“Levanta e te sustenta e não pensa que eu fui por não te amar” Los Hermanos
Depois da festa do Gean nós viramos amigos de novo. É claro, eu e Gabriel saímos sozinhos as vezes, pois ainda éramos um casal feliz.
Nós viajamos juntos para a Bahia, para o sul do Brasil, para o Nordeste e tudo mais. Gabriel era perfeito. Era, além de meu namorado, meu melhor amigo. Nós sabíamos tudo um do outro.
Cada dia mais eu gostava da minha vida. Ficar horas e horas pensando em frente a painéis, estudando manuais, desenvolvendo programas, fazendo a magia da engenharia surgir me fazia sentir cada vez mais vivo.
Mas Gabriel não estava se sentindo assim. Ele se esgotava muito no hospital. Por não ter nenhuma residência, ele vivia de incansáveis horas de plantão e atendimentos relâmpagos. Eu sentia muita pena, quando ele chegava exausto em casa e eu ainda queria fuder ele.
Mas ele se esforçava. Ele fingia estar em bem, não estar cansado, só para me agradar. Entretanto eu percebia o cansaço no fundo dos seus olhos. Nos finais de semana quando ele não tinha plantão, ele só dormia. Nem no clube ele aguentava ir mais.
Um dia enquanto nós comíamos comida japonesa em um restaurante novo eu perguntei:
- Gabriel, você não pensa em fazer residência? Sei lá, Cardiologia? Você não ama essa parte de coração e tals? – Perguntei.
- O único coração que eu quero estudar e descobrir cada dia mais é você, meu amor – Ele me respondeu com um belo sorriso no rosto. Não pude conter um sorriso.
- Mas é sério. Lá na UFMG eu sei que tem um excelente professor de Cardio. Meu pai formou lá. Ele é Cardiologista. Ele pode te ajudar e tals...
- Mas aí eu teria que morar em BH, meu bem. Eu não quero viver longe de você nem um segundo! – Ele me falou.
- BH fica a pouco tempo de viagem! Eu poderia ir te ver todo final de semana, ou você vir. Ou eu podia arrumar um emprego para lá...
- Você ama o seu emprego! – Ele questionou.
- E você odeia o seu. E não faz nada para mudar isso... – Gabriel deu um suspiro.
- Vamos deixar esse assunto de lado. Eu estou feliz com você. E isso é mais do que suficiente – Ele deu um sorriso e eu acabei com aquele assunto.
Por várias e várias noites, eu ficava na mão (as vezes literalmente) por conta desse esgotamento físico.
Um dia, enquanto eu comia o Gabriel, seu gemido estava muito cansado. Parei de fuder ele bem antes de chegar no orgasmo. Tanto eu quanto ele. Gabriel não falou nada. Simplesmente dormiu.
Durante uma semana ele só dormia. A rotina dele era trabalho-cama. Aquilo estava acabando com ele. Gabriel não tinha a mesma energia que tinha quando nós começamos a namorar. Ele estava esgotado.
Eu comecei a pensar o que eu podia fazer para ajudar ele. Gabriel gostava de exercer medicina, mas não daquele jeito. Ele nunca aceitaria não trabalhar, mesmo eu conseguindo manter nossa casa.
A resposta veio numa quinta feira. Eu havia acabado de entrar em casa quando toca o telefone.
- Alô, quem fala? – Atendi.
- Boa noite. Eu gostaria de falar com o Gabriel – Uma voz masculina grave falou.
- Ele ainda não chegou do serviço. Quem fala? – Perguntei.
- Aqui é o Dr. Augusto Hans. Fui professor de neuro dele na faculdade. Você pode deixar um recado para ele? – “Por que diabos esse professor ta ligando pra ele?” pensei.
- Claro. Pode falar.
- Você avisa que o resultado saiu e ele ganhou uma bolsa de estudos na Universidade da California para fazer residência em neurocirurgia. O prazo para matricula é até amanhã, mas ele não viu, creio eu. Só pode.
- Ah sim aviso ele. Mas uma dúvida, quando saiu o resultado? – Perguntei curioso.
- Já tem cerca de um mês. Olha, se ele não conseguir arrumar os documentos, eu consigo mais uma semana de prazo. Tudo bem? – Ele falou.
- Tudo OK! Obrigado por avisar! Tenho absoluta certeza que Gabriel vai adorar saber disso! Até mais!
- Até mais.
Desliguei o telefone e uma lágrima escorreu do meu olho. Olhei na internet. 8 anos de residência no mínimo. Eu já sabia o que eu ia fazer. Arrumei algumas coisas em casa, sentei no sofá e abri uma garrafa de whisky.
Gabriel chegou quando eu estava pouco acima da garrafa. EU precisava estar muito bêbado para fazer o que eu tinha planejado.
O amor da minha vida entrou em casa e foi para cozinha, sem nem perceber que eu estava na sala, tomando whisky sozinho. Quando ele percebeu, ele me olhou e perguntou, preocupado:
- Aconteceu algo, meu bem? Você nunca bebe sozinho...
- Sim, aconteceu. Algo muito sério.
- O que é, meu amor? – Ele me olhou.
- Seu professor Augusto ligou aqui hoje, Gabriel. – Gabriel suspirou e perguntou:
- O que ele queria? – Ele me perguntou, se fazendo de desentendido.
- Gabriel, eu e você sabemos o que ele queria – Gabriel me olhou assustado.
- Samuel... Eu...
- Gabriel, você deveria aceitar.
- Eu não quero! Eu estou bem!
- Não está porra nenhuma! Você não tem energia pra fazer nada! Você está se matando naquele hospital! Gabriel, eu não preciso ser medico para saber que você está mal.
- Eu não quero ficar longe de você... – Ele me falou.
- Isso não é uma escolha sua, Gabriel.
- Como assim? – Ele me olhou, meio apreensivo. Fiz muita força para não chorar, mas não consegui conter algumas lágrimas.
- Minhas malas estão prontas. Eu estou indo embora – Ele me olhou sem entender.
- Como assim? – Ele me perguntou.
- Nossa relação deixou de ser saudável Gabriel. Talvez um dia, quem sabe, ela possa melhorar. Mas enquanto isso, nós temos que nos separar. Cada um cuidando da sua parte...
- Eu não quero... – Gabriel me falou chorando.
- Eu também não – Respondi também chorando.
- Então porque?
- Você sabe melhor do que eu sobre isso mas... É muito mais gostoso comer picanha todos os dias no almoço. É muito mais gostoso comer batata frita e pizza todos os dias. Mas faz mal. Desse jeito você vai se matando lentamente. É o que está acontecendo com você... – Falei, segurando um pouco o choro.
- Não! Eu estou bem! – Ele dizia chorando muito.
- Está? Qual foi a ultima vez que nós transamos Gabriel? – Ele me olhou suspreso.
- Foi... Foi... – Ele olhou para baixo envergonhado.
- Foi há 3 semanas. Você dormiu antes de mesmo acabar, de tão exausto! Isso não é nem um pouco saudável... – Falei. Gabriel não respondeu. Só me abraçou, chorando litros. Eu chorava muito também.
Peguei minha mala e sai em silencio. Antes de sair, olhei para Gabriel. Ele estava de joelhos, chorando muito. Antes de sair, ele me olhou. Eu chorei muito. Ele não falou nada, apenas esboçou um “eu te amo” com a boca. Eu respondi “eu também” e saí.
Entrei no meu carro e sai sem rumo. Só havia um lugar onde eu queria estar naquele momento. E então, eu fui até esse lugar.