Nada Vai Nos Separar VIII

Um conto erótico de Irish
Categoria: Homossexual
Contém 1454 palavras
Data: 05/05/2015 18:30:08

Mesmo uma paciencia tao estavel quanto a minha nao era algo ilimitado. Nesses anos todos, estive no limite com ele por algumas vezes, aguentando bravamente suas crises de ira nos dias em que passava mal e queria acabar logo com tudo, irritadissimo por eu forçá-lo a prosseguir. Dessa vez, no entanto, eu nao suportei mais.

Tudo aconteceu num final de domingo quente, em novembro. Minha semana tinha sido exaustiva, eu trazia trabalho para casa todos os dias, quase virava as noites lendo os processos e elaborando as defesas dos clientes. Sobrava tempo apenas para cuidar do Marquinhos, mas ainda assim ele escapava de minha vigilancia e, ao inves de jantar, comia sorvete com bolacha recheada em frente à TV. Uma verdadeira criança. E ainda nao gostava quando eu chamava sua atençao.

- Devia era fazer essa barba, Alex _ disse ele com um arzinho cinico _ Jà faz mais de dois dias que isso ai nao ve gilete, està ate pinicando. Voce sabe que eu nao gosto...

Lá ia eu fazer a bendita barba, ate porque um advogado deveria ostentar boa aparencia. Meu tempo, porem, estava virando artigo de luxo, o dia para mim teria que ter trinta horas.

- Tomou seu remedio? _ indaguei voltando à sala.

- Claro _ respondeu ele, descarado, afundando a bolacha picada dentro da massa do sorvete, sem me olhar.

No frasco eu sabia exatamente quantas capsulas deveriam sobrar caso ele tivesse tomado a dose daquele horário. Que trapaceiro! Fiquei irritado de verdade. Como garantir o sucesso do tratamento se ele nao colaborava? Em seu ultimo exame, a carga viral estava estavel, praticamente baixa, e os linfocitos apresentavam um bom numero. Porque ele relaxava agora? Por estar melhor?

- Olha isso aqui! _ mostrei o frasco aberto a ele, tirando sua atençao da TV _ Sei muito bem quanto tem aqui, e quando as capsulas devem acabar. Nao tente me enrolar, nao! Voce nao e' mais criança, Marquinhos, tem uma doença grave, nao uma micose que vai sarar com pomadinha, e se quiser viver tem que se ajudar, droga. Estou cansado! Cansado demais da sua teimosia, das suas criancices... Dou um duro danado, pego trabalho extra para no final ter um dinheiro a mais, para comprar algo que o agrade, para seu conforto, e esperando que voce colabore, para si mesmo, voce nao o faz! Fica muito dificil assim, sabia?

Ele me olhava perplexo, vermelho. Eu nunca tinha falado daquele jeito com ele, naturalmente que o surpreendi.

- Eu sei que sou um fardo para voce _ disse, me fitando com um ar severo _ Sei que voce poderia estar aproveitando sua juventude com um garoto saudável, que nao lhe desse tanto trabalho, tantas preocupaçoes... Mas nao se preocupe, eu nao duro muito... Logo deixo voce em paz.

- Cala a boca, moleque _ segurei-o pelos ombros, num sufocamento nervoso _ Voce nao sabe o que diz...

- Porque voce foi gostar de mim? _ ele disse num frenesi, com os olhos marejados _ Que desgraça para voce se apaixonar logo por mim, um aidetico, um cara condenado à morte precoce. Voce tinha que ter me largado quando soube disso! So' te fiz sofrer, desde o começo, faço voce perder seu tempo, sua tranquilidade, voce trabalha como um louco, por mim... E para que? Para que eu viva um ano ou dois, a mais? Para que voce se apegue a mim, para no final sofrer com minha partida? Mesmo depois de morto vou trazer sofrimento a voce, e eu nao queria carregar essa culpa, Alex, eu nao queria...

- Nao fala isso, por favor..._ soltei-o, chorando, me deixando cair no sofà, tirando os oculos e chorando para valer, como a muito tempo nao fazia, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça entre as maos. Mesmo um viajante corajoso e forte às vezes se cansava de tanto andar, se cansava porque a estrada era longa, ingreme, seus pes doiam, e ele se sentia sozinho, exausto; o desespero batia e ele precisava parar por um momento, em prantos. Em pe' ao meu lado Marquinhos me olhava, numa expressao de pena, de arrependimento; nao aguentou: sentou-se junto a mim e ficou alisando meus cabelos, me acalmando.

- Desculpa _ sussurrou, choroso, fungando; me abraçou, encostando a cabeça em meu ombro _ Nao fica assim, vai... Fica calmo, amor...

Levou uns minutos ate eu me acalmar, restando depois uma sensaçao de vazio por dentro, uma paz esquisita. Na TV, a novela terminava, com o letreiro branco subindo. Respirei fundo e Marquinhos me apertou mais forte nos braços.

- Voce e' a pessoa mais importante da minha vida _ falei, baixinho _ Nao diga essas coisas pra mim, por favor. Voce nao e' um fardo, um tempo perdido... Eu te amo, cara, te amei antes dessa praga aparecer na sua vida, e nao te amei menos por causa disso.

- Desculpa, Alex _ sussurrou ele, de cabeça baixa.

- Eu nao quero que se sinta culpado _ segurei na mao dele _ Voce nao tem culpa de ter Aids. Aconteceu, nao e'? Ok, sigamos em frente, vamos lutar para manter sua vida. Voce nao entregou os pontos naquela vez, na pneumonia, e nao vai entregar agora, ouviu? Nao vou deixar. Luto essa guerra junto com voce e nao e', de forma alguma, por uns anos a mais. Sinto comigo, de verdade, que voce vai viver muito ainda, nao mais dois anos, cinco ou dez. Muito mais do que isso...

- Mamae diz que gente ruim nunca morre cedo ... _ ele sorriu, sem graça.

- Para com isso, voce nao e' ruim _ beijei-o nos cabelos _ E' teimoso, irritadiço, mas ruim nao. Para, por favor, de achar que nao vale a pena lutar, que voce e' um estorvo para mim... Nao repita isso nunca mais. Quando voce venceu aquela pneumonia, sua vontade de viver era tanta que me encantava, e voce levava o tratamento a serio. Porque isso agora? Nao acho que queira morrer...

- Claro que nao quero morrer, Alex _ ele suspirou _ Mas às vezes tenho pena de voce, acho que o sobrecarrego, que seria melhor se...

- Nao fale isso _ ergui seu queixo, obrigando-o a me encarar _ Nem pense tal coisa. Todo o esforço que eu puder fazer para que voce fique bem eu farei, sem pestanejar. Sua vida e' sagrada para mim, cara, entenda isso. Mas colabore tambem, Marquinhos, por favor. Cansa lutar sozinho, às vezes... Porque relaxa com o tratamento? Sei que esta se sentindo melhor, que o remedio e' uma merda, mas ele esta sendo a sua tàbua de salvaçao... Tente aguentar, amor.

- Estou mesmo me sentindo bem _ disse ele me olhando de um jeito suavemente melancolico _ Mas tenho medo de piorar, da anemia voltar, de passar dias com enjoo, com cansaço... Ao mesmo tempo que melhora meu organismo, esse remedio me enche de efeitos ruins... Quando serà que vao inventar algo melhor e com menos efeito colateral, Alex? Há cinco anos que espero e nada...

- Nao sei, meu anjo. Eles seguem pesquisando, nao foi o que o doutor disse? _ suspirei, colocando os oculos e pegando o frasco na mesinha de centro; observei aquele vidro ambarino, heroi e vilao ao mesmo tempo _ E entao? Passou da hora de voce tomar. Separe as capsulas que vou pegar um copo de leite.

Levantei, mas ele segurou meu braço, ainda me olhando.

- Me desculpa? Mesmo? _ perguntou com um jeitinho doce, irresistivel _ Nao quis te magoar, amor... Eu te amo tanto, nem sei como estaria agora se nao fosse por voce... Tudo o que queria evitar era seu sofrimento...

- Voce evita isso se tratando direitinho, deixando de ser teimoso, de fazer birra, de viver de sorvete e chocolate ... _ disse, esboçando um sorriso, abaixando-me diante dele e tocando seu rosto _ Quero viver muito tempo ao seu lado, e sei que voce tambem quer. Ate agora tem funcionado, e vamos trabalhar juntos para isso continuar funcionando, certo?

- Certo _ ele sorriu, me abraçando forte e beijando meu rosto recem-barbeado.

Sim, dava um trabalho terrivel cuidar dele, cansava demais, era como ter um filho pequeno, um namorado teimoso e um marido sem juizo, tudo numa so' pessoa. Mas conversando direitinho eu fazia ele entender; pena e' que nesse dia perdi o controle, alarmado com o que ouvi dele, seus medos ocultos, sua culpa injustificada. E no final perdoei, porque o amava, e porque nos desentendendo eramos como um quadro torto na parede e que alguem ajeitava rapidamente, de passagem. Bola pra frente! Eu nao me chamava Alexandre à toa, porque como o celebre guerreiro da Antiguidade, eu tambem era aquele que (como dizia o significado de meu nome) "cuidava dos homens". Na verdade cuidava de um unico homem, mas que valia por mil.

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Obrigada, gente!

Abraços! :)

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Comentários

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"A cura para a aids já existe, foi testada e constatada sua eficácia contra 100% do vírus! Mais se fosse distribuída a indústria farmacêutica que produz os coquetéis anti e pós aids iriam a total falência. Então nunca será vista a cura para tal doença" J.R. baseada em pesquisas...

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OiLinda!AdoreiOCapituloAteChorei...EuTenhoUmAmigoQueAssimComoOMarquinhosTemHivEleViveUmVerdadeiroContoDeFadasComOMnaridoQueTbmÉSorodiscordanteComoOAlexOEsposoDoMeuAmigoéCompletamenteApaixonadoPorEleIgualAoAlexAliasOsDoisSãoFofos.BeijinhosAmada

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Gente amanhã já é o último capítulo?! :O Finalmente o Alex se impôs e mesmo assim eles continuam bem. Eu entendo o Marcos pois tb sou muito implicante às vezes. Que bom que eles estão numa boa.

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Oi! *cintiacenteno, *Geomateus,* Ru/Ruanito, *Edu19/Edu15, valeu ! Esse feedback é muito importante! * LiloBH, ainda há amor no mundo. O que é seu por direito ninguem toma. Confie :) * Look at me, concordo. Nao é porque é erotico que deve ser vulgar ne? Adoro seu conto! *Quin, o amor deles esta sendo lapidado com o tempo. É dificil existir um amor perfeito todos tem falhad e arestas que o casal tem que ir trabalhando com o tempo. O Alex poe sim a vontade de Marcos em primeiro plano. Ele ate parou de fumar porque o garoto nao gostava, lembra? Nao sei ate onde isso é bacana. Bj!* Amanha ultimo capitulo! Até!

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