele me deu. Sem o Rodrigo naquela festa eu a poderia considera-la o meu décimo sexto fracasso.
Dia três de Julho, essa mesma data aonde tudo sempre dava errado e que como lei nada dava certo...
- Ei Imperador, acabei de receber por e-mail o dia do nosso jogo do campeonato municipal...
Ana me parou no corredor toda animada, ela se sentia cada dia mais importante dentro do grupo, de fato ela era...
- Vamos jogar contra o time da escola no dia Três de Julho, quem ganhar se classifica para os regionais, isso vai ser tão divertido!!!
Demorei coisa de cinco segundos para entender o que aquilo significava e então entendi que eu era a pessoa mais azarada do universo.
Jogaríamos no dia do meu aniversário contra o time do Professor Guilherme, o jogo que eu tinha que vencer a qualquer custo. Mas no fundo eu já sabia.
Com a minha derrota no jogo, não teria festa, não teria alegria, não teria nada...
E com isso eu completaria os dezessetes fracassosEntão você e Gale...? – eu perguntei a Bia
- Vamos nos casar Cesar – ela respondeu irônica.
- Sério? – eu me preocupei demais não percebendo a ironia.
- Claro que não Cesar, eu só fiquei com ele...
Estávamos na saída da escola, eu iria para o treino e a Bia para a sua casa.
- Mas sem ressentimentos se ele for lá e ficar com outra pessoa? – eu teimei em perguntar.
Bia me encarou com aquela cara de detetive. Me toquei rapidamente que ela já tinha entendido a minha preocupação. Com um sorriso no rosto, ela perguntou já tirando sarro:
- Você está afim dele?
- É... talvez – respondi envergonhado.
- Olha eu vou ser sincera – Bia me advertiu ainda rindo – ele não é tudo aquilo o que parece não, é bonito mas não tem pegada, é inteligente mas fala coisas complicadas demais, é cheiroso mas seu perfume é enjoativo...
- Entendi – eu a cortei – mas você não gosta dele né?
- Sem neura Cesar – ela disse um pouco mais séria – se ele curtir a sua fruta é só investir nele. Agora deixa eu ir lá porque se não a minha mãe vai me matar.
Bia foi embora e eu segui até a lanchonete aonde o time me esperava. No caminho eu fiquei pensando em Gale. Ele tinha dado tanta bola para mim e eu tinha certeza que ele era gay também mas depois que ele ficou com a Bia... talvez ele fosse bi ou estava apenas me fazendo de idiota.
Encontrei todos na lanchonete. Ana disputava com Igor para ver qual dos dois conseguia terminar de tomar meio litro de refrigerante primeiro. Zé e Denis discutiam algo que estavam vendo no celular e Gale foi o primeiro a me avistar erguendo a mão sinalizando a mesa aonde estavam.
- Senta aqui cara! – Gale puxou uma cadeira ao lado da sua para eu sentar – estávamos te esperando faz um tempo já.
Sentei ao seu lado e sorri. Ana venceu a competição do refrigerante e deu um belo arroto fazendo todos rirem. Denis e Zé continuam alheios discutindo sobre um joguinho qualquer. Pensei em como eu iria conseguir levar nosso time a vitória e aquilo me assustou.
A mesa da lanchonete era comum e quadrada, feita para apenas quatro pessoas. Éramos em seis mas mesmo assim, apertados, coube todos. Igor pediu mais refrigerantes para a próxima rodada da competição e mais uma vez eu duvidei da nossa capacidade enquanto time. Aos poucos eu fui sentindo a perna do Gale encostando na minha, isso fez os pelos dos meus braços se arrepiarem, a naturalidade da sua ação foi aumentando até que estávamos inteiramente grudados por debaixo da mesa. Aquilo me fez desconcentrar um pouco quando eu fui falar:
- Galera, acho melhor vocês esquecerem um pouco essa competição de refrigerantes, vocês vão passar mal hoje pois o treino será mais pesado.
Igor sorriu e parou de beber. Ana largou o copo e deu um arrotinho tímido.
- Temos muito o que treinar ainda, por isso não vamos deixar nada nos atrapalhar. Nós precisamos de mais um jogador menino para completar o time – Olhei para o Igor e Denis – Vocês dois ficam encarregados te achar mais uma pessoa para o time?
- Opa, demorou – eles concordaram.
- Zé, Ana – eu chamei os dois dessa vez – precisamos de uniformes, divulgação, mais cartazes e de pessoas que torçam para a gente... vocês dois dão conta de correr atrás disso?
- Sim – Zé respondeu – eu tenho certeza que toda a nossa sala e todos que odeiam o professor Guilherme irão torcer pela gente.
- Ok Imperador – Ana concordou – eu irei fazer o uniforme mais lindo de todos os tempos, muito glitter, um rosa choque, talvez algumas penas...
- Por favor – Gale a interrompeu – Penas só se for de pavão hein.
Todos riram e eu o encarei com um sorriso. “Porque você não é gay????”
- Enquanto a mim? – Gale continuou – qual vai ser a minha... missão?
Sua mão repousou na minha coxa e dessa vez eu senti um frio na barriga. “Ele estava me provocando novamente ou era só o jeito dele?”. Seus olhos brilhavam ao encontrar os meus. Pensei em algo para responder antes que eu começasse a corar:
- Você e eu iremos trabalhar e descobrir uma forma para destruir o time do professor Guilherme!
- Combinado!! – Ele disse com um belo sorriso desafiador na cara.
Zé fez algumas perguntas e a atenção de todos foram para ele. Gale já tinha tirado os olhos de mim mas a sua mão não seguiu o exemplo. Repousada na minha coxa, por lá ela ficou. Gale agia como se não tivesse nem percebido e continuava conversando normalmente.
Fiquei desconfortável quando o meu amigo lá embaixo começou a crescer. Isso não quer dizer que eu não estava gostando, muito pelo contrário, mas aquela situação me deixava várias dúvidas na cabeça.
- Vamos lá treinar então? – eu disse para todos.
- Partiu galera – Igor disse incentivando a mesa inteira.
Gale tirou a mão da minha coxa como se nem tivesse percebido que ela estava ali. Tomou o restinho do seu suco de abacaxi com hortelã (mega gay) e foi o primeiro a se levantar. Todos os seguiram e fomos em direção a nossa humilde quadra para treinar.
A melhora foi pouca, mas pelo menos houve uma melhora. Treinamos praticamente a tarde inteira até mesmo com a chuvinha de verão que veio para dar uma refrescada no calor infernal. No final da tarde paramos e começamos a desmontar a rede pois a chuva iria piorar e já estávamos muito cansados.
- Cesar – Igor me chamou – eu e o Denis vamos para casa porque se chegarmos em casa mais molhados... você conhece as nossas mãe né cara?
- Vão lá então molecada – eu disse aos dois – eu me viro para levar as coisas.
Os dois partiram e logo após os gêmeos foram juntos. Os pais deles vieram de carro e conversaram um pouco comigo sobre os treinos e tudo mais. Me despedi deles ficando apenas eu e Gale na praça.
- Precisa de ajuda para levar essas coisas? – ele perguntou.
- Relaxa, eu moro a umas seis quadras daqui, da para levar sozinho em uma viagem.
De fato eram apenas duas bolas, a rede e as tranqueiras que eu levava para treinar de outras formas. Mas Gale insistiu mais uma vez:
- Que nada, eu te ajudo!
Fomos até a minha casa conversando sobre os pontos fracos do nosso time e como iríamos trabalhar isso. Depois ele falou sobre os campeonatos que ele tinha vencido e disse que se vencêssemos aquele jogo as nossas chances só iriam aumentar. O assunto então começou a mudar e eu cheguei aonde eu queria.
- E você e Bia hoje no corredor da escola? – perguntei como quem não quer nada – Você tá afim dela safadão?
- Que nada cara, ela é muito bonita mas não foi nada demais... na minha antiga escola não tinha pessoas tão bonitas assim então eu resolvi aproveitar mesmo. Aliás, eu estou mais afim de...
Um trovão o fez parar de falar e nós dois olhamos para o céu. A chuva começou a cair, forte e continua, em nossas cabeças.
- Você está afim do que mesmo? – eu voltei a perguntar.
- Acho melhor a gente se esconder dessa chuva.
Correndo, saímos do temporal e fomos parar na frente de um salão de beleza aonde tinha uma cobertura na entrada. A chuva caia cada vez mais forte e já estávamos bem ensopados. O cabelo preto de Gale ficava muito mais sexy quando estava molhado e as suas roupas ficavam ainda mais grudadas ao seu corpo.
Mais um relâmpago iluminou o céu e dessa vez o vento ajudava a formar uma tempestade das boas.
- Cara – eu gritei para ser ouvido – já estamos perto de casa e já estamos molhados mesmo. Que se foda tudo e vamos correndo.
- Mas eu vou ficar encharcado e eu não tenho roupa – ele disse gritando de volta.
- Isso não é problema – eu disse e fiz uma pausa maliciosa – eu te empresto alguma coisa.
- Olha só hein – ele falou – se eu pegar um resfriado você vai ter que cuidar de mim.
- Pode deixar que eu cuido direitinho de você – eu falei chegando mais perto para ele me ouvir.
- Tentador – ele disse antes de sair correndo pela chuva.
- Ei espera eu seu lazarento – gritei atrás dele.
Corremos pelas ruas desertas da vizinhança no meio da chuva. Eu estava carregando a caixa com as bolas e tranqueiras e ele com a rede. A chuva já fazia grandes enxurradas deixando meus tênis completamente encharcados de água.
- Ei – Gale falou sorrindo – vamos apostar uma corrida?
- Tudo bem – eu gritei para ele me escutar – quem vencer toma banho primeiro.
E assim nós dois corremos disparados pelas ruas. A caixa era mais pesada e isso me impediu de alcançar uma velocidade maior do que a dele. Mas eu tinha uma vantagem crucial que ele nem notou. Eu sabia aonde era a minha casa e ele não.
Gale passou pela minha casa e quando ele estava já no fim do quarteirão eu gritei:
- OW É AQUI!!!!
Ele deu meia volta e eu dei muitas gargalhadas pois tinha sido o vencedor. Abri o portão e entramos em casa pingando pelos corredores. A porta estava trancada, sinal de que não havia ninguém em casa. Passei pela cozinha e fomos correndo para o meu quarto para não molhar muito os corredores.
- Acho que eu venci – Gale disse se gabando.
- Venceu nada, quem chegou primeiro foi eu – falei revidando – estou indo tomar banho então fique aí passando frio.
- Você não vai a lugar nenhum – Gale me segurou pelos braços – eu que ganhei.
Agarrei o braço dele também e percebi que ele era forte:
- Vamos ter que resolver isso do jeito difícil – desafie-o com o olhar.
Gale me soltou enquanto eu fui até o guarda-roupa para pegar uma toalha. De repente fui surpreendido com ele me agarrando pelo pescoço e me dando um mata leão.
- Acho que eu vou tomar banho primeiro – Gale disse rindo.
Ele não fazia muita força mas mesmo assim eu estava imobilizado. Fingi que eu estava ficando fraco e ele foi soltando o meu pescoço, rapidamente joguei ele para trás e com calma passei a perna nele derrubando-o no chão.
- Você não é nada cara, quem venceu fui eu. – falei com ar de vitorioso.
Gale agarrou as minhas pernas e me fez cair no chão do quarto também. Caí em cima do seu peito e como estávamos molhados ficava mais difícil se movimentar. Com um pouco mais de força ele saiu de baixo de mim e me imobilizou novamente sentando na minha barriga e segurando os meus braços.
- Quem venceu mesmo Cesinha? – ele comemorou.
- Tá bom então você venceu, me solta aí – falei fingindo que estava com dor.
Ele vacilou novamente e eu me soltei. Joguei as suas mãos para o lado e ele se desequilibrou caindo totalmente em cima de mim. Nossos rostos ficaram grudados um no outro, meu coração começou a acelerar e só não saiu pela boca pois seus lábios chegaram primeiro. O beijo era molhado e eu retribui muito bem fazendo a minha língua entrar no fundo da sua boca. Bia estava completamente errada ou ela não soube como aproveitar aquele garotão que estava em cima de mim.
Ele interrompeu o beijo para olhar nos meus olhos e ver a minha face. Eu estava um pouco envergonhado e dei um risinho nervoso.
- Tudo bem então, você venceu – falei puxando ele para mais um beijo.
O beijo cessou quando escutamos o barulho do portão. Reconheci os passos da minha madrasta chegando de longe. Nós nos levantamos rapidamente e eu joguei uma toalha para o Gale ir se secando enquanto eu fazia o mesmo.
- Cesar – ela disse entrando pelo meu quarto com uma cara nada contente – seu pai pediu para você se arrumar porque vamos jantar na casa do seu tio hoje.
Ela olhou com um falso sorriso para o Gale que a encarava com uma certa curiosidade.
- Oi – ele disse – tudo bem?
- Tudo sim Rodrigo e você?
A vaca tinha confundido o Gale com o Rodrigo e o coitado ficou sem reação com tudo aquilo. Envergonhado eu disse que eu iria me arrumar mais tarde e mudei de assunto.
- Ótimo – ela disse –e vê se não molhe tanto assim a casa.
Sua cabeça encontrou o chão do quarto onde lá estava o rastro de água da nossa “briguinha”, Rosemônio pareceu bem curiosa para descobrir como tínhamos feito aquilo mas por sorte eu fechei a porta na cara dela antes da desgraçada fazer a pergunta.
- Sua mãe é lega hein – ele disse meio tímido.
- Esse filhote do capeta não é minha mãe não – falei sorrindo da sua falsa simpatia – é minha madrasta.
- Gostei dela – ele sorriu – ainda mais por ter me dado um nome tão legal.
- Cara não ligue, ela é idiota – falei meio perdido.
Gale me observava meio curioso com tudo aquilo até que ele quebrou o silêncio:
- Você está bolado?
Esperei um momento para responder a pergunta, sentei na cama e então comecei a me explicar:
- Não... é que tudo isso foi meio um choque...é que eu pensei que você gostasse de meninas e tal e depois disso eu fiquei...confuso.
- E você não fica com os dois sexos também? – ele perguntou.
- Sim, mas eu nunca parei para pensar no quão estranho era isso.
Gale chegou mais perto de mim e me deu um soquinho no braço:
- Cara pensa assim... Quem joga de um lado só da quadra perde a metade do jogo.
- Sim, desculpa – eu falei – é que eu acabei de sair de um relacionamento meio conturbado então eu não estou pronto para um próximo e...
- Ei – Gale falou colocando um dedo na minha boca – quem disse que isso aqui precisa ser um relacionamento? Cara eu curti bastante você mas não é por causa disso que vamos ter que casar e ter filhos, apenas aproveite.
Ele terminou de falar e voltou a me beijar. Foi um beijo rápido pois a porta não estava trancada e minha madrasta podia aparecer a qualquer momento.
- Vamos apenas aproveitar então – eu disse dando um selinho nele para finalizar o assunto.
- Agora me mostre aonde é o banheiro pois que eu me lembre, quem venceu fui eu – ele falou voltando no assunto.
- Ah é?? – eu disse – acho que o golpe que você me deu é considerado trapaça.
- Eu pensei que você gostasse de trapacear... – ele disse maliciosamente.
Suas sobrancelhas se ergueram e um sorrisinho surgiu no canto da sua boca. Eu sorri de volta mas não era apenas porque eu achava engraçado ou sexy aquilo que ele estava fazendo. Meu sorriso era diferente e fazia tempo que eu não sentia isso.
Tentei lembrar aonde eu tinha sorrido daquele jeito mas me dei por vencido.
Aquilo já era passado. E eu já tinha esquecidoPELA MILÉSIMA VEZ!!! É ASSIM QUE SE SACA!!!
Os meus gritos davam para serem ouvidos pela praça inteira. Quando eu falava pela “milésima” vez não era mentira, estávamos a tarde inteira aprendendo como fazer um saque digno de não ser piada.
Denis e Igor não tinham mira. Para o Zé faltava um bocadinho de força e Gale...
- Deixa eu tentar mostrar para vocês – ele disse pegando a bola e indo para a sua vez de sacar.
Pingou a bola umas cinco vezes no chão, calculou a força e a distância que a bola iria percorrer, deu uma conferida para ver se não pisava na linha e finalmente ele sacou. A bola veio na velocidade de um jato na minha direção, mas antes a rede a impediu de chegar até o seu destino.
Os garotos caíram na gargalhada e eu apenas olhei para cima desapontado. Gale coçou os seus cabelos bagunçados e tentava entender o que tinha dado errado.
- Ótima tentativa – eu disse ironicamente e me direcionei na mesma posição onde Gale estava – agora deixa eu te mostrar como se faz.
Fiz o mesmo procedimento que Gale tinha feito. Os outros três jogadores estavam prontos do outro lado da quadra para receber o meu saque. Gale me assistiu dando alguns passos pra trás e quando eu fui sacar ele disse quase num sussurro:
- Ei gostosinho, ei gatão, olha aqui...
Tentei ignorar a brincadeira e me concentrar no saque, mas foi em vão. Joguei a bola para o auto e já nem sabia o que deveria fazer. Resultado: A bola foi arremessada para fora da praça caindo no meio da rua. A coitada foi atropelada por um caminhão de lixo e só deu para escutar o barulho do seu estouro. Logo o motorista assustado parou o caminhão e todas as pessoas levaram um susto dos infernos.
- Um viva para o nosso imperador? – Ana perguntou com aquela cara de capetinha dela.
- Acho melhor a gente depor ele – Gale falou segurando a risada – MONTINHO NO CESAR GALERA!
Foi inevitável correr. Gale me derrubou no chão tão rápido que nem deu tempo de pensar no que fazer. Logo um a um foi subindo em cima de mim montando uma pilha com a Ana no topo dando altas gargalhadas. No meio desse fuê todo, senti uma mão boba pegando na parte de frente da minha bermuda. Sem ar eu disse para todos saírem, caso contrário eu ficaria com a barraca armada ali no meio de todos.
Todos se sentaram no chão, vermelhos de tanto rir. Eu tinha grama até nos ouvidos e estava até tonto tentando recuperar o fôlego. Olhei para Gale com cara de bravo mas quando ele me mandou um beijinho foi impossível não sorrir.
- Ótimo – eu falei – Agora além de gastar dinheiro para comprar uma bola nova eu terei que pagar um fisioterapeuta para curar a minha coluna.
Como recompensa pela gracinha eu decidi dar cem abdominais para todos eles fazerem. Mas por outro lado foi a nossa ultima atividade do dia porque os coitados vinham numa rotina bem dura de treinos. Todos foram embora e só sobrou o Gale que se tornou o meu ajudante em carregar coisas.
- Gostou do meu estímulo? – ele perguntou quando eu trazia de volta o que tinha sobrado da bola estourada.
- Se você conseguir distrair todos os jogadores do time adversário chamando eles de gostosos...eu até que vou gostar.
- Eu não estou falando desse estimulo especificamente – Gale se aproximou com malicia se referindo a apalpada que ele me deu.
Recuei um pouco para trás para ter certeza que ele não tentaria nada. Eu ainda não sabia se ele era assumido ou não, não tínhamos conversado sobre isso. Alias não conversamos absolutamente sobre nada. Os nossos assuntos eram restritos a jogos e campeonatos e de vez em quando sobre o quanto ele era bonito. Para mim ele era um completo mistério.
- Cara – eu falei – eu acho melhor a gente conversar sobre o que está acontecendo entre nós.
- Estou ouvindo – ele disse indicando um banco para a gente se sentar.
- Bem, eu vou ser sincero... eu gostei de você desde a primeira vez que eu te encontrei na sala. Mas eu sinto que não te conhecesse e isso meio que me corrói por dentro. Entende? Eu não sei se você é assumido ou não, qual o seu sorvete preferido, se você teve catapora ou não, ou se você já teve esse sentimento por mim.
- Eu tive – Gale me interrompeu.
- Sério? – falei desconfiado.
- Tive catapora com seis anos de idade.
- Ah vai se foder – falei rindo.
- Meus pais não se importam comigo, por isso eu posso ser assumido para quem quiser. Meu sorvete preferido é flocos, eu sei fazer as coreografias de todas as músicas da Lady Gaga, caí uma vez de skate e quebrei o braço, sou filho único, tenho uma pinta na nádega esquerda que todos falam ser um charme...
- Você estragou a surpresa – comentei rindo.
- Nunca zerei o jogo do Mário, eu nasci nos Estados Unidos, estou usando meias de pés diferente, tenho alergia a gatos, sou de Capricórnio com ascendente em Peixes e a lua em Touro, não bebo, não fumo e o mais importante de tudo, SIM EU TENHO ESSE SENTIMENTO POR VOCÊ TAMBÉM.
- Sinto que eu já te conheço até demais – coloquei as minhas mãos sobre a sua e ele retribuiu.
- Vamos fazer assim então – Gale disse segurando a minha mão com mais força - nosso jogo é dia três de Julho, até lá a gente não vai se beijar, não vai se apalpar, não vamos fazer nada. Vamos nos concentrar no treino e em se conhecer melhor.
- Eu não vou aguentar de curiosidade e vou querer ver essa tal pinta no bumbum. – falei desaprovando o plano
- Aí está então, se ganharmos o jogo eu te mostro qualquer pinta que você quiser. Vamos ganhar esse campeonato e vamos comemorar deixando todos esses sentimentos cultivados em nossos corações despertar.
- Isso foi muito gay – caçoei dele – mas eu topo sim.
Parecia uma boa ideia. Eu senti que as coisas estavam indo rápido demais entre nós dois e um tempo para pensar era do que eu precisava. Mas o problema veio na minha cabeça tarde demais e agora já estava feito.
Dia três de Julho, esse era o dia aonde “os sentimentos cultivados em nossos corações iriam despertar“.
E eu pressenti que o meu décimo sétimo fracasso seria o maior de todosmeses passaram voando.
Sempre me falaram que o colegial é uma época da vida muito importante, aonde você terá grandes experiências na vida e passará num piscar de olhos. Parece baboseira mas é uma baita verdade.
Os meses se foram e por mais que eu deteste, uma rotina se estabeleceu na minha vida. Era acordar, ir para escola, estudar (sim foi nessa época que eu tomei juízo e comecei a pegar firme na escola), almoçar, treinar, treinar de novo, treinar mais um pouquinho, voltar para casa e dormir.
Nesse meio tempo as coisas se mantiveram estáveis. Eu e Gale nos tornamos grandes amigos, apesar de eu ainda considerar o Felipe o “melhor”, eu sabia que tinha uma distinção muito importante dessas amizades. Alias, Felipe depois de um mês para cá começou a me ver menos por causa dos treinos pesados que ele também era submetido. Por mais que me doía a falta dele no meu time, eu iria até o fim com a minha palavra.
Bia me ajudou a estudar e no final do semestre que estava ajudando ela era eu. Também ensinei e aprendi muito com o fantástico time de vôlei, todos evoluíram muito, trabalhamos cada um como uma forma de quebra-cabeça, todos eram importantes para o time e se qualquer um deles saíssem, estaríamos perdidos.
Rodrigo e Otávio estavam seguindo as suas vidas. Conversava com eles no intervalo ou quando via eles perdidos nos corredores. Um dia eu peguei os dois se pegando no banheiro, beijando um a boca do outro e eu lá parado cortando o amasso dos dois com um pulo que fez os dois se borrarem de medo, fiquei um pouco mal, mas a vida seguia. Tudo entre os dois parecia ir uma maravilha, nada de bullying, nada de homofobia, nada de violência.
Até aquela maldita sexta-feira.
- Nos vemos amanhã na quadra então? – falei para o Felipe que guardava o material na mochila.
- Esteja pronto porque vamos destruir vocês! – ele disse destruir em um modo competitivo para mim e para Gale ele disse como se fosse explodir o coitado.
- Ah e independente do resultado – eu lembrei – amanhã tem churras em casa para comemorar meu aniversário, beleza?
Por mais que eu tivesse sido bem claro em “não ter festa”, meu pai insistiu para que pelo menos um churrasco acontecesse no grande dia. Concordei porque ele não iria parar de encher meu saco.
- Fechou então Cesinha – Felipe se despediu.
Saí com Gale da escola e fomos juntos até a lanchonete aonde teríamos nosso último treino antes do jogo. Primeiro iríamos esperar o restante do time chegar para irmos juntos.
- Imperado! Imperador! – Ana chegou gritando de mãos dadas com um homem – Eu achei uma solução para o nosso problema.
O nosso problema era a falta de um jogador que ninguém conseguia encontrar. Igor e Denis falharam, eu falhei e ninguém tinha arranjado um sexto integrante. Pelo jeito a Ana tinha encontrado alguém para entrar também.
- Esse aqui é o Jorge Fontanello e ele é que irá nos ajudar.
Jorge Fontanello tinha idade para ser nossos pais. Magro, alto e careca, o cara parecia bem afeminado também com dois brincos em cada orelha e uma camisa rosa com estampas de morcegos.
- Maravilha – eu falei olhando para Gale que tinha a mesma cara de perdido – mas o campeonato é só para estudantes e eu não sei...
- Queridíssimo – Jorge soltou a sua voz aguda e fina – eu nunca tirei meu diploma de ensino médio e se eu quisesse poderia arrebentar com qualquer esporte que envolvam uma bola.
Eu não duvidava de que o tal Jorge tinha talento quando o assunto era “bolas”.
- Mas ele não vai jogar – Ana interviu – ele irá me fazer entrar no jogo.
A vontade que eu tive de dar um abraço naquela menina era imensa. Ela era um gênio, procurar alguém para mudar as regras do campeonato deve ter sido difícil e eu estava louco para saber como ela tinha conseguido.
- Você é incrível Ana!!! – não resisti e dei um forte abraço na garota dos cabelos castanhos – Vamos almoçar então e você me conta tudo.
“Tudo iria dar certo”, pensei e um minuto depois Igor apareceu para contradizer todos os meus pensamentos.
- CESAR! CESAR! CARA CORRE AQUI!
Igor parecia desesperado e não conseguia nem falar direito. Fiz o que ele me pedia e o segui.
- O que aconteceu? – tentei parecer calmo.
- Rodrigo... Otávio... pegaram eles!
Meu sangue ferveu por inteiro. A raiva se descontrolou e eu aumentei a velocidade e fui o mais rápido possível onde eles estavam. Atrás de mim eu encontrei Gale me seguindo e o restante esperando lá na rua. Igor gritou alguma coisa e eu só entendi “quadra”, foi para lá que eu corri o mais rápido possível.
Escutei poucas vozes vindo da quadra mas eu nem liguei para o que estavam falando. Bem na entrada, encostado no portão verde que dava passagem para as arquibancadas e deitado ao lado de Denis, Otávio parecia destruído. Sangue escorria pelo seu nariz completamente roxo.
Sua cara estava toda vermelha e ele respirava com dificuldade. Escutar seu choro foi terrível mas ver as lagrimas dele saindo dos olhos destruiu qualquer tipo de humanidade que havia dentro de mim. Eu só queria pegar o culpado por aquilo e mata-lo.
Minha mente voltou um pouco a realidade e eu reconheci a voz que gritava na quadra. Era um grito de desespero, de angústia, de medo, vindo de uma voz que um dia disse que me amava.
Rodrigo se encontrava no meio de um grupinho de garotos. Um deles o segurava pelas costas enquanto outro alternava entre gritar nomes ofensivos e dar murros em seu estômago.
O impulso da raiva me impediu de pensar. Corri até o garoto que estava segurando o Rodrigo e deixei meu pulso fazer o trabalho. Todos me olharam surpresos e pelo fato de ter sido inusitado a minha presença, o golpe atingiu o garoto no meio da cara. Pelo barulho ele deve ter quebrado um nariz, mas eu não me importei. Solto, Rodrigo me olhava espantado com o que tinha acabado de acontecer.
- CORRE! – eu gritei para ele.
“Porque raios ele tinha que ser tão teimoso?” Fiquei pensando quando Rodrigo apenas se endireitou e ficou ao meu lado. Pelo jeito ele estava afim de apanhar junto e o seu desejo se tornou realidade.
Os outros quatro garotos partiram para cima de mim e a única coisa que eu fiz foi proteger a cara. Chutes, murros, tapas, a ira de todo mundo caiu sobre a minha pessoa. Um deles tentou segurar meu braço mas eu me defendi dando uma cabeçada nele e buscando alguma forma de fugir.
Correr era a solução. E eu já estaria no outro lado do mundo se o Rodrigo não tivesse tentado me defender. Segurando o maior garoto pelas costas afim de não deixar ele me atingir, Rodrigo foi erguido no ar e arremessado na minha frente caindo com tudo de costas no chão.
Igor, Gale e Denis apareceram graças a minha reza e impediram qualquer um de causar mais brigas. Atrás deles Felipe e o professor Guilherme vinham andando afim de entender o que estava acontecendo.
- SAIAM AGORA!!! SAIM TODOS AGORA DA MINHA QUADRA!!!
Os encrenqueiros homofóbicos não pensaram duas vezes e fugiram o mais depressa possível. Era o que eu deveria ter feito mas no momento eu checava se o Rodrigo estava bem.
- ISSO É CULPA SUA SEU VIADINHO DE MERDA! – as palavras do professor demoraram para fazer sentido na minha mente – QUEM MANDOU QUERER SER UM BAITOLA? TEVE O QUE MERECEU! AGORA SUMA DA MINHA QUADRA E DO MEU TIME!
Eu me levantei e encarei o professor. Percebendo que eu estava o desafiando ele intensificou o olhar de raiva mas eu não tive medo, apenas disse com a maior tranquilidade do mundo:
- Você é um lixo de professor, um lixo de técnico e um lixo de ser humano. Então olha só o que eu faço com essa sua quadra.
Juntei toda a saliva que eu tinha na boca e mandei um jato bem forte que passou centímetros perto do pé do treinador e atingiu o chão da sua preciosa quadra. Por um instante o mundo parou e era só eu e ele ali naquela quadra, senti a sua ira explodir como se fosse uma bomba nuclear, mas mais uma vez eu não tive medo.
Seu braço direito se levantou, e eu continuei parado o encarando. O soco veio em minha direção, e eu continuei parado o encarando, seu punho quase encostou no meu rosto, e eu continuei parado o encarando. No último segundo ele parou também e percebeu a merda que estava fazendo, e eu continuei parado o encarando.
O professor virou as costas e foi embora. Todos os garotos foram atrás dele e Rodrigo me segurou para ver se eu estava bem.
Eu iria acabar com todos eles. Não iria parar até mandar aqueles garotos para a cadeia e até aquele professor ir para na profundidade do inferno. Mas primeiro eu iria me preocupar com as pessoas que eu amava e ver Rodrigo ali ao meu lado chorando foi terrível.
Abracei-o e quis chorar junto, mas não deixei nenhuma lágrima sair dos meus olhos. Estaria ali com ele até o fim e não deixaria nada machuca-lo ou feri-lo, para isso eu teria que ser forte e não podia chorar.
- Vai ficar tudo bem... vai ficar tudo bem... – eu disse enquanto ele soluçava no meu ombro.
“Vai ficar tudo bem” eu prometi a mim mesmo que eu não iria fracassar enquanto a isso.
...
Comecei o dia três de Julho muito bem. Em uma delegacia.
Todos os cinco garotos foram detidos e iriam responder sobre homofobia, agressão e mais uma porrada de coisas. Alguns já tinham passado pela cadeia por causa do uso de drogas, mas o importante é que eles não iriam repetir aquilo novamente tão cedo.
Otávio tinha ido para o hospital por conta de uma costela trincada. Rodrigo estava lá com ele e eu só o vi quando ele contava a sua versão da história.
Meu pai queria processar todo mundo. Tive que manda-lo parar um pouquinho pois se não a gente que iria ser processados. Contei a ele sobre o professor Guilherme e o desgraçado ficou no topo da lista de pessoas que meu pai queria processar.
- Deixa isso para amanhã – falei cansado – ele vai ter o que merece.
Voltamos para casa e eu quase não dormi direito. Nos meus sonhos eu pisava na cabeça daquele maldito professor até o fim dos meus dias. Por pouco ele não tinha me agredido, pensei na sorte que eu teria se aquilo ocorresse mais uma vez.
Acordei e a primeira coisa que eu fiz foi ligar para o Felipe. Combinamos de se encontrar em sua casa para conversar. Eu tinha assuntos importantes para tratar com ele antes do jogo.
Cheguei na sua casa e apertei o interfone. Sem demoras ele abriu o portão e me deixou entrar. Felipe parecia preocupado, seu cabelo loiro estava ridiculamente bagunçado pois ele tinha acabado de acordar. Usava um pijama azul de marinheiro que me fez sorrir pela primeira vez naquela manhã.
- Entra aí cara – ele disse.
Cumprimentei seus pais que estavam tomando café da manhã na cozinha. Passei pelos corredores e entramos no seu quarto. Olhei aquela cama e foi impossível não lembrar do dia em que nos beijamos ali. Era a primeira vez que eu retornava na casa dele depois do incidente do beijo.
- Senta aí cara – ele disse apontando para a cama – eu não vou te agarrar de novo não.
Ri e me joguei na sua cama. Felipe tirou o pijama e ficou sem camisa mostrando que os treinos do professor Guilherme tinham feito um milagre nele. Felipe tinha adquirido um peitoral e abdômen bem definidos que me deixou com uma pontinha de inveja.
- Então – ele prosseguiu pegando uma caixinha do seu guarda-roupa – FELIZ ANIVERSÁRIO!
- Ah cara, valeu mesmo – eu disse nem lembrando que hoje era o dia do meu aniversário.
Abri o presente e me deparei com um bonequinho dos Power Rangers. Era o mesmo modelo que eu e Felipe brigávamos para ter quando éramos crianças.
- Agora sim hein – eu disse – não vou mais precisar ser seu amigo, então deixa eu indo...
- Tem mais – ele mandou eu vascular a caixinha de novo.
Um quadro com a foto minha e dele voltando do campeonato regional depois da nossa primeira vitória fora de casa. Eu podia ver a felicidade em nossos olhos, estávamos tão felizes, tão...
- Muito obrigado cara – eu disse abraçando ele.
- Eu sai do time do professor Guilherme – ele sussurrou em meu ouvido – posso jogar com vocês?
A pergunta tinha me pego de surpresa. Eu queria falar com Felipe justamente sobre isso.
- Eu fico no banco de reserva – ele continuou – na torcida, de gandula, o que você quiser, mas não me deixa ter que ficar com aquele maldito professor de novo.
- Tudo bem, você está dentro – falei soltando ele – mas sem ficar de zoeira com o Gale e se vista logo porque o treino começa daqui a pouco.
Felipe vestiu um short preto e saímos de sua casa. Sua casa era longe da praça e por isso pegamos um ônibus para ir mais rápido. O treino começava as duas da tarde e o jogo era as seis. Tínhamos pouco tempo antes de organizar tudo.
No caminho fomos conversando sobre tudo o que o Felipe sabia dos jogadores da escola. Todos sofreram com o treino carrasco do professor e por isso estavam com vantagem, mas perder Rodrigo e Felipe, os dois capitães, seria um belo problema.
Saímos do ônibus e chegamos na praça. Gale já tinha montado a rede e colocado todo mundo para aquecer. Zé foi o primeiro a me ver e apontou com o dedo fazendo todos me olharem e gritarem.
- Até que enfim em cara – Igor disse – deu tudo certo lá na delegacia?
- Sim – eu respondi – mais tarde eu conto os detalhes mas agora vamos ao que interessa.
Todos formaram uma roda e eu pude ver a cara de cada um. Notei que estava faltando alguém.
- Cadê a Ana? – perguntei já desesperado.
- Ehh... – escutei uma voz meio rouca do meu lado esquerdo – ela disse que não poderá comparecer e me mandou para substitui-la.
Lembra o sentimento de querer abraçar aquela garota? Sumiu de uma vez quando eu vi ela vestida e disfarçada de garoto. Sua sobrancelha estava mais grossa, uns pelinhos saiam do seu queixo, uma preta cobria seu cabelo e seus pequenos seios apertavam a camisa agarrada.
- Meu nome é Claudio – ela falou – mas pode me chamar de Claudião... vamos destroçar todas aqueles garotinhos hoje?
- Ana isso não vai dar certo – eu disse desanimado – você não tinha falado com o tal Jorge Fantonelli.
- Sim, foi ele que fez essa maquiagem incrível – ela falou com sua voz normal.
Não sei quem tinha sido mais anta. Ela por pensar que aquilo iria funcionar ou eu de ter pensado que o tal Jorge era um advogado ou coisa do tipo.
- Sinto muito Claudião – eu disse – mas eles pedem o RG para a inscrição no campeonato.
- Mais eu sou mais macho que a maioria de vocês! – “Claudião” respondeu – e agora? Estamos ferrados?
E então todos olharam para o Felipe. No começo ele ficou meio tímido com seis pessoas o observando mas então ele deu um passo a frente e se pronunciou:
- Tudo bem, se falta um eu posso jogar então.
Os gritinhos de comemoração me deram um pouco mais de ânimo:
- Vamos lá então galera, temos que acertar muitas coisas ainda!
- Antes... – Zé me cortou – a gente não pode esquecer o seu presente...
Vi nas mãos dele uma caixa de papelão. De lá ele tirou diversas camisetas embrulhadas em um saquinho plástico e distribuiu para todos nós. A camisa era prata e possuía uns detalhes em vermelhos com nossos nomes atrás. A minha era diferente na cor dos detalhes que eram dourados ao invés de vermelho e estranhamente na frente colocaram a sigla CSR.
- Feliz aniversário Imperador !!
O abraço coletivo me deixou tonto. Quando todos se largaram eu olhei para os gêmeos e perguntei.
- Muito obrigado galera, mas o que significa CSR?
- Cesar Seu Retardado? – Igor chutou dando risada.
- Churros Sem Recheio? – Gale também entrou na brincadeira.
- Veste a camisa e erga um dos braços – Zé me aconselhou.
Quando eu o fiz tomei um susto básico. Meu peito pareceu formigar mas então eu entendi o que tinha acontecido. No meio da sigla CSR apareceu mais duas vogais formando o nome CESAR.
- Quanto luxo hein – agradeci novamente – Muito obrigado galera, agora vamos focar no treino se não estaremos ferrados.
Todos vestiram o mais novo uniforme e quando eu olhei para o Felipe não foi possível segurar a risada. A sua camisa era a da Ana e por isso era mil vezes menor e deixava seu umbigo de fora. Sem contar que nas costas dava para ver o nome “CLAUDIÃO” estampado deixando as coisas bem mais estranhas.
Começamos o treino ao meio de risos e gargalhadas, mas então as coisas começaram a ficar sérias. O desempenho de todos estava perfeito e Felipe foi se acostumando com o time novo. No fim da tarde eu juntei todos mais uma vez e antes de imos para o ginásio municipal fizemos uma rodinha.
- Não vamos falhar! Eu confio em cada um de vocês e tenho certeza que não vamos fracassar!
Os gritos de incentivo foram bons mas não me convenceram. Por dentro eu ainda podia sentir.
O décimo sétimo fracasso estava mais perto do que eu imaginava.
...
E então, o mundo entrou em câmera lenta.
O juiz apitou e eu joguei a bola para o alto. Eu precisava acertar daquela vez, não podia errar, esse saque deveria ser perfeito para trazer a vitória para o nosso time.
Enquanto a bola subia e fazia a sua trajetória eu olhei para todos do time. Felipe estava virado para mim no meio da rede com o suor escorrendo pelo rosto, e apesar do cansaço, seus olhos verdes brilhavam de tanta determinação. Igor, Denis e Zé olhavam atentos para os adversários tão cansados como qualquer um do time. E por fim Gale me olhava enquanto eu tomava impulso para pular e acertar a bola. Minutos antes ele tinha vindo até mim e falado “Eu te amo, você consegue!” e assim eu consegui fazer o ponto para desempatar o placar. Agora só faltava mais um para fechar como vitoriosos e eu já tinha pulado em direção à bola.
No céu eu tive a certeza de que iríamos vencer. Minha mão deu um tapa forte na bola que foi girando até o outro time. Aquele era o quinto set, o jogo tinha se estendido por muito tempo e por isso eu tinha que concordar que venceríamos pelo cansaço. Quando a bola bateu na mão de um garoto ruivo e foi para o céu sem nenhum rumo certo, a torcida ficou em silêncio total. Os garotos do time da escola não tiveram garra para ir buscar a bola e ela caiu no chão.
E então, o mundo saiu da câmera lenta.
O juiz apitou e o jogo acabara. Eu não tinha fracassado, não tinha perdido, não tinha errado e tudo graças ao incrível time... Aquilo não parecia real.
Pulei nos braços de Gale e ele nos meus. Ele já tinha tirado a camisa e por isso eu pude sentir o calor que aquele corpo exalava. Aos poucos, todos os outros garotos se juntaram para um abraço coletivo de comemoração. Ana invadiu a quadra toda contente e fez parte da festa conosco.
Não me importei com professor Guilherme, não me importei com os meninos do outro time, não me importei com nada. Eram quase nove horas da noite e eu ainda tinha mais três horas de aniversário para comemorar.
Minha casa era pequena para o tanto de gente que tinha vindo comemorar e por isso estendemos a festa para um pedaço da rua também. Os vizinhos eram badalados e faziam farra quase todo fim de semana e por isso não se importaram com a algazarra. Assim eu tive a melhor festa de aniversário de todos os tempos.
Eu estava perdido e pensando que tudo poderia ser um sonho. Bebi, pulei, assoprei as velas, fiz um pedido, fiz um discurso, bebi mais um pouco e por fim o dia estava acabando.
Faltando dois minutos para a meia noite. Meu celular toca e eu vejo a ligação do Rodrigo. Sai correndo até o meu quarto para atender com mais privacidade.
- Alô? – Rodrigo falou com dificuldades para me ouvir.
- Oi? - eu disse até que a ligação ficou boa.
- Parabéns novo campeão! Fiquei sabendo da notícia, estou muito feliz por você!
- Velho cola aqui em casa que está tendo o maior festão! – falei entusiasmado.
- Não dá, eu estou com o Távio aqui no hospital – sua voz parecia triste – queria estar aí com você...
- Ele está bem? – eu disse mudando de assunto.
- Vai ficar algum tempo de cama, mas ele está ótimo! – comecei a perceber que o Rodrigo não estava assim tão feliz. – Parece que todo namorado que eu tenho acaba parando no hospital né?
Concordei com ele e rimos por um tempo até que ficamos em silêncio.
- Bia me contou sobre você e o tal de Geioul... – Rodrigo disse com malicia – está rolando algo entre vocês?
- É GUEIOU – pronunciei o nome do Gale direito – e não está rolando nada entre a gente! A Bia é uma fofoqueira...
- Você mentia melhor Cesar – Rodrigo caçoou de mim por telefone – Pode falar a verdade, somos amigos não somos?
- Eu to sentindo o cheiro de ciúmes daqui de casa – virei o jogo contra ele.
- Vai se foder Cesar! – ele disse rindo – Você pode ficar com que quiser e já estava na hora né seu encalhado.
- Eu posso ficar com quem eu quiser mas no fim você sabe que eu te amo né? – falei tampando a boca logo em seguida.
O porquê diabos eu tinha dito aquilo eu não sabia. O silêncio se estabeleceu novamente até que eu pensei em algo para falar:
- Os garotos homofóbicos vão para a fundação casa, mas não ficarão lá por muito tempo...
- Ah ... – Rodrigo retornou a falar normalmente – eu estava até me esquecendo de te agradecer novamente, se não fosse por você eu já teria levado tanta surra nessa vida.
- Não foi nada, até hoje eu tento me redimir. Lembra aquela vez que a gente brigou e eu bati em você? – perguntei.
- Eu também já dei uns murros na sua cara! – ele retrucou.
- Mas eu deixei, então não vale!
- Olha só, isso não se faz – Rodrigo parecia se divertir – eu me assumi para ficar com você e em troca você joga essas coisas na minha cara?
- Eu deixei de ganhar um campeonato para ficar com você! – respondi.
- Eu deixei de andar de skate por você! – ele revidou.
De fato, Rodrigo era um skatista de primeira mas eu fiz ele parar pois eu achava ridículo (na verdade foi porque uma vez ele quase caiu na minha frente e eu fiquei MEGAAAA preocupado)(e eu também tinha ciúmes dos amigos skatistas dele).
- Eu fui atropelado por um fusca e picado por um escorpião, tudo isso por você!
- Mas isso foi burrice sua, não tenho nada haver com isso – ele zombou da minha cara.
- Quanta ingratidão... – falei imaginado o sorriso dele do outro lado da linha.
- Agora eu tenho que ir. Feliz aniversário e tudo de bom seu estrupício.
- Valeu amigão! No fundo você sabe que eu te amo muito né – falei por causa do efeito da bebida (não me julgue) – te amo, mas como amigo.
- Também te amo Cesar!
- Como amigo? – perguntei.
E como resposta ele riu e desligou o telefone.
Sentei na minha cama e relembrei de tudo o que eu tinha passado com aquele garoto. O tempo já tinha passado, meu amor já virara apenas lembranças, mas quanto mais eu tentava esquece-lo, mais ele vinha na minha mente.
Escutei alguém batendo na porta e eu fui correndo abri-la. Gale estava parado no corredor e quando ele me olhou eu me lembrei de suas palavras “Eu te amo, você consegue”.
- Vim aqui trazer o seu presente – ele disse sorrindo.
- Se você quiser pegação é melhor esperar todo mundo ir embora – respondi.
Gale entrou no meu quarto e eu tranquei a porta. Peguei a latinha de cerveja que eu tinha deixado ao lado da cama e matei ela em um único gole. Gale fez uma cara de desaprovação que me deixou confuso:
- Você não bebe? – perguntei.
- Não gosto muito, por isso quando a gente estiver namorando eu terei que te fazer largar a bebida.
- Quero só ver você fazer eu largar a bebi... – parei um pouco e entendi – como assim namorando?
Gale estranhamente se ajoelhou no chão e eu fiquei sem reação para aquilo tudo. Do seu bolso ele tirou uma caixinha de alianças e eu não acreditei que ele estava fazendo aquilo.
- Eu esperei por quatro meses. Quatro meses foram suficientes para ver que você é um garoto incrível, corajoso e um ótimo amigo, ótimo companheiro. Por isso eu agora te peço: Cesar Francisco Neto, você quer namorar comigo?
Ele abriu a caixinha e eu vi as duas alianças. Uma inteiramente preta e a outra toda branca. Os olhos de Gale brilhavam olhando para a minha cara de perplexo com aquilo tudo.
- Você não pagou caro nessas alianças não né? – perguntei e ele me olhou preocupado.
- Foi eu mesmo que fiz – Gale respondeu.
- Porque seria uma pena se eu dissesse não – falei e ele abaixou a cabeça – mas como eu te amo, acho que eu terei que aceitar né.
Gale sorriu feito bobo e colocou a aliança preta no meu dedo. Eu peguei a branca e fiz o mesmo. Ficamos sorrindo feitos dois bobos até que ele veio até mim para um beijo.
- Espera! – interrompi-o – esse namoro ficará entre a gente?
- Não me importa, tendo você já é o suficiente! – dessa vez ele me beijou e eu não o interrompi.
Seu beijo era ardente e caloroso. Nos beijamos por um minuto mas pareceu que tinham se passado horas. Seu cheiro, seu carinho, seu amor... era tão diferentes.
E a partir daquela noite eu esqueci de vez o Rodrigo.
...
Agora eu sei o que vocês devem estar se perguntando.
“Mas se você não fracassou, por que então são dezessete fracassos?”
A resposta é simples. Por mais que naquele ano, o único em toda a minha vida, eu tive um aniversário feliz, com uma festa feliz, com tudo dando certo ainda ganhando de presente um ótimo namorado. A vida seguiu e muitos aniversários ainda me esperavam.
Um ano se passou e meu aniversário de dezoito anos tinha chegado.
A nossa vida muda muito em um ano, mas no meu caso, a vida tinha virado de ponta cabeça.
Cheguei da faculdade acabado. Entrei no elevador e apertei o número do meu andar. No meio de chacoalhadas e sustos o elevador vagabundo chegou ao meu destino. Peguei a minha chave e abri a porta do meu apartamento.
O lugar era simples. Tinha um quartos, uma sala, uma mini-cozinha e um banheiro, tudo na maior simplicidade mas eu já considera esse apartamento o meu mais novo lar querido.
A luz estava apagada quando eu entrei e por um instante eu fiquei esperando alguém acendê-las de surpresa e uma música de parabéns começasse a ser cantada. Esperei por um minuto, por dois, por três... para depois desistir e aceitar que aquilo não iria acontecer.
No mesmo dia na hora do almoço, o pessoal da faculdade preparou uma festa para mim. Bolo, bebida, balão... tudo o que eu mais precisava estava ali. Mas por mais que eu tentasse foi impossível não sentir falta dos meus amigos.
Liguei o meu computador e vi as mensagens de parabéns no meu Facebook. Igor postou uma foto horrorosa minha bêbado desejando tudo de bom. Os gêmeos colocaram a foto do time de vôlei, que agora eles comandavam, e agradeceram por tudo o que eu tinha feito para a escola e por eles. Bia mandou um textão de três páginas falando o tanto que me amava e o quanto eu fazia falta. Felipe não me mandou nada pois eu tinha encontrado ele no andar de baixo logo pela manhã e eu recebi presentes e tudo mais do meu eterno amigo, mas devido o seu curso ser noturno, a gente não se via frequentemente. Rodrigo me mandou parabéns e sucesso, mas ficou só nisso e Gale seguiu o seu exemplo.
O que eu tinha conseguido com tudo aquilo? Tomei escolhas na vida e por mais que eu estivesse um tanto infeliz no momento, eu não me arrependia de nada. Cada fracasso que eu passei nos meus aniversários me faziam refletir um pouco na vida.
Com quatro anos eu aprendi que não era legal tacar o bolo na cara dos meus primos porque eu ficaria de castigo por causa disso. Com cinco eu aprendi que torcer para time de futebol só trazia desgraças. Com onze eu aprendi o que era uma alergia de verdade. Com dezesseis eu aprendi a não se apegar as pessoas tão fortemente, pois se não eu iria me machucar...
Com dezessete anos eu não aprendi nada e apenas mergulhei nesse mundo de glórias pensando que eu já tinha vencido. Mas a vida não se trata de vencer ou de fracassar. Não vamos ganhar uma medalha quando chegar ao fim, por isso eu deveria me preocupar em ser feliz não importava como.
Comemorei o meu aniversário de dezoito anos sozinho na frente do meu computador com uma lata de Fanta maracujá. Essa festa solitária tinha sido o meu décimo sétimo fracasso. Mas naquela noite eu aprendi que dos fracassos surgem as melhores ideias.
Perdido no mar da internet eu achei a história de um garoto que tinha se apaixonado por outro moleque da sua escola e os dois viviam histórias para lá de excitantes, não me lembro o nome da história mas ela me prendeu por demais.
Depois eu achei uma sobre dois amigos que jogavam futebol e se apaixonaram, por ter me identificado logo de cara, me apaixonei pela trama e segui até o final. Não lembro o nome do escritor, mas a série se chamava “Meu amigo do Futebol” ou coisa do gênero.
Li várias histórias naquela noite do meu aniversário e quando faltavam apenas uns dez minutos para a meia noite eu resolvi abrir uma conta no site e tentei escrever a minha história que não era perfeita, e sim cheia de fracassos, sucessos, loucuras e tudo mais que fosse possível.
Dezessete fracassos. E eu teria a honra de contar tudo e muito mais para quem quer que estivesse a fim de embarcar nessa jornada. Faltando apenas um minuto para o fim do dia, eu comecei a digitar na página em branco:
“Se preparem para ouvir (ler no caso) uma história de amor, intrigas, sacanagem, reviravoltas e de muitas babaquices sem limites que aconteceram (alias, acontece). Mas antes é claro deixem eu me apresentar
Meu nome é Cesar, tenho 18 anos e estou na faculdade, moro no estado de São Paulo e vou falar só isso porque se não fica tenso o negócio. Sou meio pardo, cabelos pretos, 1,78 de altura, eu não frequento academia (preguiça) mas tenho um corpo legal (fruto de muito arroz e feijão e ajudando carregar tijolo desde sempre com meu pai). As pessoas falam que eu sou bonito e tals mas na verdade eu nunca me importei com minha aparência (comecei a tomar vergonha na cara agora)
Então vamos lá, tudo começou quando eu tinha 16 anos... “