A estátua bem dotada

Um conto erótico de APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Categoria: Heterossexual
Contém 1278 palavras
Data: 04/04/2015 12:56:10
Última revisão: 03/02/2016 21:40:38
Assuntos: Heterossexual

A estátua bem dotada

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Especialmente para a "Casa dos Contos".

NÃO É de hoje que observo o dia-a-dia de um mendigo que perambula pela praça da matriz com as mãos estendidas à caridade alheia. Ele adotou um dos muitos assentos de alvenaria à frente da porta principal que dá acesso à igreja e à saída dos fiéis. Com uma latinha de extrato de massa de tomates às mãos, nos finais das missas de domingo, faz a festa. As pessoas do interior, em sua maioria, penalizadas, e vendo seu estado tão deplorável, acabam por dispensar algumas moedinhas perdidas nos bolsos.

Também, de cara, para o santuário, uma estátua de corpo inteiro, do doutor Praxedes Tibiriçá, garante a lembrança do primeiro prefeito eleito pelo voto direto. A figura desse homem mítico e político notável (afora o fato de, em vida, ter sido um tremendo de um galinha: comeu as filhas e as sobrinhas mais bonitas dos fazendeiros em troca de favores que lesavam o interesse público), em pedra, ocupa uma base de granito com quase dois metros de altura. Iniciativa dos moradores, numa parceria com a administração atual, é o reconhecimento aos relevantes serviços prestados em prol do vilarejo e de toda a comunidade, que não chega a três mil eleitores.

Às costas da escultura, um coreto. Em volta dessa construção, o que outrora poderia ser chamado de um belo e bem cuidado jardim. E, cercado pelo que restou deste, um chafariz inundado por águas turvas, com larvas de mosquitos que proliferam a céu aberto. Em tempos passados, uma bandinha regional alegrava as noites dos finais de semana. Era o momento em que os jovens, principalmente casais de namorados, se acotovelavam no local, sentados ou deitados na grama verdinha, para um bate-papo ou troca de carícias mais íntimas.

Ficavam por ali até que o Fusquinha da Polícia Militar, com dois soldados a bordo, dava uma volta estratégica em torno da praça e, então, um a um, todos se recolhiam. Tinham que enfrentar o pesado batente da segunda-feira, nas lavouras das fazendas dos senhores do café. Hoje, o velho coreto está às moscas. Virou morada de pombos e cachorros vadios. A grama cresceu assustadoramente e encobriu o que havia de meigo, bonito e aconchegante. Sem falar no mau cheiro que infesta o ambiente e espanta os idosos que buscam, ainda, como nos saudosos tempos, algumas horinhas de descanso à vista amena da Lua.

Por essas razões, o mendigo se apossou de tudo. Como um rei, ocupa, à revelia das autoridades, a saleta onde os músicos, sob a batuta de um corifeu, se agrupavam para afinar instrumentos, trocar ideias e ensaiar as marchinhas que seriam executadas a partir da derradeira missa do falecido padre Tinoco. Nesse diminuto espaço, ele come, faz as necessidades fisiológicas, toma banho com a água podre do chafariz, dorme a sono solto e prepara o espírito, para, no dia seguinte, estar em forma e bater pernas em busca de comida e alguns trocados para manter aceso o vício do cigarro bailando nervoso de um canto a outro da boca.

Numa dessas espreitas, acabei flagrando o que não devia. Depois que a multidão bate em retirada -, aparece seu Leporace, velhinho de noventa e poucos anos -, figura do folclore da cidade. Barbas e cabelos brancos, rugas indômitas e secretas, esculpidas pelo rosto rutilante, pincenê nos olhos, o corpo já bem envergado, andar vagaroso como se a âncora do barco do seu destino, jogada ao mar das recordações, quisesse arrastá-lo em direção a um porto eterno. É ele que apaga, uma a uma, as chamas dos lampiões a querosene que ainda guarnecem a iluminação da praça, bem como das ruazinhas estreitas que desembocam nela. Vocês podem não acreditar, mas passados mais de cem anos do achado de Thomas Edison, os vereadores votaram contra o projeto que previa a colocação de lâmpadas modernas.

O pobre ancião leva uma eternidade enervante para cumprir, à risca, esse ritual. Como são muitos os bicos, repete os gestos bem lentamente. Dá a impressão de que, no poste seguinte, não conseguirá levantar o cabo do bastão, para pôr fim, à tênue luminescência que vacila, decadente e trêmula, produzindo uma claridade fraca e agonizante. É exatamente logo após esse momento, quando o cenário inteiro se vê envolvido no silêncio, que o sem teto assoma, o rosto na soleira do batente e, como um rato arisco, à procura de um pedaço de queijo, espia com seus receios e temores em todas as direções.

Lembra um moleque assustado, melancólico e sério, metido em sua dor visceral, com medo de enfrentar a escuridão, temendo, talvez, sem o calor da saia da mãe, se deparar, frente a frente, com o bicho-papão, montado em seu cavalo veloz. É como se, naquela sua existência miserável e medíocre, a noite, demasiadamente densa e complexa, povoada por fantasmas iracundos e chegados de todos os quadrantes, tivesse o poder de aumentar a solidão pesada que o devora.

Do meu posto bem guardado por um providencial pé de pau-brasil — que, imponente, viceja fronteiriço à janela do quarto da casa de família onde alugo uma vaga —, acompanho, tranquilamente, os movimentos externos sem ser descoberto. O interior do aposento onde fica minha cama de solteiro, por sua vez, é bastante propício a essas vigílias. Permanece em cálida penumbra, só violado, na sua totalidade, pelo brilho do mostrador do relógio digital do vídeo cassete sobre a cômoda, marcando o adiantado das horas com uma luz verde e sem viço.

O sujeito que vigio lá fora é um alto, moreno, olhos verdes, tostado de sol, atitudes seguras e andar elástico. Fico a me perguntar constantemente, por que esse infeliz, bem apessoado, optou vegetar às custa de restos e sobras, se poderia trabalhar, viver com dignidade, casar, ter filhos e, sobretudo, prosperar como os demais cidadãos deste pacato lugar? Nada, até agora, me fez atinar com uma resposta coerente.

Mas, ei-lo, saindo da toca, de fininho, compenetrado, vestindo apenas uma pequena calcinha da cor da pele. Isso mesmo, uma calcinha de mulher! Seus passos, o conduzem à peça de granito do doutor Praxedes Tibiriçá. Lá chegando, como se fosse a coisa mais natural do mundo, a criatura dana a se masturbar com a mão direita. Sem deixar de fazê-lo, sobe no pedestal e encosta a bunda na pedra fria onde, hipoteticamente, estariam localizadas as genitálias do ex-prefeito. Começa a girar o próprio traseiro em movimentos cadenciados, até que, em poucos minutos, atinge o clímax. Emite, então, gritos estranhos e alucinantes. Ato contínuo se põe de joelhos e imita uma prolongada felação. Investe, numa e noutra ação, uns quinze a vinte minutos. Conclui, lambendo por entre as pernas do prefeito, tal como se, efetivamente, estivesse o doutor Praxedes com as coisas para fora, ao alcance de sua boca.

Corre um boato à língua solta por aqui. O prefeito Praxedes Tibiriçá, certamente, conseguiu se manter acima de qualquer suspeita em matéria de honestidade. A estátua em sua homenagem lhe faz esta justiça merecida. Todavia, por baixo dos panos, comentam, sustentava uma penca de mulheres. Os mais antigos, entretanto, afirmam, de forma categórica, que isso não passa de intrigas da oposição. Fofocas e futricas, olho grande, essas coisas de política interiorana. Pelo sim, pelo não, e pelo que meus olhos presenciam em relação ao mendigo e à sua estranha tara, o tal do doutor Praxedes Tibiriçá (que Deus o tenha), continua em plena forma, mesmo lá em cima. E, pior, arrebatando até seres do sexo oposto. Se, depois de morto, ainda desperta desejos escondidos, tenho cá minhas dúvidas, mas acho que, vivo, não era flor que pudesse, realmente, ser cheirada.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 62 anos, é jornalista.

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Comentários

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Caro Francesco - Spártacus - Anderógino. Fico feliz que tenha gostado de meu texto, emboramente o mesmo não tenha alcançado seu objetivo, ou seja, excitar os leitores. De qualquer forma, como o amigo disse, "valeu pela qualidade da narrativa, que é muito boa. Acredite, fico lisonjeado, mas prometo, em outros, colocar um pouco mais de picardia. Não a ponto, evidentemente, de deixar o sujeito com os teclados à for da pele, e o computador querer pular pela janela. Aparecido Raimundo de Souza.

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Meu Caro, isto não é um conto, tem a feição exata de uma crônica urbana, aliás muito bem escrita, bem narrada, embora fugindo aos padrões de um relato erótico que se posta essencialmente para excitar os leitores. Mas valeu pela qualidade da narrativa, que é muito boa. Parabéns!

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