Os dias e semanas que se seguiram após meu lindo Soldado ter me dito toda a verdade sobre ele foram de calmaria e sintonia total.
Bernardo passou a frequentar nossa casa e durante três dias na semana fiquei lhe dando aulas por conta do seu curso de Sargento temporário que já começara.
A matemática e o Português eram os vilões mais temidos por ele uma vez que realmente existiam certas dificuldades em assimilar conteúdos que aparentemente eram muito fáceis... Confesso que tinha o maior prazer em ajudá-lo e sempre que ele chegava para aquelas duas horas de aulas lá no alpendre do fundo do quintal de minha casa, a gente se entregava com muita seriedade aos estudos visando a conquista de seus objetivos na carreira militar.
Por conta do curso, meu Soldado não tirava mais serviço em sua escala regular e era rara a vez em que ele ficava o dia todo no quartel. Passamos a viajar em alguns finais de semana e isso começou a incomodar minha mãe.
Eu tinha chegado da academia fazia pouco tempo e após o banho fui pro meu quarto vestir uma roupa pra pegar um cineminha com meu Soldado. Leves batidas na porta me fizeram vestir a bermuda com certa rapidez e disse:
_ Entra.
Mamãe entrou, verificou se Dan ou Giba estavam comigo e quando nos viu sozinhos disse olhando em meus olhos:
_ Você só sai daqui se me contar o que esta acontecendo entre você e o Bernardo. E nem pense em mentir pra mim pois eu já comecei a ouvir muita coisa aqui na rua e não gostei nada do que ouvi.
Aquilo me pegou de surpresa e o sangue começou a acelerar nas veias e sem qualquer alarde eu disse olhando seus olhos tão parecidos com os meus:
_ Mamãe eu não sei até que ponto a minha verdade encaixa com o falatório que a senhora me disse ter ouvido por aí. A verdade, certo? Então que a senhora a ouça de mim... Antes eu só quero lhe dizer que ela, A Verdade, é muito simples de ser dita e difícil de ser aceita... Eu e o Bernardo, o militar que mora vizinho a nossa casa e que é um grande amigo de todos nós, bem... A gente tá junto sim. Eu amo esse cara com tanta intensidade mãe que eu não me vejo mais longe dele... Não passa na minha cabeça essa coisa de me separar dele só porque A ou B não aceitam ou entendem o que é amar. Daí que ele e eu sejamos homens? Daí que só pensem em pornografia e aberrações? Sexo qualquer casal faz... Desculpa mãe se de alguma forma isso vai contra o seu pensamento ou tudo aquilo que me foi ensinado, só que eu posso afirmar sem medo que eu e o Bernardo juntos, somos mais e melhores que muita gente que esta por aí.
_ Eu não acredito nisso, meu filho. Você pensa que agora tudo será mais fácil ou que tudo estará politicamente correto em sua vida? Sou gay e pronto, é isso? Meu Deus eu não sei nem o que dizer... Eu... Você me decepcionou João Bosco de Faria Lima... Quem é você realmente? Onde esta aquele garotinho lindo que tanto orgulho me deu?...
_ Eu estou aqui, mamãe. Eu sou o mesmo João Bosco de Faria Lima. Onde a senhora vê diferença em mim?
_ Em tudo João Bosco. Eu tõ com medo de pensar em todas as vezes em que te vi sair de casa todo feliz ... E eu pensando que alguma garota estava operando mudanças em você já que sempre foi tão retraído... NÃO JOÃO BOSCO, EU NÃO VOU PERMITIR QUE VOCÊ...
A porta de meu quarto abriu e Giba perguntou...
_ O que diabos esta acontecendo aqui, mãe?
_ SAIA DAQUI... SAIA GILBERTO de FARIA LIMA... LEVA O DANIEL DAQUI...
Eu não pensei que seria assim dessa forma. Eu estava nesse momento desprovido de emoção. Eu não sabia quem era aquela mulher que estava dentro do meu quarto a gritar e a negar a verdade que ela mesma tinha pedido pra eu dizer...
_ Mamãe, por favor vamos ser racionais... Eu...
_ Racionais? Por favor me diga o que você entende por essa palavra. Suas ações foram ou estão racionais? Eu não quero mais ouvir sua voz, rapaz. Eu não sei quem é você... Você me enganou, traiu a minha confiança e o pior de tudo... Você se tornou um grande mentiroso.
Meu celular começou a toca e no visor o nome SOLDADO apareceu. Como ele estava em cima da cama, mamãe viu...
_ É ele não é? É o seu... É o maldito desgraçado que roubou meu filho de mim, não é João Bosco? Ele me fitou de um jeito que me fez notar o quanto que eu estava enrascado.
Não atendi ao telefonema. Eu pensava que se atendesse a ligação do meu Soldado, as coisas piorariam para o meu lado. Ele ainda insistiu umas três vezes... Não atendi nenhuma.
Acho que com o susto que Giba levou ao ser mandado embora por minha mãe que havia gritado com ele, fez com que papai fosse avisado de que estava acontecendo alguma coisa em casa e ele veio da mercearia aonde ficava nas sextas-feiras com os amigos tomando uma cerveja e assim que entrou no quarto disse:
_ O que tá acontecendo aqui J B?
Eu nada disse. Eu desviou o olhar pra pode fitar minha mãe que olhava o chão do quarto sem nada ver. Ele então perguntou a ela:
_ Berenice, você pode me dizer o que esta acontecendo aqui? O Giba chegou la na mercearia junto com o Dan todo agitado e você sabe que ele tem os problemas de convulsão e eu pensei que algo de muito grave havia ocorrido aqui em casa com você ou a Soninha...
_ Luiz Antônio eu sinto muito ter que dizer a você o que acabo de ouvir da boca do seu filho... Ele tá apaixonado pelo Bernardo e os dois já são um casal há muito tempo.
Papai voltou a me olhar e veio em minha direção com passos lentos. Sua mão me pegou pelo pescoço e ao sentir a pressão que ele fazia em mim temi que algo de muito ruim pudesse acontecer... E aconteceu.
O que mais doeu não foram as tapas, os murros, as várias tentativas de me tirar o ar ao apertar o meu pescoço... Foras suas palavras enquanto exorcizava a verdade que devia estar sendo demais em sua cabeça...
_ Você não é mais meu filho... Tá me ouvindo seu maldito bicha? Você não é mais meu filho...
Meu celular voltou a tocar novamente e eu não tive como atender...
Não sei por quanto tempo fui agredido por meu pai na presença de minha mãe que nada fez para me proteger. Acho que ele cansou ou teve medo do sangue que parecia jorrar do meu nariz. Juro que não me importei com nada disso. Não derramei nenhuma lágrima. Ele saiu do quarto e eu após alguns minutos de pura agonia, limpei o sangue com a camiseta que usaria pra ir ao cinema. meu peito largo e levemente musculoso estava todo cheio de hematomas e marcas de unhas e da aliança que papai usava. Tudo tava doendo demais. Suas palavras não me saiam da cabeça...
Quando me levantei e fui em direção ao armário pra pegar uma mala novinha que havia comprado desde que começara a viajar com Bernardo, mamãe finalmente voltou a falar:
_ Você não vai levar nada do que nós demos pra você... Nada.
_ Não levarei. Agora não deixarei nada do que comprei com o dinheiro ganho com minhas aulas, isso a senhora pode estar certa.
Roupas, sapatos, documentos, alguns livros e todo o dinheiro que recebera pelas aulas na semana fora as únicas coisas que levei. Peguei os pedaços do celular que papai atirara na parede e retirei apenas o chip. Quando saiu do quarto ouvi o choro de minha mãe e no sofá da sala estavam sentados meus lindo irmãos Daniel com a cara de choro, Gilberto que me olhou fundo nos olhos e Soninha que chorava sem nada entender... Ela levantou e aproximou de mim...
_ Se alguém falar com ele será castigado... Falou meu papai cheio de rancor.
_ Tchau meu Manão lindo. Não me importo de apanhar não... Só acho ruim não ter como falar com você. Ela me puxou como sempre fazia e me beijou no rosto machucado.
_ Desculpa maninha... Eu amo você.
Foi o gesto dela que me fez perder o controle e confesso que chorei por ser obrigado a me afastar de alguém tão especial pra mim.
Papai cumpriu o prometido porque quando sai pelo portão ouvi o choro de minha irmã e me odiei por não poder mais protegê-la.
Fui até a esquina e Bernardo praticamente correu em minha direção. Assim que ele me viu ficou paralisado...
_ O que foi que o desgraçado do teu pai fez, Mozão?
Pousei a mão em seu rosto e disse simplesmente:
_ Ele apenas me ajudou a colocar o primeiro tijolo do muro que pretendo construir do nosso mundo.
Ele me abraçou e eu desabei novamente.
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Querido Povo do Lado Esquerdo...
Algum de você poderia me dizer quando haverá tolerância?
Não estou falando de situações onde a tolerância já é uma verdade... Falo de algo maior, geral.
Por favor me mandem respostas...
Que seus muros tenham sido bem construídos. Grande abraço a cada um... Nando Mota.