Eu era uma criança, egoísta e teimosa, dessas que fazem birra para ter o que quer – como um verdadeiro porra louca deve ser. Ele me dava tudo, mas eu tinha que fazer por merecer à noite. Jogos de xadrez, sua mão no meu ombro enquanto eu blefava para os caras, eu era o jovem rei de um bar sujo, isso era antiestúpido. Mas o que me levou a chegar até aqui? Eu buscava a loucura dos caras legais, por muito tempo eu procurei.
Eu não lembro do rosto que eu costumava ter, hoje eu tenho esse rosto agitado, feliz, voluptuoso, com olhas cheios de vida e com um lábio internamente doce, que me fazia degustar a vida de uma forma inexplicavelmente gostosa. O segredo esta nas minhas papilas.
Eu não tinha essas mãos fortes, ávidas e quentes, que mudaram lentamente, depois, já havia sido incrustada em meu estilo de vida. Queria pegar tudo, para não perder nem um pouco do que a vida poderia me dar, esse era o meu lema, nem que para isso, eu tivesse que quebrar paradigmas ou me expor a prazeres que me levariam a morte pelo gozo que, convenhamos, supera “per si” a morte em vida dos centros urbanos impessoais e mecanizados.
Meu parceiro cantava um pouco de suas próprias composições, criadas às vezes, com a minha colaboração em conjuntura com seu violão, nos inspirávamos na sonoridade lenta, na agressividade que vivíamos, numa combinação extraordinariamente oposta, mas que refletia genuinamente o nosso momento. Nada tão romântico, lugar comum, o nosso amor não poderia ser chamado de amor, pela óbvia razão de que por trás da palavra amor há um conceito histórico que difere do modo que ambos nos relacionávamos. Era uma relação extrema, com promessas de morte, reconciliação por sexo e, até um medo, talvez o único que tínhamos de nos separarmos para sempre – qualquer semelhança ao vício é mera coincidência.
Então eu apenas... ia, quando pegávamos a estrada eu me contentava em morrer ali, eternizado, jovem e rebelde como James Dean, junto ao meu grande amor, daríamos belos cadáveres, de corpo magro, pele macia, de uma brancura lívida que contrastasse com nossos lábios vermelho-sangue, preenchidos de COR, a cor que iluminava todo o meu corpo branco – e também ao dele. Um garoto de cabelos castanhos, coberto de tatuagens em cor preta, ele tinha um grande ar autoconfiante, não chegava a ser soberbo, mas impunha sua presença sem precisar abrir a boca. Ele trazia em suas costas marcas de cinto, dos tempos em que seu pai ainda tinha esperanças de endireitá-lo, ironicamente, esse próprio pai só se fazia presente nas horas de surra – ouvi isso da boca do meu dealer enquanto ele estava chapado de vinho tinto e cocaína. Os fantasmas sempre voltam... qual outra explicação seria plausível para nossa incessante aventura? O que importa era a felicidade extraída dela. Janis Joplin sabia muito bem aproveitar a vida e fazer dela arte.
Estou sendo mau, eu sei, mas não para um outro. Rezo para que meu dealer e eu, tenhamos a sanidade de volta, ficarmos saudáveis sem a correria do dia. Talvez estamos morrendo, por gozar demais iremos à morte, mas cada momento de liberdade e de guerra me faz sentir vivo, é difícil para as pessoas comuns entenderem, elas nunca precisaram buscar fora um lar ou uma vida inventada, para se sentir “em casa”.
Tudo estará bem,
meu bem.
A vida que não se gasta,
sozinha se desgasta,
como se fôssemos refém.