Naquela manhã não queria sair da cama. Estava febril e com dor na garganta. Meu pai foi até o meu quarto, sentou na beira da cama e pegou no meu ombro.
Hélio: - Meu filho. Sabe que papai te ama né? Desculpa pela minha reação.
Thiago: - Tudo bem.
Hélio: - Thiago. Você está bem? Você tá quente.
Thiago: - Só é febre pai. Estou bem.
Hélio: (pegando em Thiago) – Meu Deus. Você está queimando em febre.
Thiago: - Eu to bem. Relaxa.
Hélio: - Thiago. Esse lençol está todo molhado. Vamos ao hospital.
Droga. Mais uma preocupação para o meu pai. Eu que pensei que o ano seria tranquilo. Meu irmão e o Gustavo foram avisados que eu não iria para a aula.
No hospital fomos recebidos por uma enfermeira muito legal. Ela pediu desculpas ao meu pai, mas eu teria que compartilhar o quarto com outro paciência. O médico chegou logo em seguida e pediu para fazer vários exames.
Na escola os meus amigos conversavam sobre a minha situação. Todos queriam descobrir quem era a pessoa que ficava no meu pé. Suzana estava preocupado comigo, mas pelos motivos dela.
Suzana: - Ele é o nosso vocalista. Se a gente perder ele...
Ludmila: - Temos um problema maior que tudo isso.
Kim: - Verdade. Acho que devemos focar nessas mensagens homofóbicas.
Alison: - Essa tinta é comum. Qualquer pessoa pode ter acesso a ela.
Gustavo: - Oi.
Bruno: - Oi, Gustavo. Tava com a gostosinha da Barbará. (percebendo a mancada que deu perto da Kim)
Gustavo: - A gente vai fazer o trabalho de inglês juntos e...
Ludmila: - Cadê o Thiago?
Gustavo: - Ele foi ao médico estava com febre. O pai dele o acompanhou.
Suzana: - Já que estamos quase todos aqui precisamos acertar os últimos detalhes do show.
Ludmila: - O baile é em dois meses. Dois meses.
Suzana: - São pelo menos uma hora e meia de música.
Bruno: - Caramba. Olha eu voto em reprisarmos aquelas que tocamos na semana cultural.
Suzana: - Olha chutador de bola... boa ideia. Pelo menos ganhamos tempo.
Kim: - De qualquer forma precisamos de mais pelo menos sete canções.
Alison: - Posso ajudar vocês na iluminação. Fiz curso de verão ano passado.
Ludmila: - Seria demais.
Suzana: - Poderíamos fazer uma surpresa para o Thiago. Afinal, ele é o nosso...
Todos: - Vocalista!
Suzana: - Uê!! Credo!
Exames e mais exames. Sangue, urina, fezes até um raio x. Aquela máquina é tensa. Ouvia os médicos e enfermeiros falarem várias coisas que eu não entendia. Meu pai tadinho ficou esperando do lado de fora. A professora Elizabeth ligou para saber sobre a minha situação.
Elizabeth: - É só febre mesmo?
Hélio: - Eu não sei. Ninguém me diz nada. Ele está muito abatido. Será que é por causa das coisas que aconteceram na escola?
Elizabeth: - Calma, Hélio. Precisa ter força agora. Quando eu sair daqui passo aí no hospital. Pode ser?
Hélio: - Claro. Pode sim.
Longe dali duas pessoas tramavam contra mim. As brincadeiras já estavam passando do controle. Me afetavam mais que um tapa na cara. Porém aquilo ainda era pouco.
Pessoa 2: - Soube que o teu alvo está doente?
Pessoa1: - Fraco. O Lúcio pelo menos aguentou o tranco.
Pessoa2: - Quase né!
Pessoa 1: - Valeu a pena, não valeu. O viado se matou. Agora precisamos nos livrar desse. Ele tem muito carisma. Logo as pessoas vão pensar que ser gay é algo bom. Claro que existem outros, mas são na deles.
Pessoa2: - Mas eu não vi o Thiago dando bandeira.
Pessoa1: - Só trouxe aquele pedofilo até aqui. E para aquele escroto eu tenho um destino também. Você viu a cara de ódio do Hélio? O melhor de tudo é que nem precisamos sujar nossas mãos.
Hélio: Doutor. Graças a Deus. O que o meu filho tem?
Médico: - Os exames saíram. O Gustavo precisa ir para a sala de cirurgia agora.
Hélio: - Cirurgia? Como assim? O que ele tem?
Médico: - Calma...
Hélio: - Calma nada. Meu filho tá doente. Fala... o que é?
Médico: - Ele teve um ataque de apendicite.
Hélio: - Deus. (com as mãos na cabeça) - Como ele não falou pra mim. Eu posso falar com ele?
Médico: - Pode sim. Só preciso que depois o senhor passe no setor jurídico para assinar os papéis.
Hélio: - Ok.
Gustavo encontrou o Alex no corredor da escola. Ele parecia muito pensativo para ser o meu irmão.
Gustavo: - Ei cara. Vamos?
Alex: - O Alex vai ser operado...
Gustavo: - O que?! Como assim? Por quê?
Alex: - Apendicite. Eu sou um idiota mesmo.
Gustavo: - Como assim?
Alex: - O Thiago é meu irmão mais velho e sempre vacilei com ele.
Gustavo: - Para. Você ama seu irmão. Naquele dia dos cartazes eu pude ver o quanto.
Alex: - Quando eu pegar esse desgraçado que fez isso. Ele vai. Ele...
Gustavo: - Essa pessoa vai aparecer e pagar por tudo. Não se preocupa. Você quer ir ao hospital?
Alex: - Sim.
A notícia se espalhou rápido. De repente meus amigos estavam todos no hospital. Incluindo alguns professores. Meu pai chegou ao meu quarto e puxou uma cadeira. Ele parecia mais assustado do que eu.
Thiago: - Pai. Eles vão me levar pra cirurgia.
Hélio: - Eu sei filho. Você vai ser operado do seu apêndice.
Thiago: - Eu to com medo.
Hélio: (saindo da cadeira e deitando na cama) – Ei. Para de ser bobo. Estou aqui, seus amigos estão lá fora, até alguns professores também.
Thiago: - Sério?
Hélio: - Filho. Sei que eu fui duro com você nessa semana, mas saiba que eu te amo muito. Você e o Alex são a minha vida. Gay, hetero, não me importo. Eu quero ver vocês felizes.
Thiago: - Obrigado. (abraçando Hélio)
Hélio: - Fica tranquilo. Eu juro que quando você acordar eu vou estar aqui ao seu lado. Agora eu tenho que ir lá em baixo e já volto. (levantando da cama)
Thiago: - Ok. Pai.
Hélio: - Oi?
Thiago: - Eu te amo. Te amo muito.
Hélio: - Eu também te amo campeão. (saindo do quarto)
Thiago: - Ai... e agora meu Deus?
Voz: - Depende de você.
Thiago: - Deus?! (olhando para cima)
Voz: (risos) – Estou quase lá.
Um menino de mais ou menos 12 anos saiu de trás da cortina, no início levei um choque, pois, ele era careca e muito magro, depois percebi qual era o motivo dele estar ali. Me recuperei do susto e ri da minha própria besteira.
Thiago: - Tudo bem? Sou Thiago. Como você se chama.
Cristovão: - Cristovão. O seu problema é apendicite é?
Thiago: - Parece que é.
Cristovão: - Doí muito?
Thiago: - Só hoje. Quase faço ‘aquilo’ nas calças de tanta dor. E você está aqui a muito tempo? Digo me ouvindo?
Cristovão: - Eu tava dormindo. Nem vi quando você chegou. Parece que vamos ser colegas de quarto. (Subindo na cama de Thiago e sentando)
Thiago: - Parece que sim. Então acho que devemos ser amigos... certo?
Cristovão: - Acho que sim.
Thiago: - Ninguém te acompanha?
Cristovão: - Hoje meu irmão tá comigo. Mas ele é um mané.
Thiago: - Por que vocês irmãos mais novos gostam de pegar no nosso pé?
Cristovão: - Sem nada melhor pra fazer. (risos)
Cesar: - Olha o mostrinho está aprontando de novo? (pegando Cristovão no colo)
Cristovão: - Para. (rindo)
Cesar: - Desculpa. Ele é comportado... na maioria das vezes.
Thiago: - Tudo bem. Eu to legal.
Cesar: - Qual é o teu câncer?
Thiago: - Oi?
Cristovão: - Ele não tem câncer besta. Vamos apenas dividir o quarto.
Cesar: - Desculpa. Bem. Espero que fique bem. A mamãe tá chegando, vamos para cama. Ahhhh.... meu nome é Cesar. (estendendo a mão para Thiago)
Thiago: - Thiago. Prazer.
Enfermeira: - Thiago? Vamos nos preparar?
Thiago: - Tem outro jeito?
Enfermeira: - Vai ser rápido.
A professora Elizabeth aproveitou seu almoço para ir ao hospital. Ela cumprimentou todo mundo e foi conversar com o meu pai.
Elizabeth: - Então?
Hélio: - Ele foi fazer mais uns exames. Se tudo der certo ele opera hoje. Sou um pai horrível...
Elizabeth: - Sério Hélio. O Alex e o Thiago têm sorte de te ter como pai.
Hélio: - Não é fácil. Eu tenho pena do Alex. O Thiago sempre foi o mais delicado e precisou de mais atenção.
Elizabeth: - O Alex me parece mais maduro...
Hélio: - Ele puxou a mim. O Thiago a mãe dele. E o Gustavo? Algum progresso?
Elizabeth: - Nenhum. Estou assustada. E se ele reagir mal?
Hélio: - O Gustavo é inteligente. Ele merece ter uma família de verdade. E não aquele projeto de mostro da Marta.
Elizabeth: - Ainda bem que ela foi embora.
Hélio: - Como assim embora?
Elizabeth: - Ela deixou o apartamento e simplesmente foi embora da cidade.
Héilio: - Nossa.
Elizabeth: - Acho que ela ficou com medo de se complicar. Afinal ela me roubou o Gustavo.
Hélio: - Droga. Sinto muito.
Elizabeth: - Tudo bem. O mais importante já fiz. Localizei meu filho e ele está com uma pessoa maravilhosa.
Hélio: - Elizabeth. Sei que é meio prematuro, mas... você aceitaria sair comigo?
Elizabeth: - Eu... eu....
Hélio: - Não... digoencontro de verdade. Juro que sei me vestir melhor do que isso.
Elizabeth: - Você está lindo.
Hélio: - Isso foi um sim?
Elizabeth: - Isso foi um sim. (sorrindo)
Meus amigos se aglomeraram na recepção do hospital. Infelizmente não podia ir lá com eles. Estavam fazendo um exame muito doloroso em mim.
Ludmila: - Acho que foi todo esse estresse de mensagens e cartazes.
Suzana: - Se eu pego essa pessoa que fez isso... eu... eu...
Kim: - Temos que torcer pelo melhor.
Alison: - Aqui está certa.
Suzana: - Com licença... quem é você?
Alison: - Eu...
Ludmila: - Sério Suzana. Não começa.
Suzana: - Desculpa... não sou obrigada a conhecer todos.
Alison: - A gente se conhece a três anos.
Suzana: - Tanto faz. Precisamos focar no Thiago.
Médico: - Seu Hélio?
Hélio: - Doutor? O que aconteceu?
Médico: - O Thiago está com uma inflamação grande no apêndice. Achamos melhor esperar um pouco para a operação.
Hélio: - Ok.
Ludmila: - Doutor. Podemos falar com ele?
Médico: - Sim. Mas sejam rápidos.
A turma subiu para me cumprimentar. Eles tentaram se comportar porém quando se trata dos meus amigos é missão impossível. O Gustavo também estava lá, quase não olhei para ele. Apesar de tudo foi uma tarde divertida, esqueci completamente os meus problemas. Quem dormiu naquela noite comigo foi o meu pai. O coitado estava tão cansado que praticamente capotou no sofá.
Cristovão: - Thiago. Tá acordado?
Thiago: - Tô.
Cristovão: - Você está com medo?
Thiago: - Não mais. (olhando para o meu pai) – Não mais.