PORQUE ISSO NÃO TEM NADA A VER COM OS ANJOS

Um conto erótico de Rafael
Categoria: Homossexual
Contém 1493 palavras
Data: 18/04/2015 22:57:58

Meu sorriso havia desaparecido muito antes dele anunciar que estava indo embora. Ouvia sua voz ecoar nos cantos mais profundos da minha mente... me agarrava a ele, em minhas memórias, como um desesperado agarra alguém quando está se afogando.

Uma chuva fraca caia, anunciando o fim do nosso relacionamento. A realidade parecia distante pra mim. Me sentia um figurante, observando ao longe a desgraça daquele pequeno menino. Demorei um tempo pra assimilar a triste realidade que me engolia, feito um buraco negro no universo. Queria que a qualquer momento eu acordasse e visse que tudo aquilo não passava de um péssimo pesadelo... um terrível pesadelo.

Minha mão estava estendida em uma súplica clara. Minha roupa estava agarrada à meu corpo e o frio que sentia ultrapassava o plano físico. Sentia minha alma congelando aos poucos. Sem ele eu era aquilo... um patético fantoche.

-Eu vou voltar pra te buscar, Rafa. -a voz dele foi um soco em meu estômago. A mentira dançava em cada sílaba. Fechei os olhos e sacodi a mão deixando que meu gesto desesperado falasse por mim. Abri os olhos e ele estava me olhando com... amor? Não! Com pena!

Corvade!

Sufoquei o gemido de dor quando ele desviou novamente o olhar do meu. Seus cabelos rebeldes, mesmo molhados pela água da chuva, chicoteavam ao leve vento que soprava. Seu rosto, assim como seu corpo, eram dignos de uma escultura divina. Eu podia passar horas olhando pra ele, que ainda assim seria pouco para admirar toda a sua beleza.

-Rafa, você sabe que eu amo você.

Neguei com a cabeça, deixando que meu olhar dissesse tudo que, em palavras, eu não conseguia expressar naquele momento. Ele nem ao menos sustentava meu olhar por mais de cinco segundos. "Covarde!", eu queria gritar, mas não iria conseguir. Eu mal conseguia manter-me em pé.

-Pois eu amo você.

Eu senti a hesitação e a tristeza dele ao verbalizar tal mentira. Covarde!

-Você entende meus motivos, não entende?

Covarde!

Eu entendia? Sim. Ele estava destinado a casar com uma moça na cidade vizinha e não me amava a ponto de abandonar tudo por mim.

COVARDE!

Uni as duas mãos suplicando, sem importar-me se estava me humilhando ou não. Eu o amava! Meu coração estava em pedaços e só ele podia reparar-me.

-Por favor, Jeferson! -fiquei surpreso com a minha voz. Até havia achado que tivesse perdido o dom da fala.

Por favor, por favor!

-Não torne as coisas mais difíceis, Rafael. -ele fez uma pause breve. -Preciso ir. Você não fará nada de errado, não é?

Não era comigo que ele estava preocupado. Não! Era com ele próprio. Notei pelo tom dele que ele temia que eu o impedisse. Talvez ele temesse que eu fizesse algo que o prejudicasse, como localizá-lo na cidade vizinha e arruinar o casamento dele.

Mas eu não fiz isso.

Não fiz nada.

Fiquei ali parado, registrando tudo como um boneco de trapo sem vida. Sua moto deu partida e ele saiu em disparada pra estrada. Abandonou-me com um coração em pedaços e uma vida negra que era tão real quanto a dor que eu sentia no peito.

As lágrimas só escorreram pelo meu rosto meia hora depois dele ter partido. Ficar naquela mesma posição por minutos não foi desconfortável e sim confortável. Neguei em tristeza quando senti a chuva diminuir.

Pude até mesmo ouvir o som da risada de deboche de meu pai. Achei que fosse fruto da minha imaginação, mas meu pai estava mesmo na pracinha abandonada. Seu carro estava escondido entre as árvores e ele me observava ao longe enquanto gargalhava alto.

-O teu macho já partiu, filhão?! -a voz dele era rouca e grave, combinando com o enorme corpo que ele tinha. Não puxei os traços físicos dele. Eu era pequeno e até mesmo frágil, puxando os traços da minha mãe.

Belas pernas, bela bunda. Corpo pequeno e bem branco. Qualquer toque com mais intensidade fazia minha pele avermelhar.

Baixei-me levemente e peguei minha mala encharcada. Jeferson prometeu que iríamos fugir nós dois. Juntos! Mas não foi isso que ocorreu. Ele prometou-me que iria largar tudo por mim e eu acreditei.

Desafiei a todos por ele.

Até a mim mesmo.

Fiz tudo por ele. Tudo! Tudo!

Mas ele não me amava.

Todo meu esforço foi para nada.

Gabriel, meu pai, descobriu de uma maneira nada agradável do meu envolvimento com Jeferson e desafiou-me a abandonar tudo por ele. Riu de minha cara quando eu disse que eu seria feliz ao lado de Jeferson. Mas meu pai estava certo. Eu não seria feliz de maneira nenhuma. Nem com Jeferson, nem sem ele.

Caminhei lentamente até o carro do meu pai e, no banco de trás, ele bateu-me. Com força e raiva, socando-me e gritando palavras que nem ele entendia direito.

A dor foi boa. Bem-vinda por mim. Senti-me vivo ao receber cada tapa e soco que meu pai desferia contra mim.

Não era de se surpriender que ele tenha surtado pela minha audácia de realmente querer fugir. Nossa família vivia de aparência. Vivia da nossa infelicidade.

Uma aparência maldita que matava toda a felicidade que ousava brotar!

Uma aparência que fazia minha mãe todos os dias se entupir de remédio para depressão.

A mesma aparência que obrigou minha irmã mais velha a casar com um empresário rico e bem sucessido que batia nela, dia sim, dia não.

Essa mesma aparência foi meu fardo também. Meu pai obrigou-me, depois do episódio com Jeferson na pracinha abandonada, a namorar uma garota da alta classe.

Uma família em ruínas, era isso que minha família era. E eu consegui encontrar uma saída dessa desgraça ao lado de Jeferson, um suspeito empregado que conheci durante uma das festas de caridade. Uma porra de festa pra se fazer marketing e conseguir mais filiados pro grande projeto do meu pai.

Jeferson estava lá.

Ele não parou de me encarar um segundo.

Conversou comigo.

Me destraiu.

Me fez feliz.

Ele me despertou amor e partiu. Se eu fechasse os olhos ainda sentia seu corpo sobre o meu. Seus lábios em mim. Seu membro alargando-me e preenchendo-me.

Sua voz rouca gemendo o quão apertado e quente eu era... meu tormento todas as noites até o fim dos meus dias.

Todas as vezes que fizemos sexo e que eu me entregava tão incondicionalmente a ele.

Era isso que eu pensava quando fazia sexo com Caroline, minha namorada. Pensar nele e na maneira que ele usou meu corpo era a única maneira de excitar-me.

Da janela do meu quarto eu esperei durante anos que ele aparecesse para levar-me daquele inferno, o qual eu não achava saída. Mas eu nunca mais tive qualquer notícia dele, mesmo o procurando em todos os cantos.

Anos se passaram e senti o tempo corroer minha juventude. Filhos meus vieram ao lado de Carol e minha felicidade sobressaiu aquela amargura por um bom tempo.

Amei Carol, amei meus filhos... amei incondicionalmente minha família.

Meus filhos eram lindos.

Minha esposa era feliz e eu me esforçava pra ser o máximo.

Vi minha crias crescerem, amadurecerem, casarem, deixarem a minha mulher e a mim. Já éramos velhos... velhos, mas felizes juntos.

Carol morreu alguns anos depois. Um câncer veio levá-la de mim. Não chorei. Só mais uma despedida dolorosa.

O amor é bem mais complexo do que pensamos. Jamais vamos entendê-lo por completo. Eu queria tanto ter dito que a amava mais vezes... que era grato a tudo que ela fez a mim. Não tive mais essa chance. Nunca mais teria.

Minha filha mais velha e meu filho mais novo morreram alguns meses depois em um acidente de carro.

Um grande choque. Novamente não chorei.

Enterrei toda a minha família. Tudo que me era mais preciso foi tirado de mim.

Eu não era feliz.

Era velho e sem nenhuma utilidade.

Não possuía a menor vontade de viver.

Foi em um dia de verão que o último pedaço de mim foi tirado.

Recebi a notícia que Jeferson havia sido morto em uma briga de bar.

Quem contou-me?

Meu pai.

"Vaso ruim não quebra tão cedo". Jamais um provérbio foi tão real.

Já não havia nada pra mim nesse mundo. Eu não considerava meu pai, minha mãe e minha irmã como família. Jamais considerei.

Já não restava esperança.

Sentia meu coração bater de saúde e, a cada vez que eu me feria, um sangue quente e vermelho brota dos ferimentos me lembrando o quão deliciosa era a dor. Eu estava velho e saudável. Mas só me sentia velho. Velho.

A dor trazia à tona minha sensibilidade.

Eu pensava em Jeferson...

Existia maneira de se amar alguém pela eternidade? Sim, havia.

Eu esperava o dia em que eu pudesse simplesmente morrer pra deixar de sentir dor e saudade. Ansiava a morte...

Ela não demorará. Vou abraçá-la como uma velha amiga e, talvez, ela me me deixe rever Jeferson. Talvez eu ainda seja minimamente feliz.

Por hora, fico aqui... parado. Vendo as estações mudarem e o mundo mudar com elas.

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Comentários

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Sim conto interessante. Não se envolvam com bissexuais. kkkk. A não ser que queiram ficar com mais de uma pulga atras da orelha.

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¬_¬ abraçar a morte? nossa que coisa interessante! ela nao abraçaria tal ser sem voz! mas fazer o que? o conto é interessante!

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