- COMO ASSIM? QUANDO MÃE? MAS... MAS...
- Calma... Moisés me disse que ela passou mal após o jantar, e...
- Quando vai ser o enterro?
- Amanhã. Já estão velando o corpo.
- Eu quero ir pra lá.
- Mas não dá. Amanhã a gente vai.
- Mãe? Por favor...
Minha mãe conversou, conversou e conversou, e acabou me convencendo a ir no outro dia.
Mas isso foi o pior. Eu lembrava dela, as risadas que damos juntos, todas as vezes que ela puxava minha orelha por eu não comer "um bando", seus conselhos, suas experiências.
Se um dia eu fosse capaz, eu queria ter 1% da atitude, do carisma e da força dela.
Virei a noite chorando. Ela era como a avó que eu nunca tive. A segunda de consideração.
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Chegando no sítio foi um clima que só. Não conseguia derramar mais uma lágrima.
Vi vários primos meus, mas eu não conseguia falar com ninguém. Parecia que eu estava em estado de choque, nem comer eu consegui.
Cheguei a ver Oliver, de longe. Mas o pai dele não saia da cola dele, já devia ter me visto por ali.
Pouco me importava. Não queria saber de ninguém, nem de nada. Só queria curtir minha tristeza sozinho.
Meu cantinho no varandado estava me esperando. Não sabia o que seria dali pra frente. Mal eu tinha superado uma dor, ou parcialmente, e já me apareceu outra.
- Fazendo o quê aqui? - perguntou Neto me afastando dos meus pensamentos.
Demorei a responder.
- Pensando. - sussurrei.
- Triste, né?
- O que? Ah, sim. Verdade.
Silêncio.
- Porquê tu não vem ficar esse dias aqui? A gente vai ficar o fim de semana todo.
- NÃO! - eu sabia que Oliver estaria ali, não poderia ficar, seria doloroso demais. - Quero dizer, não... Não acho que eu consiga ficar aqui, estou com tanta saudades de Tia.
- Mas venha, vai ser legal. Quem sabe a gente pode ficar ai de bobeira, tentar esquecer um pouco... - disse ele com um sorriso no canto da boca.
Eu fiquei perplexo. No enterro da própria avó ele estava quase dando em cima de mim. Se fosse outro dia, até que rolaria. Mas acho que esse ainda não é o momento.
- Vou pensar. Talvez eu venha, mas não tenha tanta certeza.
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Estávamos no cemitério já. Seria o ultimo momento para se despedir, mas eu não tive forças para vê-la ali, presa dentro daquele caixão, indo em direção ao seu novo local de descanso.
Fiquei em um lugar distante, observando. Mais uma vez, perdido nos meus pensamentos.
Por quê? Essa pergunta ecoava em minha mente. Eu queria uma resposta. Ela parecia estar tão... bem. De repente ela morre. Será que ela sofreu algum aborrecimento? Alguma briga desnecessária? Fizeram algo com ela? Eu não sabia, infelizmente.
- Descanse em paz, Tia... - sussurrei.
Ainda vi os coveiros tampando o túmulo. Minha voz saiu tão diferente que eu mal a reconheceria, tinha passado o dia todo praticamente sem falar nada.
Saudades, muita saudades. Se eu tivesse ido vê-la eu teria conseguido me despedir antes? Acho que sim.
Haviam tantas coisas que eu queria contar pra ela. Parecíamos amigos de longa data, eu precisava tanto dela ainda...
Eu contaria a ela que tinha sido aprovado na faculdade, creio que ela ficaria tão orgulhosa. Eu sei que iria, era meu sonho, queria compartilhar essa felicidade com ela.
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- Oi. - ressoou uma voz em minha direção.
Espera, eu conhecia aquela voz. Mas eu custei associar a voz a pessoa. Eu não queria acreditar.
Meu baixinho estava ali, na minha frente. Fazia tanto tempo que a gente não se falava, saudades dele, do cheiro dele, da voz dele, qualquer coisa dele.
- Oi - murmurei.
Fiquei encarando aqueles olhos lindos dele. Não queria falar nada, o tempo poderia parar, o mundo poderia acabar, mas eu estava feliz, só em tê-lo ali, alguns minutos, o resto poderia explodir. Eu. Não. Me. Importaria.
- Porquê você nunca mais foi lá em casa? Nem tá falando direito comigo!
- Ahn? - disse constrangido.
Então não tinham me envenenado contra ele? Ele nem sabia de nada?
- Eu estou muito ocupado esses dias. Quem sabe mais pra frente eu vou. - menti.
Meu juramento de nunca mais colocar os pés lá ainda estava de pé. Não queria mais saber daquele lugar.
Eu amo ele? Infelizmente, sim. Mas eu não mereço sofrer por isso. Não seria apenas um jogo de insistência, estávamos em outro patamar.
Não poderíamos simplesmente pegar nossos trapos e sumir. Ele iria comigo? Não poderíamos brigar para nos vermos, só iriam nos separar mais ainda. Será que ele lutaria por mim?
- Oliver? - disse a mãe dele vindo em nossa direção.
- O quié mainha? - perguntou ele arfando.
- Vamos embora. - disse ela.
Nem conseguia olhar pra ela, eu tive que me segurar ali, apertando os próprios dedos pra controlar o nervosismo.
- Mas eu tou conversando com meu primo!
- Você vai ter muito tempo pra conversar com ele.
- Vai. Obedece sua mãe. Não quero que ninguém brigue com você por minha causa. - disse rezando para que a lagrima que formava nos meus olhos não caísse.
- Porquê você não aparece lá no sitio, vai estar todo mundo lá esses dias.
- Eu? - respondi incrédulo.
- Sim. Vamos Oliver, Lu (o marido dela) está chamando a gente. - disse ela enquanto seguia com pressa.
- Tchau. Preciso ir logo, se não meu pai me mata.
- Eu não duvidaria - murmurei.
- O quê?
- Nada. Vai logo, adeus.
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Abalado. Perplexo. Sem reação. Voltei pra casa com suas palavras ecoando em minha cabeça.
Ela tinha me convidado pra ir ao sítio, sinal que seu marido não estaria lá. E ela sabia do ocorrido, então será que ela me alertou pra que eu pudesse vê-lo?
Lembrando bem do passado, ela nunca foi contra nossa amizade, as vezes ela até incentivava.
" - Onde Oliver vai estudar ano que vem?
- Aqui no povoado mesmo.
- Se ele estudasse na cidade cidade não seria melhor não?
- Oba. Quero estudar na mesma escola do meu primo! - disse Oliver.
- Nem pensar. - respondeu ela.
- Infelizmente... Eu vou terminar a escola esse ano.
- Já primo? - perguntou ele.
- Quantos anos você tem mesmo? - perguntou a mãe deleE já vai acabar a escola? Tu pulou algum ano?
- Não que eu saiba. Mas eu nunca pulei um ano. Acho que minha mãe me colocou na escola um pouco cedo demais.
- Tá vendo Oliver, você tem de ser igual seu primo. É inteligente e já vai acabar a escola.
- Nem é pra tanto... - murmurei.
- Oliver é muito irresponsável, não gosta de ir pra escola, nem fazer o dever, não se importa com nada! Pode isso primo? - continuou ela.
- Oliver, você tem que se esforçar um pouco mais, as pessoas gostam de crianças inteligentes. Como você vai ser alguém no futuro sem estudar?
- Eu já disse pra ele que se ele não estudar eu tiro ele da escola e boto ele pra trabalhar na enxada!"
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Cheguei no sitio no outro dia. O clima já estava bem melhor, os meninos estavam brincado pelo terreno.
Aquele lugar, palco de tantas felicidades. Nunca fui tão feliz em um lugar como aquele, mas algo me dizia que os dias de hoje não se repetiriam.
- PRIMO!!! - disse Olivia.
- Oi minha linda, que saudades. - disse enquanto a pegava no colo.
- Posso te levar pra minha casa?
- Pode!
- Sua mãe vai deixar?
- Não.
- Hahaha, bobinha! Um dia eu te roubo pra mim. Coisa linda. - disse quanto apertava suas bochechas.
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- Chega pra lá! - disse neto
- Quê?
- Anda, chega logo.
- Calma, já vou sair.
- Fica!
- Tá. Espera... Você vai deitar aqui comigo?
- Aham, garoto esperto.
- E a rede aguenta nosso peso?
- Ela aguenta o tio Mosa, não vai aguentar a gente?
Ele se ajeito, revirou, dobrou, e finalmente encontramos uma posição confortável.
Bem, nem tanto. Nossos corpos estavam tão próximos, seu rosto estava de frente pro meu, e eu sentia sua respiração. Ficamos um bom tempo sem dizer nada.
Neto já tinha me dado todas as indiretas possíveis, mas eu gostava de Oliver. Desde o primeiro dia que eu o vi eu sabia que ele entendia do assunto, até tinha me interessado nele, mas depois de Oliver, bem, vocês já sabem.
Eu estava tão necessitado de atenção, que eu poderia dar uns pegas, dar o que ele queria. Mas a culpa me assolaria em dobro. Em primeiro lugar, não teria coragem de ficar com outra pessoa sem ser Oliver. E em segundo, eu não precisava ser inocente pra saber que Neto era virgem, e se ele não gostasse? Ou não fosse o que ele queria? Eu me sentiria culpado de tirar isso dele.
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- MATHEUS, PODE TRATAR DE PEGAR O PANO E LIMPAR A COZINHA! - disse o pai dele.
- MAS EU TOU BRINCANDO MEU PAI!
- QUE BRINCANDO O QUE? TRATA DE IR LOGO. QUER QUE EU PEGUE O CINTO E TE DEIXE TODO ROXO? AI VOCÊ NÃO PRECISA NEM MAIS IR!
- TÁ BOM, EU VOU!
Do lugar que eu estava eu assistia a treta de camarote. O valentão estava quase chorando, que peninha dele. Só que não.
Confesso que estava morrendo de vontade de rir da cara dele.
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- Que cheirinho bom é esse? - perguntou Neto.
- Sou eu.
- Gostei... - disse ele me lançando um "olhar 43".
- Vou aqui, depois eu volto.
Fui em direção aquele lugar que eu amava, estava na hora de pensar um pouco, organizar os pensamentos.
(Vocês devem pensar que eu só penso né? Pior que é verdade).
Acho que eu demorei bastante tempo, porquê começaram a dar falta da minha presença.
Oliver me encontrou lá, ficou comigo. Mas, sabe aquela pessoa que está contigo e está distante? Será que foi só nos distanciarmos ele já se esquece de mim? Se for assim, eu sou o grande idiota da história.
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Na hora de dormir foi uma agonia danada. Neto começou a sentir dor de ouvido, como estávamos dividindo a cama, adivinha quem teve de aturar e ficar dando consolo?
- Quando foi que essa dor começou?
- Tem... Tem tempo... Foi a água do rio... - disse ele gemendo.
- Mas você vai melhorar. Coloca o lado do ouvido que está doendo pra baixo.
- Dóooooi muuuuito.
- Ei, você vai melhorar. Confia em mim.
- AI MEU DEEEEEEUS, PORQUÊ EU PAI? JUSTO EU? EU NUNCA FIZ NADA PRA NINGUEEEEM!
Confesso que estava morrendo de vontade de rir, mas eu tive de me controlar.
- Relaxa. Se você esquecer um pouco, a dor passa.
- SEGURA MINHA MÃO PRIMO! AI DEUS. MÃE? MANHÊEEEE?
- Calma, ela já vem, relaxa... - disse acariciando seus cabelos.
- MÃE, ME DÁ OUTRO REMEDIO, POR FAVOOOOOR. - suplicou ele.
- Você tem de esperar o remédio fazer efeito, se tomar vários pode é piorar, entendeu?
- Sim, sim. Mas dói muitooooo! - disse ele apertando ainda mais minha mão.
Aquela noite eu mal consegui dormir, Neto se revirava de dor, quando ele conseguiu dormir um pouco eu fiquei aliviado. Não queria ver o pobrezinho sofrendo.
Neto é bem legal, por sinal. Mas não investiria nada nele. Depois de Oliver, não consegui gostar de ninguém, será que eu estaria designado a viver na beirada da janela esperando um amor impossível? Não. Eu não iria.
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No outro dia, o pai de Oliver chegou. Os homens que estavam na casa foram beber, beber e beber mais um pouco.
Aquele clima não me era nada agradável. Horrendo, pra ser mais sincero. O pai dele vigiava cada passo que ele dava, percebi inúmeras vezes que quando ele vinha em minha direção o individuo dava uma desculpa pra ele não ficar comigo.
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Sentei ali, com o olhar voltado para o horizonte.
Me certifiquei que todos estariam bem ocupados. Ninguém me procuraria, esperava eu.
Depois de pensar e repensar, eu cheguei a uma conclusão.
Eu não iria aguentar isso por muito tempo mesmo. Esse amor que eu sinto por meu baixinho teria de cessar, não seria hoje, nem amanhã, nem semana que vem. Mas eu iria conseguir esquecê-lo. Isso eu iria.
Não suporto mais, não consigo viver assim. Se for pra ter uma parte, eu prefiro não ter nada.
Eu sou jovem, tenho tanto a aproveitar na vida.
Eu não vou mais me martirizar por um amor que nunca irá acontecer, não por agora. Quem sabe no futuro? Eu estaria esperando ali, ele saberia onde me encontrar. Bastava ele querer.
Jurei a mim mesmo que esse seria o ultimo dia da minha existência que eu sofreria por amor. Chorei, derramei todas as lágrimas que eu pude. Mas eu não suportaria mais isso.
Nunca. Nunca mais.
Escrevi ali no chão minha promessa, não mais. Eu estou livre.
"A vida é uma música, e essa, eu já sei dançar sozinho."
***
Isso não é um FIM, mas quem sabe poderá ser um CONTINUA.
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@Kaahh_sz: Muito, muito obrigado por seus comentários, mas infelizmente a vida nem sempre é como a gente quer, não é mesmo? Mas sofrimento não faz mais parte da minha vida. Eu já sei dançar sozinho. <3
leopinheiro: "Lágrimas tem de ser pagas com lágrimas". Haha, brincadeirinha. Cara, amei seu apoio. Tu é foda. Demais, quero mais de suas histórias viu? E a respeito daquelas badalações teens, quero muito mais. Eu já tinha algumas inspirações em minha vida, só que você, atualmente, faz parte delas. <3
MAD MAX: Muito obrigado mesmo, agradeço pelo apoio, você que é 10. <3
Araujjo: Várias águas rolaram na minha vida. Espera, desse jeito parece que eu tenho uns 40 anos, mas o episodio triste passou, agora é só alegria. Hmm, espero que você leia a continuação, mas será mais pra frente, por agora vou focar em outras histórias.
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Se eu soubesse que escrever e ser reconhecido por isso seria tão bom eu já teria escrevido antes.
Estou escrevendo um conto, agora sim fictício. Espero que vocês gostem, daqui a alguns dias eu começarei a postar.
Muito, muito, muitíssimo obrigado a todos que leram, riram, choraram e curtiram essa fase da minha vida, amo muito vocês, tá bem? <3
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Estou pensando em fazer uma surpresa depois, não posso dizer o que é.
Sabia que eu amo vocês? <3