"A macumba foi boa", eu pensava enquanto ouvia calado o Tiago contar que pretendia pedir o tal de Luigi em namoro ainda naquela semana. Ele ainda duvidava se o carinha aceitaria. Burro! Claro que a bichinha ficaria pra lá de feliz... Imagine, namorar com um cara gato e gostoso daquele, exibi-lo para matar as colegas de inveja. Aceitaria na mesma hora.
- Nao vai falar nada, cara? _ perguntou ele me olhando.
- Vou falar o que? _ respondi meio chateado, sem conseguir disfarçar _ Que voce nunca se amarrou com ninguem e agora decidiu ter um cara fixo? Que mal conheceu o sujeitinho e já quer algo serio? Que isso pode ser um erro, uma coisa precipitada? Nao, nao... Na boa, velho, que esse moleque te faça muito feliz. Desejo de coraçao.
- Valeu, Daniel! _ ele me abraçou, quente, com cheiro de fumaça de fogueira e vestigios de Old Spice; nunca ele me pareceu tao distante, tao impossivel _ Sabia que podia contar contigo. Sei o que eu to fazendo, gostei do Lu de cara, e acho que nao errei na escolha. Vai dar certo, eu sei.
- Tomara _ murmurei, olhando o fogo, querendo sumir dentro dele.
Mesmo tendo aquela oportunidade imperdivel de dormir com ele na barraca, como fizemos tantas vezes, nao consegui pregar o olho. Tiago dormia pesado, e durante a noite tinha o velho costume de me abraçar durante o sono. Eu ficava de pau duro por conta daquilo, com medo do maluco acordar e perceber, e tambem querendo que ele notasse e caisse de boca, como eu imaginava. Nessa noite, no entanto, so' fiquei pensando que assim que ele começasse a namorar, nao mais sairiamos juntos como agora, sem acampamentos, sem idas aos bares e boates, à caça dos carinhas nas noites de sàbado. Seriam ele e o tal de Lu, programinhas de casal, cinema, restaurante, essas bobagens todas que eu queria fazer com ele. Eu sobraria, de burro, lento e covarde que fui. Grande otàrio chamado Daniel Freyre! Merecia o premio de Panaca do Ano Em Campinas.
No dia seguinte caminhamos mais para dentro da mata, na intençao de subir a lateral de um paredao e olhar a vista de cima. Passamos bastante protetor solar um no outro, numa atividade descontraida e que me deixava maluco de tesao enquanto espalhava o protetor sobre as costas dele, os braços, o peito de mamilos grandes, eriçados, sem pelo. Gostoso do caralho... Mas quem ia aproveitar aquilo tudo era um veadinho qualquer, um esperto que fisgara meu cara direitinho. Que raiva. Se eu pudesse, quebrava a cara daquele moleque na porrada, e tambem daria um murro em mim pra largar mao de ser bunda mole.
- O Hugo andou perguntando de voce _ disse Tiago passando protetor em mim, de modo rude, como quem salgava carne para churrasco _ Pelo jeito o veado viciou no teu pau, Daniel. Manda bala que ele e' gostosinho.
- Ele queria namorar _ falei fazendo careta; Tiago pressionava meus musculos, numa pegada que prometia ser filha da mae de boa na cama _ So' porque peguei o cara por uma semana, ele já achava que seria coisa seria. Moleque iludido, meu. Ficou gamado, coitado.
- Namora com ele, porra. O Paulo tambem comeu e me contou que o garoto dà um show de rabo que e' de deixar o cara doido...
- E eu nao sei?_ abri um sorriso safado, vestindo a camiseta_ Nao fiquei com ele à toa, ne'? Mas nao quero ninguem, nao. Me deixe quieto, voce sabe que nunca namorei ninguem, e nao seria agora...
- Ainda nao, mas no dia em que voce gostar de alguem de verdade, vai querer namorar _ disse Tiago com um sorriso bonito; vestiu a camiseta e colocou o bone' _ Vambora? Quase dez horas e nem começamos a subir a trilha...
"Babaca, cego, imbecil! Voce e' meu, seu filho da puta", eu pensava, irritado, subindo a trilha atras dele. "Vontade de te jogar aqui nesse chao, debaixo dessa arvore, te arrombar, mostrar quem e' teu homem, teu macho... Desgraçado. Porque eu te amo tanto? ". Na minha cabeça passavam rapidamente flashes de nossas lembranças, de quando ele entrou na minha sala com treze anos e se ligou a mim pois era gay tambem, tinha corajosamente se assumido naquele ano, e eu no ano anterior. O pai dele chegou a mandar o garoto para o hospital, todo quebrado de surra; ele apanhou com um chicote e um pedaço de pau, o velho era gaucho, nao aceitou aquilo de jeito nenhum; na minha casa apanhei de cinto do meu pai e soco na cara do meu irmao mais velho. No final, a mae do Tiago se separou do pai dele, horrorizada com aquela violencia contra o filho; comigo, meu pai so' voltou a me dirigir a palavra quando fiz quinze anos e meu irmao, antes disso, estava tentando me entender e aceitar: nao fosse pela minha mae, eles teriam me colocado pra fora de casa. Ate na nossa dificil historia de vida Tiago e eu eramos parecidos, os unicos gays (assumidos) da nossa sala; mas ao lado dele o bullying nao era tanto como quando estive sozinho. Ele partia pra briga, nao queria nem saber, nao deixava os moleques tirarem onda com a gente, nao. Naquela vez meu coraçao já era dele, e enquanto todos pensavam que eramos namorados, ele gostava de dizer que era meu "irmao". Quando fiz dezesseis anos e ele quinze, começamos a comer os guris que davam mole pra gente no colegio. Ele era doido de tesao no professor Marcelo, um loiro alto, bundudo, casado, mas nao dispensava rabinho de moleque de jeito nenhum. Como a mae dele trabalhava o dia todo, Tiago ficava sozinho em casa, me chamava, trazia os meninos com os quais combinara a foda mais cedo na escola e faziamos a festa a tarde inteira, cada um em um quarto. Muito veadinho daquele colegio aprendeu a chupar e dar com a gente, e foram muitas as virgindades perdidas naquela casa.
- Olha ai! Pega a camera _ disse ele assim que atingimos o paredao e lá do alto observamos a mata verdinha da reserva florestal e a cidade ao fundo; o sol faiscava nas torres de eletricidade ao longe, nos telhados brancos das fabricas, nas antenas dos predios _ Bacana, ne'?
Tiramos muitas fotos ali em cima, aproveitando para lanchar e descansar antes de descer e pegar a estrada. Ventava bastante, mas a vista era tao bonita, tao aberta que parecia que a gente ia sufocar. Uma hora depois descemos, em direçao ao Novo Uno preto do Tiago, estacionado na entrada do parque. Carregamos as coisas para o porta-malas, entramos e partimos, por volta das duas horas. No caminho, o telefone dele tocou, ele olhou e atendeu com um sorriso de idiota, mordendo o làbio; conversou por pouco tempo jà que estava dirigindo, mas pareceu ter combinado de encontrar o lazarento do Lu assim que chegassemos em casa, mandou que ele esperasse e tudo.
Realmente, logo que paramos em frente ao predio onde a gente morava, o carinha jà estava à espera todo arrumadinho, camiseta rosa-chà da Abercrombie, jeans, oculos de sol de lentes cor magenta. Tiago saiu do carro jà meio doido, e mais louco ainda abraçou o garoto no meio da calçada, enfiando a lingua na boca dele. Passavam poucas pessoas naquele horario na rua, em um domingo, mas claro que ficaram olhando; nisso ele sempre foi atrevido, combativo, adorava fazer para os outros verem, nunca teve vergonha, dizia que se os heteros faziam, ele tambem faria, pois nao era pior do que eles. Lu correspondeu á altura, sedento; o moleque era safado, passava a mao nos braços, na barriga trincada do Tiago e acariciava os mamilos por cima da camiseta do cara.
Sai do carro com a mochila, esperando por um momento que me notassem e parassem com aquilo. Nem me perceberam; meus nervos formigavam, minha garganta apertava, entao mandei tudo à merda e entrei puto no saguao, pegando o elevador vazio. Sentei no chao e chorei de odio, com a cara escondida na mochila em meu colo.
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Valeu! :)