BRIGITE – SEGUNDA PARTE
Acordei nu, sentado no sofá da sala e com um gosto amargo na boca. A cabeça doía tanto que foi uma tortura caminhar até o banheiro e tomar um banho frio. Olhei para o relógio na parede do amplo aposento e lastimei ter perdido a hora de ir trabalhar. Mas só por um momento pensei no meu emprego. O que eu queria mesmo era continuar bêbado. Talvez assim conseguisse não pensar mais em Brigite e seu brutal assassinato. Havia recebido a notícia da sua morte naquela madrugada, e me encontrara com a policial Simone e mais dois policiais militares, na beira da estrada, onde acharam seu cadáver carbonizado. Em sua mão, o colar de ouro branco que tinha dado para ela dias antes. Mas neguei informações à polícia, temeroso de que me envolvessem naquele misterioso caso. A policial Simone, encarregada das investigações, acreditava em latrocínio. Calei sobre o pedido de resgate que me haviam feito no dia anterior, pensando ser um trote. Estava disposto, eu mesmo, a investigar o brutal crime contra minha amada...
Terminei um demorado banho, mas a cabeça ainda estava zonza. Tomara dois litros de Campari, da boca da garrafa, em menos de duas horas. Depois desabei bêbado, sem nem ter me arrastado até a cama. As costas doíam e a boca ainda guardava aquele gosto horrível de bílis. Lembro que vomitei no vaso sanitário, antes de apagar completamente. Acredito que puxei a descarga, pois o banheiro não fedia. Minha faxineira vinha em dias alternados, e hoje era dia dela vir. Decerto faltara como eu faltei ao meu emprego no jornal. Mas ela não era de faltar nunca. Ao menos, sem me ligar avisando. Foi quando tive a idéia de olhar para o rádio relógio-digital na escrivaninha do quarto. Puxa, dormi por quase dois dias! Com certeza a pobre veio trabalhar e, encontrando-me nu e bêbado na sala, desistiu de fazer minha faxina...
Ainda restava um pouco de claridade até o anoitecer, então resolvi voltar ao local do crime. Peguei a Mercedes na garagem e rumei até a rodovia onde encontraram o corpo. Levei uma lanterna, caso escurecesse antes de eu terminar minhas buscas. Não tinha nada em mente, apenas decidira procurar por algum vestígio que me levasse a descobrir seu assassino. Pouco tempo depois, avistei o fusquinha lilás de Brigite. Uma das portas estava aberta. Percebi que haviam levado um dos bancos da frente, o que ficava ao lado do motorista. Estacionei meu carro bem atrás do fusca e estive procurando por alguma pista dentro dele. Não vi nenhuma marca de sangue, indicando que ela não havia sido morta em seu interior. Arrastaram-na para o mato e ali deram cabo da sua vida. Não se sabe se a incendiaram antes ou depois dela morrer.
Havia muitas marcas de pegadas na areia, desde o fusca até o local onde havia sido encontrado o corpo carbonizado. Já haviam levado o que sobrara do belo corpo de Brigite, deixando algumas marcações no solo, decerto feitas pela polícia técnica. Caminhei com cuidado para não tirar nada do lugar. Aí ouvi passos atrás de mim. Voltei-me tenso, mas relaxei em seguida. Era a policial Simone caminhando em minha direção, cenho estreitado. Suspeitava de mim, isso era certo. Perguntou o que eu fazia ali e respondi que estava empenhado na investigação da morte da modelo, a pedido do meu jornal. Ela perguntou-me como o jornal soubera da morte de Brigite, toda desconfiada, e eu menti dizendo que eu mesmo ligara dando a informação. Pareceu relaxar, mas disse que me queria fora dali. Tomaria as devidas providências se eu atrapalhasse as investigações. Falou-me de forma tão enérgica que eu prestei mais atenção a ela. Só então notei as suas divisas. Simone era sargento da polícia militar. Não havia percebido isso da primeira vez que a vi. Aliás, também não tinha prestado atenção aos seus cabelos castanhos e encaracolados, como os de Brigite. Seu rosto era bonito, apesar dos traços rudes. A boca era minúscula e seus lábios eram finos e sem batom. O colete preto, que ela usava por cima da farda policial, não deixava ver se seu corpo era esguio ou masculinizado, como algumas policiais que eu conhecia. As calças folgadas escondiam um par de pernas alongadas e não muito atraentes. Era assim que eu as imaginava. Ela pareceu perceber que eu a examinava da cabeça aos pés, pois ficou irritada comigo. Mandou-me sair imediatamente dali.
Voltei ao meu carro e dei partida. Manobrei entre o fusquinha e a viatura policial quase encostada na minha Mercedes. A cabeça ainda latejava, então resolvi que iria parar em qualquer bar e tomar umas doses de Campari. Dizem que é bom curar uma ressaca tomando novo porre, e eu rapidamente iria aprender isso. Acho que foi assim que virei alcoólatra, sempre querendo curar a ressaca da bebedeira anterior com outra. Dirigia distraidamente em direção ao centro da cidade, quando cismei de olhar pelo retrovisor. Um carro de polícia me seguia, mantendo alguma distância do meu. Diminui a velocidade, achando que era a sargento Simone. Mas seu condutor era um policial bigodudo e carrancudo. Emparelhou comigo, deu-me uma olhada demorada e depois seguiu, passando na minha frente e desaparecendo na estrada. Começava a escurecer...
Parei no primeiro bar que encontrei, e tinha cara de inferninho. Tocava uma música brega numa radiola de fichas, que se repetia quase intermitentemente. Sentei num canto bem afastado de todos e pedi uma dose de Campari. Só vendiam aguardentes ou cervejas. Pedi uma cerva mesmo, mas exigi que estivesse mofada. Veio. Enchi meu copo e sorvi de um único gole. Depois tornei a enchê-lo. Dessa vez fui bebericando pausadamente. Aí o policial bigodudo entrou no recinto, como se estivesse a procurar alguém. Quando me avistou, suspirou e procurou outro canto escuro do bar. Uma garçonete atendeu-o imediatamente, e ele fez o pedido apontando o dedo para algo escrito no cardápio. Pouco depois, comia um sanduíche com refrigerante, sem tirar os olhos de mim. Uma morena gostosona, vestida como vadia, aproximou-se do policial bigodudo e cochichou algo ao seu ouvido. Ele olhou-a nos olhos por um momento e depois aquiesceu com a cabeça. E ela foi até o balcão e pediu outro sanduíche, do mesmo que ele estava comendo. Voltou à mesa e sentou-se ao lado do militar, que também era sargento. Pude ver suas divisas, mesmo na penumbra do bar. Ela, sem pedir licença, pegou a garrafa de refrigerante dele e despejou parte do líquido num copo que trouxera do balcão. Depois se pôs a comer o sanduíche, enquanto ele olhava fixamente para mim...
Não me acanhei. Tomei o resto da cerveja que estava sobre a mesa, pedi outra e tirei meu laptop de dentro de uma bolsa de couro que sempre carrego comigo. Peguei uns guardanapos de papel e passei sobre a mesa, limpando a parte mais próxima de mim. A garçonete veio com um pano e passou no móvel, me olhando de forma bem safadinha. Inclinou-se, deixando à mostra os biquinhos de um par de seios enormes e suados, através do decote generoso. Sorri agradecido, mesmo ela deixando, com aquele pano imundo, a mesa mais suja do que estava antes. Depois se afastou sacudindo as ancas, num rebolado que enaltecia sua farta bunda. Abri meu laptop sobre a mesa de madeira, rabiscada com nomes de casais e frases chulas, a maioria terminando com endereço e telefone, todas deixando explícitas suas preferências sexuais. Comecei a teclar as primeiras palavras...
“Aos vermes. O mel que escorre da tua excitação, se mescla com o leite derramado pela minha espada tesa, e molha tua calcinha alvíssima, quase imaculada. É como se você estivesse usando-a pela primeira vez, a combinar com a virgindade dos teus lábios rosados, escondidos na apertada fenda do teu sexo. Os sabores se misturam ao salgado dos nossos suores e à urina expulsada pelo teu gozo intenso, quando tremulasses impávida no meu mastro, desfraldando todas as bandeiras dos nossos prazeres. A glande está vermelha como a brasa de um cigarro, que insistes em apagar com tua saliva, fingindo o vício dos fumantes ao colocar o falo entre dois dedos. As espumas das nossas salivas se confundem em nossas bocas, na troca de sussurros ávidos pelo desejo de mais uma vez serem contemplados. O arrepio da tua pele e o perfume que exalas me confunde, e já não sei se continuas menina ou já te tornasses mulher. Por fim, adentro de novo em pensamento ao abismo entre tuas pernas, perscrutando os segredos que levastes de mim. Para os vermes...”
Paro de teclar quando sinto uma presença ao meu lado. Meu inconsciente levava-me a escrever cartas eróticas a Brigite, como a compensar o tempo que não tivemos. Havia sido meu primeiro texto em homenagem a ela, mesmo sem perceber de imediato. A morena gostosona havia saído da mesa do policial bigodudo e se sentara ao meu lado, lendo o que eu escrevera, sem nenhum limite de indiscrição. Pegou no meu cacete por cima das calças, mordendo os lábios de tesão pelo que acabara de ler, ainda de olhos fixos na tela, como se estivesse relendo. Não interrompi a sua leitura nem afastei a sua mão de mim, procurando com a vista o policial bigodudo. Ele deixara o bar sem que eu tivesse visto. Relaxei, pois achava que ele estava ali me vigiando. A morena mordiscou meu lóbulo da orelha e meteu a língua dentro do meu ouvido, dizendo que tinha ficado com muito tesão ao ler meu texto. Falou-me que quem é capaz de escrever algo tão erótico decerto é melhor ainda na cama. E prometeu dar uma rapidinha comigo de graça, se eu escrevesse uma poesia bem safada para ela...
Sorri, fechei o laptop e neguei-me a escrever qualquer poema. Expliquei que não era poeta. Ela olhou fixamente para o meu rosto e depois sorriu contente. Reconheceu-me como Felipe Marques, jornalista e comentarista de atualidades. Então me pediu educadamente que eu lhe pagasse uma dose. Era animada e sabia conversar sobre diversos assuntos. Aos poucos, fui simpatizando com ela. Demorava bebericando sua dose, enquanto eu me esbaldava em tomar cervejas. Acostumado a beber apenas Campari, sorvi em grandes goles. Já estava visivelmente alcoolizado, quando vi a sargento Simone adentrar o bar. Olhou para todos os lados e, quando me viu, caminhou diretamente em minha direção. Viu o monte de garrafas vazias armazenadas num canto, no chão, perto de mim, e disse que eu não me atrevesse a dirigir naquele estado de embriaguês. A morena disse possuir habilitação de motorista e se prontificou, perante a policial, a me levar para casa.
Não adiantou os meus protestos. Eu não queria ir a lugar nenhum com a morena. Não a conhecia e nem costumava sair com prostitutas. Mas a policial não me deu ouvidos. Pediu os documentos da jovem, anotou-os em uma agenda, requisitou meu laptop e disse que mo entregaria se eu fosse buscá-lo na delegacia. Chamou-me a um canto, me deu umas instruções para que eu não fosse roubado pela puta e despediu-se de mim. Vi quando ela foi até perto do meu carro e anotou o número da placa. Depois chamou a prostituta e esteve conversando uns instantes com ela, enquanto mais uma vez me dirigi ao banheiro imundo do bar. Peguei um dinheiro que dava para pagar a conta e o resto guardei dentro do sapato, bem lá no fundo. Depois saí do mictório e paguei a conta diretamente no balcão, deixando a garçonete de cara amarrada comigo. Não liguei e fui para onde estacionei meu carro. A morena gostosa já me esperava ao volante. A sargento Simone já tinha ido embora...
A bebida fez efeito rápido. Indiquei o caminho de casa e a morena fez a volta, seguindo em direção contrária à que eu indicara. Só percebi quando passamos pelo fusca lilás, abandonado à beira da estrada. Quis fazer com que ela voltasse, mas quase não consegui articular quaisquer palavras, de tão bêbado que eu estava. Passei a chamá-la de Brigite e ela ria divertida da minha embriaguês. Até que finalmente paramos na frente de um motel muito iluminado. Amparado pelo braço, consegui sair do carro e deitar na cama do quarto que nos foi indicado. Tinha dois enormes espelhos, um no teto e outro tomando toda uma parede. Ela me despiu totalmente, rindo de mim, e despiu-se também, dizendo que ia tomar um banho. Aí, tal qual acontecera com Brigite, eu adormeci antes dela voltar toda perfumada...
Acordei num sobressalto, como se estivesse estranhando a cama. Ainda com a cabeça girando, olhei para o lado e vi a morena nua, de bruços, deitada perto de mim. Estiquei o braço e acariciei a sua protuberante bunda. Sem querer acordá-la, tateei até encontrar a entrada do seu ânus. Enfiei meu dedo ali, bem devagar, sentindo-o entrar bem escorregadio. Ela não se mexeu. Sorri satisfeito, pois devia estar acordada, sentindo minhas carícias. Eu despertara todo suado e sentia a cama molhada. Olhei de novo para aquela bunda empinada. Não dava para ver seu rosto, pois ele estava voltado para o outro lado. Senti uma vontade enorme de fincar meu falo naquele cuzinho e me levantei um pouco, me aproximando mais dela. Foi quando percebi o sangue...
Levantei-me de um pulo e saí de cima da cama. Escorreguei no sangue empoçado no chão e caí por cima do corpo dela. Foi quando vi seus olhos revirados e um enorme corte em sua garganta. Fiquei aterrorizado e reprimi um grito de terror na goela. Meu corpo tremia que só uma vara verde, e eu estava aterrorizado. O coração me vinha à boca, do mesmo jeito quando recebi a notícia da morte de Brigite. Respirei fundo e tentei me acalmar. Liguei para a portaria. Uma voz feminina atendeu. Perguntei se vendiam cigarros e a moça quis saber a marca. Eu não fumava, logo não entendia de cigarros. Disse que ia perguntar à minha companheira, pois ela é que estava pedindo. A recepcionista sorriu e disse que sabia bem a marca do cigarro da minha acompanhante. Completou, dizendo que ela sabia que aquela marca de cigarro não era vendida ali, e que todas as vezes que ela pedia tinham que comprar no bar mais próximo. No momento, estava sozinha e não iria poder sair da recepção. Entendi logo que a morena costumava frequentar aquele motel. Então eu falei que, se ela comprasse três, dois maços seriam seus. Ela prontificou-se a fazer isso imediatamente, dizendo que colocaria na conta do quarto. Concordei, desliguei o telefone e corri para me vestir. Nunca o fiz tão depressa. Já havia aberto a porta do quarto e estava a sair, quando voltei depressa e peguei a bolsa da pobre morena. Através dos seus pertences saberia quem ela era. Por outro lado, pensava em entregar tudo a sargento Simone, inclusive contar toda a história do telefonema anônimo pedindo o resgate por Brigite. A policial vinha demonstrando ser justa comigo. Era a única que podia salvar-me dessa enrascada. Contava com ela.
Entrei furtivamente no meu carro, estacionado nas dependências do motel, e dei imediatamente partida. Tal como esperava, não havia ninguém na portaria. A moça tinha ido comprar os cigarros. Eu deixara uns trocados suficientes, sobre uma mesinha do quarto, que dava para pagar o motel e os cigarros, e ainda sobraria uma boa gorjeta para ela. Manobrei habilmente e saí do motel. Peguei a estrada, em direção ao centro da cidade. Primeiro passaria em meu apartamento, depois ligaria para a policial. O dia já estava raiando. Os raios dourados de sol iluminavam meus conturbados pensamentos...
FIM DA SEGUNDA PARTE