Boa noite galera,
Como prometido, ta ai, mais um capítulo de Careful que acabou de sair do forno. Espero que vocês gostem. Esse vai ser um pouco diferente, e logo vocês vão perceber por que.
Bom conto, e até semana que vem!
Bjão!
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Careful. S01E04
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# Narrador: Frederico
Naquele momento, eu estava sendo apresentado pelo professor Carlos a turma, da qual eu seria monitor, a disciplina de biologia do primeiro ano/EM. Enquanto ele me apresentava eu observava os rostos dos alunos metidos, que provavelmente iriam se sentir superiores a mim e me tratariam como escravo por eu ser um bolsistas, enquanto suas famílias ricas podiam arcar com as despesas de um colégio como aquele.
Eu estava distraído fazendo isso quando o vi e nossos olhares se uniram. Ele estava melhor do que ontem, quando eu o encontrei caído desmaiado no chão, com o nariz sangrando e o levei no colo até a enfermaria do colégio, enquanto alguns alunos ainda riam dele enquanto outros que passavam por ali, nada faziam. Ele estava inconsciente e ficou assim por um bom tempo, aproximadamente umas 2 horas, e eu tinha ficado muito preocupado com ele. Ele, o Bernardo, como vim a descobrir pela enfermeira quando ele acordou e foi embora com o pai, não parecia com nenhuma outra pessoa que eu havia visto andando pelos corredores daquela escola. Ele parecia diferente, pequeno, frágil, doce. "Não, ele não era assim. Ele era apenas um menino que estudava na mesma escola que eu e que precisava de ajuda." E com esse pensamento, nossos olhares se desgrudaram e eu continuei a observar os rostos da sala.
O professor, por fim, mandou eu me sentar. Como monitor eu podia assistir as aulas de biologia dos alunos ou apenas dar a monitoria para eles. A grade dos bolsistas permitia que isso fosse possível. Ao contrário de muitos outros bolsistas, eu gostava de assistir as aulas dos meus alunos, havia batalhado muito pela chance de estar ali, em uma das melhores escolas do país, e não desperdiçaria nenhum segundo se quer do conhecimento que eu poderia adquirir.
Me sentaria no fundo da sala, em uma posição que eu pudesse observar pelo menos 90% dos alunos e ainda assim prestar atenção na aula. Enquanto eu caminhava pelas carteiras dos alunos, percebia muitos olhares das meninas da sala, mas eu já estava acostumado com isso. Todas elas viam, simplesmente, algo em mim que eu era incapaz de ver. Eu me achava desengonçado, por conta da minha altura, exatos 1,85m; feio, por conta do meu cabelo que, por mais que eu penteasse, sempre ficava bagunçado; e velho, por estar prestes a fazer 19 anos e estar no terceiro ano/EM. Mas a verdade é que os meus olhos verde sempre atraiam muitos olhares.
Quando me sentei e as meninas viram que eu havia visto elas olhando pra mim, todas viraram para frente, com suas faces ruborizadas e eu conseguia escutar alguns suspiros e assuntos que envolviam o meu nome. Mas eu não estava ali para namorar, eu estava ali pelos meus estudos, para ter a chance de ser alguém. Ser alguém que no futuro vai poder ajudar minha mãe trabalhadora e meu irmão caçula, que é cego. Eu sinto muito orgulho de tê-los comigo. Assim, me foquei na aula e tentei esquecer do resto.
Foi muito difícil esquecer do resto, mesmo estando com os braços cruzados sobre a carteira e com o queixo apoiado neles, a posição que, para mim, sempre seria a mais confortável. A todo momento eu sentia como se alguém estivesse me observando. E realmente havia alguém me observando, era o Bernardo. Ele parecia me olhar de tempos em tempos e depois voltava a escrever em uma coisa que parecia com um caderno. Eu não estava olhando diretamente para ele, mas ele estava no meu campo de visão, junto com mais da metade da classe, então eu acho que ele não percebeu que eu havia notado seus olhares para mim.
Durante toda a aula foi assim, ele virava pra trás, me olhava por alguns segundos e voltava sua atenção para o caderno, no qual escrevia alguma coisa. Com o final da aula e o intervalo, todos os alunos começaram a se levantar e sair, conversando uns com os outros, enquanto ele havia ficado sentado, ainda focado no caderno. Eu havia me levantado e estava me dirigindo a saída quando percebi que ele rapidamente fechou o caderno no qual tanto escrevia e também se levantou. Eu podia ver, sobre o caderno, um pote com algo que parecia o lanche dele dentro. Creio que ele não sairia da sala durante o intervalo
- Frederico... - ele me chamou e eu congelei ao som da sua voz. "Não, eu não congelei por que o escutei chamando pelo meu nome, eu só congelei por que ele me assustou! É, foi isso"
- Oi, Sr. Bernardo - eu respondi, nós monitores, assim como os professores e todos os outros funcionários da escola, devíamos ser sempre cordiais com os nossos alunos, o que era uma tremenda palhaçada, mas uma regra da escola. Agora pareceu ser a vez dele congelar. Ele não conseguia continuar a falar. - então, o que deseja falar comigo?
- Err...err.. Não me chame de senhor, por favor. - ele disse enquanto me olhava, visivelmente chateado por eu tê-lo chamado dessa forma. - Pode me chamar de "Bê" e... errr... obrigado por ontem! - disse, por fim, esboçando o sorriso mais lindo que eu já havia visto no mundo.
- Tudo bem, se o senh... você assim prefere, Bê. - eu disse tentando parecer natural, mas não era. Nenhum daqueles outros alunos diria algo como aquilo. Eles gostavam de manter essa diferença entre eles e os bolsistas, coisa que o Bernardo, digo, Bê, não estava fazendo. - Não precisa me agradecer por nada, fiz apenas o que eu faria por qualquer um que precisasse. - falei, não parecendo muito convicto disso. Ele me olhou meio chateado, mas eu não entendi. Era óbvio que eu não faria o que eu fiz por outro aluno qualquer. Eu fiz por ele por que... não havia explicação. - Até mais! - disse por fim e sai da sala.
Eu realmente estava muito confuso. Desde o momento em que ele havia ido embora ao lado de seu pai e nossos olhares haviam se encontrado pela primeira vez. E parecia que, cada vez que eu o via, mais confuso eu ficava. Havia alguma coisa naquele menino que era diferente, mas aquilo não possuía nenhum sentido lógico.
Eu precisava deixar essas coisas de lado e clarear a minha mente. Afinal, eu estava aqui para aprender, e não para ficar pensando em bobagens. Logo, tomei o caminho que eu conhecia muito bem. Ele era o responsável por me levar ao meu sossego no final das contas. Era o único lugar capaz de me distrair e tirar qualquer pensamento da minha cabeça.
Naquela escola enorme, os alunos esnobes só se preocupavam em se distrair o máximo que podiam na enorme confusão que acontecia no pátio ou então conversavam barulhentamente sob os galhos das árvores do bosque, o lugar mais afastado do edifício principal. Bem, eu gostava de passar esses tempos sozinho. Sem nenhum tipo de incômodo. Por esse motivo, desde que descobri esse lugar há alguns anos, durante uma busca por uma sala de estudos para a minha turma, venho sempre aqui. Era uma pequena salinha que possui uma escada em espiral bem no meio. Ela leva a uma estrutura similar a uma torre, que é o ponto mais alto da escola. Lá, é possível observar todo o terreno da escola e é onde eu consigo encontrar a minha paz.
Assim como hoje, eu costumo me sentar no chão, passar as minhas pernas pela grade vazada, as deixando penduradas na beirada, e comer meu lanche que eu trago de casa.
Mas hoje foi diferente. Eu me distrai muito mais que o normal. Perdi completamente a noção do tempo. Só fui despertado dos meus devaneios quando o sinal tocou e eu tive que correr para não me atrasar para a minha aula de química. Digamos que eu não era um dos melhores da minha turma e que o professor já não estava muito satisfeito comigo. Nós também não possuíamos nenhum tipo de monitor como ajudante nos estudos, por dois motivos simples: nós éramos os próprios monitores do colégio e nenhum de nós havia dado aquela matéria anteriormente para ser capaz de dar uma aula sobre aquilo para os outros. Apenas os alunos não-bolsistas que possuíam monitores, que eram contratados especialmente para isso. E isso só tornava as coisas mais difíceis. Consegui chegar na aula no exato momento em que o professor iria começar a matéria, e por isso não perdi nada.
O tempo que eu havia passado lá na torre durante o intervalo havia ajudado a desanuviar a minha mente, mas eu ainda estava confuso. Eu precisaria de muito mais tempo lá para poder esvaziar por completo a minha mente, tempo esse que eu não possuía.
A aula prosseguiu normalmente e acabamos sendo liberados um tempo antes do previsto. Eu, o Roberto, a Andréia e mais alguns colegas de classe nos sentamos para discutir como estudaríamos para aquela maldita matéria. Era um costume nosso fazer isso com as matérias que possuíamos dificuldade. Isso costumava ajudar nas provas, aumentando as nossas médias. O Roberto e a Andréia eram amigos de longa data. Entramos no colégio juntos e acabamos nos unindo muito desde então. Eles são muito próximos, enquanto eu, nem tanto. Nós nos damos bem, mas nossa relação não vai além de conversas sobre a escola ou poucos assuntos pessoais.
A discussão sobre um bom horário de estudo e sobre como estudaríamos durou mais do que eu esperava, e quando eu me dei conta, eu já estava atrasado para buscar o meu irmão na escola. Me despedi de todos e segui o meu caminho, andando rapidamente pelos corredores da escola, sem prestar muita atenção nas pessoas pelas quais eu passava.
Assim que eu sai do edifício central, corri para fora da escola, para não deixar o meu maninho sozinho, ele não gostava nem um pouco. E como a escola dele ficava a poucos minutos a pé da minha, eu chegaria lá rapidinho. Eu só não contava com pisar em falso no meio do caminho e torcer o meu pé. Imediatamente parei de correr e me escorei em uma árvore próxima.
- Oi, Fred, ta tudo bem? - o senh... Bê me perguntou enquanto eu soltava alguns palavrões por conta do machucado e algumas pessoas que passavam pela rua me olhavam de cara feia, provavelmente por estar falando tantas besteiras na frente de uma criança como ele.
- Eu pareço bem? Que pergunta idiota! - eu respondi. Estava tão furioso com o que tinha acontecido que eu acabei descontando em cima dele. Imediatamente eu pude ver em seus olhos que o que antes era preocupação, passou a ser um misto de preocupação e tristeza.
- Eu pensei que você fosse diferente... - ele disse, num sussurro, antes de ir embora.
- Desculpa, eu não queria ter dito isso. - tentei dizer,mas a minha voz me abandonou parcialmente, produzindo apenas um sussurro, sem alcançá-lo.
Meu pé parou de doer um pouco e eu fui o mais rápido que eu pude para o colégio do meu irmão. Os minutos que se sucederam entre o momento em que o Bê havia ido embora e o em que eu cheguei na porta da escola do meu irmão para buscá-lo passaram em segundos, para mim. Eu estava muito atordoado. Não conseguia tirar da minha cabeça o tom de tristeza que o verde dos olhos dele e que a voz dele me passaram. "Você deixou alguém triste, é apenas isso, depois você se desculpa e vai ficar tudo bem", eu dizia para mim mesmo, mas isso não estava ajudando. Eu o havia deixado triste e isso estava acabando comigo.
Eu entrei na escola do meu irmão, fui até sua sala e o encontrei lá, sentado na companhia da professora. Todos os outros já haviam ido embora. Eu odiava fazê-lo esperar, mas as vezes acontecia.
- E ai, amigão! Como foi a aula? - eu disse, enquanto ele esboçava um sorriso lindo por ter ouvido a minha voz. - Desculpe pela demora, a escola estava me dando alguns problemas de novo - falei em tom de brincadeira com ele e me desculpando com a professora.
- Tudo bem, Fred! Eu entendo, o que importa é que você está aqui! - falou o meu irmão sorrindo de orelha a orelha, estendendo a mão para eu pegá-la. - Agora vamos, que eu estou com fome! - ele disse por fim.
A escola do meu irmão, o Caio, ficava no caminho para casa, então todos os dias, desde que ele começou a estudar ali, eu saia da escola e o buscava para irmos para casa e eu fazia o almoço, dava banho nele e ficava de olho nele durante a tarde. A noite, nossa mãe chegava e nós conversávamos sobre o nosso dia.
O Caio era muito curioso e dedicado. Sempre que tivesse um tempo vago, depois de chegar em casa da escola, ia estudar e sempre queria saber mais sobre tudo. Na verdade, nós dois costumávamos fazer isso juntos. Mas hoje estava sendo diferente. Por mais que eu tentasse me concentrar no caderno que estava aberto na minha frente, eu me lembrava do olhar do Bê e me sentia mau. Por fim eu acabei desistindo e fiquei apenas sentado pensando na vida.
Eu e minha mãe descobrimos que o Caio nasceria cego pouco tempo depois de nosso pai vir a falecer. Eu tinha apenas 8 anos e ainda não entendia muito bem o funcionamento do mundo, mas nós sabíamos que seria um pouco difícil lidar com essa situação. Mas nós a enfrentamos, e cada dia é uma vitória. O Caio é o amor de nossas vidas e nós temos muito orgulho em tê-lo conosco.
Depois do jantar eu fui para o meu quarto, e fiquei lá deitado na minha cama pensando nas coisas que passavam pela minha cabeça. Pouco tempo depois o Caio entrou no nosso quarto e deitou em sua cama. Ele parecia meio inquieto, como se quisesse dizer algo.
- Ta tudo bem, maninho? - perguntei por fim.
- Ta sim, mano, por que? - ele respondeu.
- Você parece meio inquieto... Quer conversar sobre isso? - perguntei sendo direto, eu gostava de saber das coisas que afligiam o meu pequeno.
- Ah, nada demais... É que você tava meio quieto hoje, quase não estudou e estava bem distraído. - ele disse, por fim
- Não era nada não maninho, a escola me dando problemas, de novo - eu disse e me levantei devagar e fui fazer cócegas nele, deixando o assunto de lado e o fazendo rir.
Até meu maninho havia notado. Alguma coisa realmente estava diferente em mimPara aqueles que desejam, aqui está o email do conto. Sintam-se livres para me contatar por lá, se assim desejarem!
careful.conto@outlook.com