Antes de ligar para Bernardo tentei lembrar onde já tinha ouvido aquela voz antes e não consegui. Era visível o cuidado da pessoa que ao me ligar disfarçou a voz. Pensei alguns minutos no teor da conversa e peguei o celular...
Enquanto ligava e esperava que meu Soldado atendesse a ligação, achei estranho ele ainda não ter me ligado até aquele hora da tarde.
A chamada finalmente deu sinal de ocupado. Liguei novamente e entrou a voz computadorizada avisando que seria dirigido até a caixa postal e tratei de deixar um recado avisando o que faria logo mais a noite.
Comi o almoço comprado e ao lembrar dos meus irmãos lá na churrascaria tratei de deixar pra lá o misterioso telefonema, porque de qualquer forma veria a pessoa que era dona daquele voz logo mais à noite.
Saí de casa faltando uns quarenta minutos para o encontro. Já estava nas dependência do Shopping quando ao me aproximar da praça de alimentação senti uma estranha sensação de que estava sendo vigiado e tratei de olhar pra trás ou parava em alguma vitrine e continuava a olhar em todas as direção e nada. Se a pessoa que me ligou tivesse feito a ligação e eu pudesse ver o numero com certeza já teria ligado de volta só que agora estava sem jeito e após mais algumas vitrines e dois corredores finalmente cheguei ao local do encontro que estava lotado e sem ter mais nada a fazer, esperei.
Estava olhando em determinada direção quando a voz disse bem atrás de mim...
_ Olá J B. Posso sentar? e o agora Sargento Souza me olhou e sorriu com certa timidez.
_ Sargento Souza?!! Disse cheio de surpresa... Passado o momento inicial continuei... _ Claro que pode.
Ele sentou bem a minha frente e falou sem desviar o seu olhar...
_ Acredito que você deva ter se perguntado por muitas vezes o porquê de tudo isso, certo?
_ Pode apostar que sim, sargento. O que você quis dizer quando disse se eu não viesse algo aconteceria com o Soldado?
_ Na verdade eu não sei o que acontecerá com ele depois que te falar o que realmente esta acontecendo...
_ Você também faz parte do passado do meu Soldado e deve querer fazer alguma chantagem, é isso?
_ Não J B. Eu não sou como ele ou os outros. Somos parecidos, eu e você. Só não aguento mais te ver aí todo apaixonado enquanto o Gouveia te traí.
_ Enquanto ele me traí? Você tem certeza no que esta me dizendo?
_ Sim absoluta certeza. Posso te fazer uma pergunta?
_ Claro... Foi tudo que pude dizer já sentindo as mãos ficarem geladas.
_ Quantas vezes nesse último mês o Gouveia ficou de serviço?
_ Pelo menos duas vezes na semana. Um dia regular na semana e outra vez no final de semana.
_ Depois que fomos promovidos, sabe quantas vezes eu tirei serviço no último mês? Uma única vez. A escala esta facilitada por conta do maior efetivo.
_ Não pode ser, Sargento. Ainda hoje ele esta lá no quartel e... Fui parando de falar e lembrando que desde a manhã eu nada mais sabia do meu Soldado. nenhuma notícia dele, nenhuma ligação, nenhuma mensagem, absolutamente nada...
_ Desculpa J B ser eu a pessoa a te dizer isso... Sua mão quente segurou as minhas que estavam em cima da mesa e senti algo repugnante ao toque desse homem que nesse momento estava traindo seu amigo de longa data sem ao menos me dizer a razão pela qual fazia isso.
_ O que você pretende com isso? Inveja, é isso? destruir a paz e a felicidade dos outros? Fala porra.
_ Olha J B sinto muito. Eu jamais arriscaria a amizade que sempre devotei ao Gouveia se não tivesse começado a sentir algo muito bom por você... Acredita em mim quando falo que não dá mais pra te ver vivendo uma mentira... Sei que você ama demais o Gouveia, só que ele vem pisando na bola com você a um certo tempo.
Peguei o celular e liguei pro meu Soldado... Nada dele atender. Liguei pro quartel em seguida...
_ SD Dutra, boa noite.
_ Boa noite SD Dutra. Sou um primo do Sargento Gouveia, é possível falar com ele, parece que esta de serviço na guarda da Companhia?!! Em menos de um minuto de espera ele disse...
_ O Sargento Gouveia não esta de serviço hoje, senhor. Disse a voz de maneira impessoal e monótona.
Mais uma vez Souza tentou pegar nas minhas mãos que mais pareciam o chão da Sibéria.
_ Não toca em mim... Não fala comigo...
Era visível o meu estado de nervosismo e minha cara de decepção. Leonardo Souza, o maior e melhor amigo do meu Mozão, foi a única pessoa que nos últimos meses da minha vida tinha falado a verdade e tinha tido consideração e respeito por mim. E eu num momento de dor e raiva, diria até num momento de loucura, o tinha destratado.
Saí de lá com passos largos e firmes tentando não enlouquecer de vez. Eu amava um homem com paixão e loucura e era traído por ele sem que nunca tenha desconfiado de nada. Bernardo Gouveia de Matos era um tremendo mentiroso e eu o idiota perfeito que estava sendo usado para que ele continuasse com sua vida nojenta e pra mim, vazia.
Cheguei em casa faltando poucos minutos para as 22:00 h. Se alguém me perguntasse onde estivera, não saberia dizer. Lembro que andei até a lagoa da Parangaba que ficava próximo ao shopping recém inaugurado e contornei suas margens sem nada ver e sem me importar com o perigo de tal façanha... Tirei a roupa, entrei no banho e lá permaneci por muito tempo com a ducha ligada no mais quente que a água pudesse descer sobre meu corpo, minha vergonha e decepção.
Me enxuguei e vesti a famosa cueca preta que sempre usava pra dormir e quando terminei de fazer um chá, meu telefone celular tocou... SOLDADO era a palavra que estava no visor. Olhar o visor, ouvir a musica que tocava e lembrar das palavras do Sargento Souza me fizeram ignorar a chamada. Outras quatro tentativas foram vistas por mim e as ignorei com certa naturalidade. Finalmente uma mensagem... " MOZÃO, AS COISAS AQUI ESTÃO BEM APERTADAS. DESCULPA TER SUMIDO DURANTE O DIA QUASE. ME LIGA ASSIM QUE VER ESSA MENSAGEM... OU ENTÃO POR CONTA DA HORA, ASSIM QUE ACORDAR AMANHÃ. EU TE AMO MEU MOZÃO LINDO. SAUDADE DE NÓS. BEIJO ".
li, re-li e voltei a ler novamente a mensagem que ele mandara. Algo de muito grave acontecera em mim porque não tive reação nenhuma àquela mensagem cheia de mentiras e falsidades que acabara de ler. Eu continuava tranquilo e gelado e acho que de tando ler a mesma coisa acabei adormecendo na grande cama de casal do nosso quarto.
Saí cedinho pra Faculdade e na volta comecei meu dia de trabalho já que meus alunos eram a partir de agora a minha maior prioridade. Bernardo chegou e ainda tinham uns três alunos lá em nossa casa. meia hora depois os garotos foram embora e ele veio até a sala já vestido para a academia e já me abraçando disse:
_ Tava morrendo de saudade, Mozão. Por que você não me ligou? Passei o dia ligando e cheguei a deixar umas três mensagens pra você...
Eu nada dizia e a sensação de gelo voltou a dominar meu corpo. Uma coisa eu tinha decidido antes de adormecer na noite de ontem... O jogo iria continuar.
_ Soldado, muito simples tudo isso... O celular acabou a bateria e eu lembrei que tinha emprestado o cabo pra uma amiga da Faculdade que não devolveu. Ele continua descarregado e eu também senti muita falta de você. Ontem te liguei várias vezes e você também não me atendeu.
_ Pois é Mozão, o dia ontem foi muito cansativo por lá... E me beijou me pegando de surpresa.
Tive nojo daquele beijo. Seus braços estavam em volta do meu corpo e não mais senti segurança nenhuma eles. Seu cheiro que sempre me inebriava não despertou nada em mim e correspondi aquele beijo sem nenhuma vontade. Ele me olhou e disse:
_ Você tem meia hora pra tomar banho, se vestir e ir comigo até a academia. E foi em direção a cozinha preparar seus suplementos.
_ Soldado não vai dar pra ir hoje não. TÔ com u trabalho da Faculdade pra fazer e o pior apresentar daqui a dois dias.
_ Poxa amor não acredito que terei que ir sozinho...
_ Isso é verdade meu Soldado lindo e gostoso.
Ele então veio em minha direção e disse:
_ Vou lá cumprir minha rotina de exercícios e daqui a duas horas volto e a gente vai fazer outro tipo de exercícios, que tal? E me beijou sem que eu pudesse responder.
Bernardo saiu e uns dez minutos depois saí após colocar o calção e a camiseta com que sempre malhava e fui na academia. Até lá eu pensaria em alguma desculpa caso fosse descoberto por ele. So que a surpresa foi minha. O estacionamento do lugar dava pra uns quinze carros. Quando lá cheguei, Bernardo estava encostado num carro afalando ao telefone e ouvi nitidamente quando ele disse:
_ É como estou te dizendo, ele não veio hoje. Disse que tinha que fazer um trabalho da Faculdade. Bem que você poderia vir pra cá e a gente poderia ir pra um outro lugar, que tal?
Eu fiquei paralisado com esse diálogo que logo terminou. Ele não entrou nas dependências da academia. Pouco mais de quinze minutos depois um cara alto, moreno, mais ou menos da idade e da altura dele chegou vestindo uma bermuda de treino, tênis azul, camiseta branca...
_ E aí parceiro, beleza? Bernardo abriu o mesmo sorriso com que sempre me brindava assim que me via.
_ Beleza, Bernardo. Ta tudo certo? Meu Soldado apenas confirmou acenando afirmativamente com a cabeça e os dois entraram no nosso carro e saíram.
Meu mundo desabou por completo. " Desde quando isso acontecia? " Parecia um mantra em minha mente, pois repeti essa frase enquanto andava pra casa completamente arrasado.
" Era apenas esse cara ou tinha outro, outros? " " Bernardo, quem era você, cara? " Perguntei olhando no espelho do armário do banheiro enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto. Só que não eram lágrimas de desespero ou por sentir pena de mim mesmo. Eram lágrimas de alguém incrédulo por conta da situação que estava vivendo. A única coisa a fazer era esperar por ele.
Bernardo chegou por volta das 21:00 h da noite, meia hora depois do horário em que sempre chegávamos da academia. Ele entrou suado e assim que me viu á mesa, me deu um beijo no pescoço e foi até a cozinha...
_ Tá tudo bem aí Mozão? Se precisar de ajuda e eu puder ajudar é só dizer.
Ouvi o copo ser lavado na pia da cozinha e disse:
_ Nada esta bem Bernardo... E só você pode me dizer há quanto tempo eu não sou mais o único na sua vida.
Ele veio tal qual um raio da cozinha após apagar a luz do ambiente.
_ Não entendi Mozão, o que você falou?
Eu apenas o olhei fixamente e fechei o livro de pesquisa que estava aberto a minha frente.
_ Você me ouviu muito bem. Ontem te liguei e mandei mensagem avisando o que faria já que tinha recebido uma ligação anônima acerca de algo relacionado com você.
_ Como é que é? Ligação anônima? Que conversa é essa, Mozão?
_ Isso mesmo. Encontrei ontem com alguém que me disse muita coisa que me deixou surpreso em relação a você e a vida mentirosa que vivi ao longo dos últimos meses.
_ Mozão você vai acreditar naquele maldito Capitão ou invés de acreditar em mim? Eu juro que nunca mais falei com aquele filho da puta. Falo somente o necessário por conta do trabalho. Eu juro...
_ Para Bernardo. A ligação de ontem foi apenas um pedaço do fio num engodo em que estou metido por causa de você.
_ Quem te ligou? Quem foi o desgraçado invejoso que ta querendo acabar com a nossa paz?
_ Você acabou com a minha paz, Bernardo.
_ Por que você ta me chamando pelo nome? Eu não gosto que você me chame pelo nome. Eu...
_ PARA BERNARDO... Eu liguei pro quartel. Você nunca esteve de serviço ontem. Eu te segui até a academia e te vi no estacionamento até o momento em que você saiu no nosso carro com outro cara... Isso é mentira? Eu estou inventando? Então amanhã confirma com o SD Dutra.
_ Mozão, eu...
_ Mozão? quem é Mozão? Seja franco e me diz quem é Mozão, porra?
Ele parou após meu grito. Eu estava em brasa. Todo meu corpo se negava a aceitar suas mentiras ou tentativas de explicação.
_ Acabou, cara. Saí da minha casa. Saí da minha vida. Você sabe o que fez e sabe também que jamais vai admitir. Vai se achar uma vítima da inveja dos outros e vai negar enquanto puder que nunca fez nada. Só que você me traiu e jogou fora uma puta história... A nossa história. Eu nunca temi nada por estar a seu lado. Agora eu tô morrendo de medo de ter colocado a minha vida em risco. Só o tempo vai dizer se algo mais serio me aconteceu. Agora por favor saí daqui. Eu vou separar todos os seus pertences, inclusive os móveis, e em alguns dias faça de conta que eu morri porque foi isso que você fez comigo, você me matou... Seu filho da puta.
Ele pegou as chaves do carro que estavam em cima da mesa de centro da sala e saiu.
Eu comecei a separar as coisas sem ter a menor noção do que fazia e mesmo sem saber, Bernardo havia colocado o segundo tijolo no meu muro.
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Meus queridos e queridas...
Ficaram surpresos? Acho que consegui surpreendê-los, né?
O domingo foi de muito trabalho e nenhuma diversão. Como acabaram de ler, cumpri o prometido e devo confessar que estou com ódio do Bernardo Gouveia de Matos.
Um grande abraço. Nando Mota.