BRIGITE – TERCEIRA PARTE
Cheguei em casa com o dia já claro. A cabeça latejava de tanta dor, e ainda estava trêmulo, após ter acordado com um cadáver ao meu lado. Começava a duvidar da minha própria sanidade. Será que fui eu que assassinei a morena gostosona, lá no motel? Não. Não fui eu! Não carrego comigo nenhum objeto cortante, então não poderia ter cortado a garganta dela daquele jeito. Alguém entrara no meu quarto e matara a pobre coitada. Alguém que queria deixar minha vida em pandemônio. Alguém que não iria parar de matar enquanto não me prejudicasse feio. Eu precisava tomar cuidado pois, pelo visto, esse alguém já matara minha amada Brigite e agora a prostituta que eu nem conhecia...
Eu estava precisando beber alguma coisa para me acalmar, até telefonar para a sargento Simone e contar a ela sobre o telefonema que recebera antes da morte de Brigite. Ainda era muito cedo e não queria tirá-la da cama. Lá pela metade da manhã, ligaria para ela. No momento, queria uma dose. Percebi que bebera o último litro que havia guardado. Saí e comprei duas garrafas de Campari no mercadinho da esquina, que nunca fechava. Abri uma das garrafas, antes mesmo de pagar no caixa, e tomei do gargalo. Aproveitei para comprar o jornal do dia e o do dia anterior. Desde a morte de Brigite, não lia jornais. Quando voltei ao meu apartamento, o litro já estava quase pela metade. Guardei uma das garrafas na geladeira e sentei no sofá da sala, bebericando o resto. Dessa vez peguei um copo com gelo e despejei a bebida dentro. Abri o matutino mais antigo e comecei a procurar por alguma notícia da morte da modelo. Nada. Reli todas as manchetes e títulos das matérias menores e não encontrei uma linha sequer sobre o brutal assassinato. Quem sabe, no outro jornal?...
Nada, novamente. Não havia nenhum vestígio da morte de Brigite. Liguei para o jornal onde eu trabalhava e perguntei a uma jornalista, amiga minha, se ela sabia de algo. Estranhou minha pergunta. Fingi que havia recebido uma informação errada e desliguei. Ela ligou pouco depois me avisando que o editor estava uma arara comigo. Pedi que me substituísse nos meus afazeres por uns dias, pois eu estava seguindo uma notícia de um assassinato misterioso. Aliás, dois. Mas não toquei no assunto do crime do motel, esperando que ela me dissesse algo. Conversamos por um bom tempo e ela não falou nada sobre qualquer morena assassinada. Mas era muito cedo, decerto essa notícia seria dada mais tarde. Procurei meu laptop, mas lembrei que o havia deixado com a sargento Simone. Tomei um banho demorado, para limpar o sangue da morena que ainda estava impregnando minha pele. Vestira apressadamente a roupa sobre o corpo, sem nem tomar um banho, lá no motel. Havia ido ao supermercado sem me dar conta que ainda estava todo sujo. Ainda bem que o sangue coagulado estava sob a roupa e ninguém percebeu...
Terminei de tomar um demorado banho e coloquei um roupão. Depois fui até a sala e peguei a bolsa da morena assassinada no motel. Abri-a e derramei sobre a mesa todos os seus pertences. Encontrei uma carteira feminina, contendo seus documentos. Coincidentemente, chamava-se Simone, como a policial. Encontrei também um DVD pornô entre suas coisas. Reconheci-a logo, na capa. Coloquei o disco no aparelho de vídeo e vi seu desempenho. Atuava péssimo. Gemia demais pro meu gosto, olhando sempre para a câmera. Duvido que tenha conseguido atuar num segundo filme. Mas confesso que fiquei excitado com a beleza do seu corpo. Não tinha uma única mancha, como costumam ter algumas prostitutas pseudo-atrizes. Em uma das cenas, ela empinou a bunda de frente para a câmera e meu pênis deu sinal de vida. Pensei na oportunidade que perdi, de ter enfiado minha vara naquele cuzinho, lá no motel. Dormira sem ter desfrutado do seu sexo. E no filme, ela voltava de vez em quando o rosto para o espectador, como se estivesse rindo de mim. Era um riso malicioso, cheio de vida. Vida esta que fora interrompida de forma tão brutal e sem sentido. Fiquei triste. Lembrei de Brigite. Então, retirei o disco do aparelho de vídeo e recoloquei todas as coisas dela dentro da bolsa. Pensei em ligar para a sargento Simone, mas era muito cedo ainda. Fui para minha cama e adormeci...
Acordei com o barulho da campainha tocando. Olhei no relógio, e mais uma vez havia perdido a hora de ir trabalhar. Passei a mão nos cabelos, chateado. Aí a campainha tocou de novo, desta vez mais insistentemente. Atravessei todo o corredor, preguiçosamente, e olhei pelo olho-mágico da porta. E quase caí do susto inesperado. De pé, sorridente e esperando que eu abrisse a porta, estava a morena dublê de atriz pornô! Estive a ponto de ter um troço. Achei que estivesse tendo um pesadelo e belisquei-me o braço. Não, não era um sonho. Percebi que ela conversava com alguém que estava ao seu lado, mas eu não podia ver pelo buraquinho na porta. Resolvi abrir de uma vez. Minhas carnes tremiam. A mente, ainda embotada pelo álcool e pelo sono, teimava em não acreditar no que meus olhos viam. Finalmente abri a porta. Ela atirou-se nos meus braços.
Ao sentir seu abraço forte e seu perfume barato, me convenci finalmente de que não estava ainda sonhando. Foi quando vi que quem a acompanhava era a sargento Simone. Tinha meu laptop em mãos e olhava para mim com cara nada amistosa. A morena me beijou fogosamente os lábios e perguntou por que eu havia saído do motel sem nem me despedir dela. Claro, percebera que eu tinha bebido demais, mas nem vira quando eu saí. A sargento passara no motel, ainda cedo, me procurando para me entregar o laptop e me fazer algumas perguntas, mas eu já havia saído. Foi quando ela deu pela falta da sua bolsa. Como a sargento havia encontrado no carro abandonado de Brigite o cartão com meu nome, telefone e endereço, resolveram passar em meu apartamento. Eu ainda estava incrédulo. Olhei bem para o seu pescoço e não vi nenhum vestígio de corte na sua garganta. Cheguei à conclusão de que eu andava tendo alucinações. A sargento me perguntou com veemência por que eu tinha levado a bolsa da prostituta e eu menti, dizendo que não lembrava de ter saído do motel. Acordara em minha cama e não me lembrava como havia chegado em casa. Senti que ela estava cada vez mais desconfiada de mim, aí resolvi, mais uma vez, calar sobre o telefonema pedindo resgate por Brigite...
A morena ria divertida da minha doidice causada pela bebedeira, e não parecia chateada por eu ter-lhe surrupiado a bolsa. Mesmo tendo sido obrigada pela policial a conferir seus pertences na minha frente, fez de maneira superficial, dizendo que confiava que eu não tinha mexido em nada dali, até mesmo porque não havia dinheiro nem nada que me interessasse. Agradeci as gentis palavras e me desculpei pelo transtorno causado às duas. Mas a sargento tinha algo mais a falar comigo. Pediu licença à xará, que quis ir à toalete, e, quando ficamos sozinhos, perguntou-me de supetão sobre o texto erótico que eu tinha escrito pensando em Brigite. Havia fuçado meu laptop e encontrara o tal texto. Achava estranho eu fazer um poema daqueles no mesmo dia em que recebi a notícia de sua morte. Perguntou-me qual o grau de relacionamento que eu tinha com a falecida e se eu tinha desvios sexuais. Respondi que era escritor, e que os escritores costumam tirar inspiração até dos assuntos mais mórbidos. Ela me confessou estar convencida de que eu tinha algo a ver com o assassinato da modelo e me prometeu descobrir tudo, o que quer que fosse. Se eu estivesse mentindo, iria arcar com as consequências. Dei de ombros. Argumentei que não tinha qualquer envolvimento em sua morte e que ela podia investigar à vontade.
A morena voltou do toalete rebolando, olhando sorridente para mim. Sorri também. A policial me disse que eu comparecesse à delegacia, pois precisava me fazer algumas perguntas. Concordei em passar por lá o mais breve possível. Ela perguntou se a morena queria carona, mas esta respondeu, toda maliciosa, que eu decerto não iria querer me livrar dela assim tão rápido. Eu deixara na mesinha do motel alguma grana para ela e ela pensava em fazer valer cada centavo, já que eu não cheguei nem a desfrutar do seu corpo. Tentei me livrar dela, inventando uma desculpa qualquer, mas estava resoluta. Iria ficar comigo. Consenti. A policial foi embora, deixando-me a sós com a sua xará. Mas não sem antes me intimar verbalmente a comparecer ainda naquela tarde à delegacia.
“... Então ela banhou-se demoradamente. Disse que não queria macular nosso primeiro encontro com o cheiro de outro homem. Lavou cada pétala do seu desejo com um carinho tamanho que temi não encontrar ali mais nenhum cheiro de fêmea. Mas o seu perfume exalava da totalidade do seu corpo. Senti na sua nuca o sabor da sua vulva. Cheirei seu pescoço e descobri a essência do seu batom. Seus mamilos apenas exalavam o perfume do sabonete, que se repetia no rosado do seu ânus. A minha língua invadiu seu minúsculo botão à procura do sabor da sua boca. Ela percebeu minha frustração e sugeriu que eu pegasse seu batom. Pediu-me para que eu passasse ao redor do seu ânus, como se fosse seus lábios. Que depois beijei com sofreguidão. Ela gemeu como se falasse com a vulva. A vulva mordeu meu sexo como se fosse sua boca. E sua boca cheirou a sêmen, que eu sabia que era meu.”
Costumo escrever Felipe Marques toda vez que termino um texto erótico. Coloquei de novo meu nome abaixo de onde escrevi devaneios eróticos, acho que por estar insatisfeito sexualmente. Depois que a policial foi embora, a morena me puxou pela mão e fomos para o quarto. Jogou-me na cama e pediu que eu ficasse olhando-a tirar a roupa lentamente. Sim, ela era uma profissional do striptease, mas faltava algo em seu corpo para me deixar excitado: ela não tinha a tal patinha de camelo! Sua vulva era comum, além dos lábios vaginais serem desproporcionalmente salientes. Achei seu sexo feio. Aí fiquei pensando no de Brigite. Aquele seu capô de fusca me deixava louco. Não consegui evitar. Fiz sexo com a morena pensando na minha amada...
Nem me animei em possuí-la por trás. Ela devia estar cansada pois, assim que eu gozei, adormeceu. Eu também, exausto, adormeci logo depois. Então, sonhei o tempo todo com Brigite. Era um sonho estranho, onde nós dois corríamos nus, segurando a mão do outro. Mas aí meu pênis ia crescendo a cada passo que dávamos. Não ficava ereto, apenas crescia. E cada vez mais ia crescendo. E pesando-me entre as pernas. Aí ficou tão pesado que eu já não conseguia mais nem caminhar. Então ela soltou minha mão e continuou sozinha, mesmo olhando o tempo todo para trás. Foi quando acordei suado e vi a morena adormecida ao meu lado. Por um momento, temi encontrá-la novamente morta junto de mim. Porém, ela ressonava calmamente, com o sorriso feliz nos lábios. Tomei um banho frio e demorado e saí do quarto, deixando-a adormecida. Encostei a porta do quarto e fui para a sala. Foi quando peguei meu laptop e comecei a escrever coisas sem nexo, pois não estava nem um pouco inspirado, apesar do sexo com a morena Simone ter sido prazeroso. Mas eu me senti como se estivesse traindo Brigite. E o sonho não me saía da cabeça...
Peguei a garrafa de Campari que estava dentro da geladeira e bebi um terço dela de um só gole. O líquido amargo travou-me a garganta, mas logo me adaptei a ele. Só depois do segundo gole é que escrevi o pequeno texto dedicado à prostituta atriz. Ia mostrar a ela, assim que acordasse. Ela havia gostado do texto que escrevi para Brigite, lá no bar. Decerto se sentiria feliz com esse, dedicado a ela. Tomei mais um grande gole da bebida vermelha e senti a cabeça pesada. Fechei o laptop e fiquei olhando para um ponto qualquer da enorme sala do meu apartamento. Estive mais uma vez rememorando o pouquíssimo tempo que estive com Brigite. Aí o telefone tocou...
Pensei que seria a sargento me cobrando a visita á delegacia. Já era quase final de tarde, e eu preferi curtir a companhia da morena a ter que estar respondendo perguntas da polícia. Caminhei preguiçosamente até o aparelho telefônico e atendi. Ouvi uma enxurrada de desaforos, ditos raivosamente por uma voz que em muito lembrava a de Brigite. Fiquei estático, ouvindo os xingamentos. Chamou-me de cafajeste, de macho galinha e mais uma série de adjetivos que não combinavam com a maneira de falar da minha amada. Não consegui balbuciar uma só palavra, pego de surpresa. A ira na voz do outro lado parecia sincera, e me esculachava com entonação de desencanto. Falava sem parar, como se não tivesse tempo a perder. Depois bateu o telefone, sem me dar chance de reagir. Fiquei ali parado, com o telefone na mão, estupefato. Não sei quanto tempo estive sem ação, mas algo me dizia que a morena estava correndo perigo. Apressei-me a ir até o quarto. Abri a porta, procurando-a sobre a cama. Ela não estava lá...
A porta da varanda do meu quarto, no último andar do prédio, estava aberta. Aliás, sempre a deixava aberta, tornando o quarto muito arejado. As cortinas tremulavam, mostrando o parapeito em estilo moderno. Corri até lá e olhei para baixo. Havia um aglomerado de gente em torno de um corpo de mulher. Mas não estava nu, como eu deixara Simone há pouco adormecida. Era um corpo moreno, como o da prostituta atriz, mas do décimo quinto andar do meu prédio, onde ficava meu apartamento, não dava para ver-lhe as feições. Procurei as roupas dela dentro do quarto e não achei. Lembro que ficaram no chão, perto da cama. Não estavam mais lá. Gelei. Eu não podia ter imaginado a visita das duas xarás, a policial e a atriz pornô. Voltei à sala à procura da bolsa que tinha certeza que ela deixara lá e também não achei. Mais uma vez duvidei das minhas faculdades mentais. No entanto, quis descer até a rua, onde estava o corpo estendido, com várias pessoas ao seu redor. Vesti uma bermuda e uma camisa qualquer e apertei o botão chamando o elevador...
A demora dele em vir me deixava agoniado. Desceu até o térreo e depois começou a subida. Mesmo ele parando em alguns andares, ainda assim me deixou aliviado. Quando chegou ao meu andar e abriu-se a porta, deparei-me com a policial Simone. Mas, desta vez, ela não estava fardada. Disse que cansara de esperar na delegacia e viera até o meu apartamento. Fingi que estava indo para lá, e ela fingiu acreditar. Perguntou-me pela prostituta e eu menti, dizendo que ela já tinha ido embora. Estranhei ela não ter comentado sobre o corpo estendido no chão, lá na rua. Descemos pelo elevador, em silêncio. Quando chegamos ao térreo, vi logo o agrupamento de curiosos e quis ir até lá. A policial Simone impediu-me, dizendo que logo chegaria uma viatura da polícia para ver o que acontecia. Ela já tinha passado um rádio. O que queria mesmo é que chegássemos logo à delegacia, pois tinha urgência em me interrogar. Saímos dali em seu carro particular, sem que eu pudesse ver se era mesmo a morena que estava estendida na rua...
FIM DA TERCEIRA PARTE