Meu esforço é um torpor. Ao meu redor tudo parece girar na rapidez da produtividade, por que produzir tanto, quem foi que determinou a supremacia do futuro? Prefiro me entupir de tudo que me faz gozar, talvez eu morra dentro do prazer dos vícios, numa satisfação plena, que o planejamento me negaria.
Eu vejo o prazer indo de encontro a autodestruição, enquanto cheiro cocaína num motel barato. O prazer vai me envolvendo como uma sobra, o quarto cheira a esperma e vinho tinto. Eu havia acabado de transar com um “dealer” conhecido meu, mas eu deveria estar numa porra de uma lanchonete preparando porcarias. Foi assim que me reestabeleci momentaneamente das merdas que me aconteceu, eu me sentia em um planeta imanente, que não obedecia a lógica da Terra.
Foi assim que perdi meu emprego, mas eu tinha o meu parceiro de crime, nós nos dividiríamos em vender nossas coisas e dessas coisas desfrutarmos, ao som das nossas músicas que nos remetiam à épocas em que não vivemos, mas por outro lado, remetiam à nosso modo anacrônico de viver. Ou deveríamos viver de acordo com a época? Se vivermos como viviam os de trinta anos atrás, estaríamos vivendo aquela época? As datas devem ser menos significativas que as nossas ações.
Eu iria pra estrada, eu e meu cúmplice. Quando os negócios fossem bem, partiríamos para a Bolívia, todos os fornecedores sonham chegar lá, mas morrem pelo caminho antes de chegar ao El Dourado. Essa é a nova história de amor, a nossa ideia de sonho.
Nós viajamos num carro econômico e resistente, com nossas coisas escondidas, com nomes e endereços num papel. Era tudo monitorado e circunspecto, nossos passos, nossas curtidas em bares, não poderíamos explanar, nem mesmo nas festinhas proibidas que íamos. Foram meses de tensão e alívio a cada entrega, entre a tensão e o relaxamento sempre rolava uma carreira, um fumo, um sexo. Não vivíamos em centros, íamos para a parte menos urbana da cidade, onde aconteciam espetáculos circenses, parques de diversão local, nesses parques eu revivia a minha recém ida infância. O sorvete expresso e os brinquedos de barca traziam sensações sinestésicas, eu sentia o sorvete, ouvia um pula-pula, comia as barcas. A atmosfera parecia ter cor, ela menos brilhosa, quase preto e braco, como se tirassem o brilho da cor de um filme.
Eu acredito que produzimos história, que o mundo não parou para que nos tornássemos seres padronizados, pois existem homens que resistem. Eu acredito nesses homens. Nós não temos lei, andamos pela estrada, responsáveis um pelo outro, até que um de nós morresse. Num futuro idealizado eu não me via numa casa, eu me via na estrada, sem qualquer compromisso com o chão.
Tão criança quanto ele, tão desgastado! era um ritmo agitado que estava ao fundo das ações. Pensei em acabar com tudo, voltar para uma casa, toda aquela diversão estava me matando. Eu já percebi que gosto de caminhar pelos lados extremos da liberdade e da ordem. A minha liberdade era sobre o mundo, a minha ordem era a do meu dealer, embora eu sempre o desobedecesse, nos feríamos mais do que conseguiríamos se nós nos batêssemos. Depois fazíamos as pazes “bem devagar” dentro do carro. Ele me guiava com suas mãos tatuadas, que eram fortes sem serem coercitivas, que tinham o ritmo que acompanhava o meu próprio ritmo; depois passávamos horas nos tocando, sem dizer nada por palavras. Eu estava amando de novo.