Diferente do que pensei, eu ainda poderia ficar no apartamento por uns meses, os donos do prédio foram tranquilos; as contas de luz, água e a feira do mês é que não tinham salvação. Eu tive de pedir emprestado a um agiota que conheci por meio de vizinhos, foi difícil achar alguém que me emprestasse logo de cara, parece que nessa merda tudo é mais difícil pra mim, contudo, hoje eu vejo que as coisas são difíceis pra quase todos, mas eu me comparava com a seleta parcela dos que têm as coisas fáceis.
Mandei curriculum pra várias lojas, inclusive para redes de fast food, uma dessas redes me chamou. Comecei a viver em condições limítrofes nesse emprego, era um pé-no-saco, odiava aquelas pessoas gordas de classe média que pensava ter poderes sobre os outros só por terem uma porra de um cartão de crédito. São essas pessoas que se dizem cristãs e abominam qualquer um que viva diferente de seus preceitos, são essas pessoas que bebem na frente dos filhos e quando veem alguém sob efeito de outras drogas, dizem sentir "desgosto", são também, gente que acha que mulheres lésbicas o são por falta de sexo com homem ou por decepção. Essa gente nojenta, conservadora, que universaliza tudo, que ignora idiossincrasias...
Com o tempo fui pagando minhas contas, saí um pouco daquela introspecção. Não pensava em mais nada que não se relacionasse com hamburguer ou milkshake, não havia como pensar em futuro, eu não tinha tempo, o trabalho era extremamente exploratório. Essas redes se servem de "mais valia" para enriquecer, eu me sentia em plena Revolução Industrial.
Eu estava esgotado, sem perspectivas, não conseguia prestar atenção em nada, tinha um desânimo enorme e, paradoxalmente, vivia sob um estado de eletricidade sem foco, como se eu quisesse correr sem rumo, mas como eu não poderia fazer isso, a agitação se externava em movimentos bruscos, em esbarrar em coisas. Marquei um neurologista, ele me receitou Concerta, em síntese pode ser descrito como um remédio pra dar foco, ele focaliza a agitação em algo, você para de viajar em várias coisas ao mesmo tempo. Eu percebi efeito parecido com o da coca, em alguns aspectos, então eu moía dois comprimidos e cheirava.
Minha personalidade começava a mudar e a chamar a atenção das pessoas, o modo como eu me comportava despertava a admiração de quem via em mim alguém que se diferencia. Eu não me vestia mais como um menino do interior, agora eu usava coturnos, jaquetas, camisas totalmente brancas ou totalmente pretas, sem estampa ou frases que pudessem dizer algo sobre mim.
Uma vez estava voltando do trabalho, no ônibus, eis que um menino senta ao meu lado; o movimento do ônibus fazia com que fôssemos nos aproximando ainda mais, então quando o ônibus jogava pra esquerda, eu deixava meu corpo ir, e encostava meu ombro no dele, quando vi, já estávamos excitados. Ele era moreno, alto, um pouco sarado, talvez tivesse cinco meses de academia, pois não era aquela perfeição exagerada que se vê em quem tem um bom tempo de musculação. Eu queria transar com ele naquele mesmo dia, pensei em descer do ônibus na mesma parada em que ele descesse, mas preferi puxar um papo com ele, foi um papo clichê, meio acanhado, nem trocamos contato. Esqueci.
Em casa, vi uns anúncios de NBOMe na internet, entrei em contato com o vendedor e acertamos, viria por frete e pela quantidade que comprei até consegui um preço acessível. Agora restava esperar, os loucos do meu prédio não iriam acreditar (depois da minha mudança de personalidade, eles começaram a me convidar pra cheirar pó com eles). Não demorou três semanas e minha encomenda chegara, falei para os três caras mais legais da turma: Fernando, Gabriel e Leso (Elton). Os três cursavam Biomedicina, tinham vindo de uma cidade vizinha e dividiam o apartamento com mais dois, esses últimos não valiam nada, só pareciam se importar com pó e nada mais, parece que nada poderia abalá-los por isso, em compensação também não pareciam se satisfazer com mais nada na vida, acho que nem se importariam em viver como mendigos desde que o pó não faltasse. Eu achava isso o fim da linha, era a pior.
Era sábado, tinha acabado de acordar com aquela puta deprê que o Concerta provoca pela manhã, fui fazer o ritual: esmagar três comprimidos com uma colher, depois inalar com um bullet. É de lei! Quando eu estava apertando as narinas com os dedos pra desobstruí-las após a inalação, bateram na minha porta, era o Leso me chamando pra um festival que estava rolando desde sexta. Fomos os 6.
Se tem uma coisa tão criativa quanto a música, é o cenário. Os palcos tinham um formato de um gnomo, era uma tenda em forma de gnomo, ao se aproximar da grande escultura mítica, via-se que se tratava de uma tenda e que ali havia um DJ. No local havia algumas referências ao povo escandinavo, a mitologia celta era a mais recorrente, eles bem que exageraram para dar um ar surreal ao lugar. "Vamo dropar agora? Quem vai querer?", perguntei. Eu, Gabriel e Leso, colocamos nossos papéis. Eu não quis misturar com mais nada, preferi ir mais pra perto da tenda do duende, queria muito curtir aquele som.
Curti muito, eu tava em êxtase, a música passava por todos os cinco sentidos, era sentida e eu entendia o que as batidas queriam passar. Fiquei horas assim, depois vi o menino do ônibus ali dançando, fui até ele e beijei ele do nada, começamos a nos pegar e fomos pra um local escuro, onde havia pessoas se chupando, se picando, dando uns tiros.
Encostar a mão em alguém gostoso em estado de êxtase, é uma das melhores sensações que se pode ter, em termos de tesão. Estávamos fora do mundo, então não ligamos em ficar totalmente sem roupa, era escuro e não tinha nada de mais no que fazíamos. Depois de minutos beijando-o, fui para o seu peito e fiquei ali, lambendo aqueles mamilos e os peitos fortes e duros; desci pra barriga, depois virilha, pau (que pau!), parecia um cogumelo, tinha a cabeça rosa e ia escurecendo ao chegar na base. Chupava e agarrava seu corpo contra mim, forçando a entrada de mais partes de seu pau na minha boca. Fiquei assim por um bom tempo, depois me levantei e voltei a beijá-lo. Sem enrolações, fiquei virado para a parede, para que ele me penetrasse, todo que eu queria era ser fodido naquela hora; ele começou a lamber meu pescoço e foi colocando, uma vez dentro, começou a bombar, a sensação era do caralho, eu tinha muita sensibilidade corporal. Ele bombou por um tempo, me pegava pela cintura e me puxava pra si, eu sentia cada pontada, sentia a circunferência do pau que passava pela entrada; eu me masturbava enquanto era fodido, estava perto de gozar, mas ele gozou primeiro, me inundando e, com o pau ainda em mim, duro, eu gozei; ejaculei uns cinco jatos de porra, todos espessos e velozes, que foram em direção ao muro.
Eu tirei seu pau de dentro de mim e falamos um pouco, quando me referi ao ônibus, ele negou que me conhecesse, disse até que não era da cidade e que tinha chegado naquele mesmo fim de semana. Foi difícil acreditar, mas acho que me confundi e transei com o cara errado; agora que eu conhecia bem seu corpo, acho que eu não correria o risco de me confundir outra vez...
Voltei pra perto do palco do duende e vi o Gabriel por ali, ficamos conversando, uma hora a nossa viagem era praticamente a mesma e, falávamos de coisas em comum que sentíamos ali, ríamos do duende do palco, que nos dava língua e tinha os olhos vermelhos de haxixe.
* Para a melhor compreensão do sentido deste conto, a leitura do conto "Pietro" se faz necessária. A interpretação é livre, mas será incompleta se for baseada apenas nessa continuação.