Amor de Carnaval não Vinga

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 5099 palavras
Data: 17/05/2015 17:52:43

“Aê ó, isso é carnaval de Salvador, Aê ó, você vem de lá, eu também vou...”.

Os cordeiros começavam a levantar as cordas do bloco, fazendo força para estica-las o quanto conseguissem. As pessoas se aglutinavam dentro do espaço demarcado assim que o cantor surgiu exaltando um dos seus sucessos, enquanto alguns foliões atrasados corriam para não perder o início do desfile. Uma multidão cantava em coro em frente ao Farol da Barra, enquanto o trio elétrico começava o seu percurso. Eram quase dez horas da noite e a minha quinta-feira de carnaval começava da melhor e mais promissora forma possíveldias antes:

- Guto!

Marcela corria em minha direção, do jeito mais espevitado e chamativo possível, uma marca registrada sua.

- Prima! – carreguei-lhe num abraço apertado – Que saudade!

- Ai, nem me fale, tô animada demais! Não aguentava mais ficar sozinha em casa.

Puxei-a para o lado, empurrando a minha mala e liberando a passagem dos demais passageiros na saída do desembarque.

- Meus tios já viajaram? – indaguei.

- Desde anteontem.

- Eita, fugiram da folia mesmo, hein?

- Você sabe que eles odeiam. Vem, vamos logo pagar o estacionamento. O aeroporto está um inferno! – disse me puxando.

Era um ritual sagrado. Todos os anos, entre fevereiro e março, deixava parte das minhas férias programadas e seguia para curtir o carnaval em Salvador, minha cidade natal. Não consigo explicar ao certo a conexão que tenho com a festa. Talvez por ser uma tradição antiga de brincar fantasiado na rua com os meus pais, ou por simplesmente me deixar envolver com o clima de animação, era um evento no qual não me permitia ficar de fora. É bem verdade que o carnaval da cidade mudou muito com o passar dos anos, e eu acompanhei algumas dessas transformações. Os bailes infantis, as fanfarras no Centro Histórico, os grandes (e caros) blocos, os camarotes ganhando uma considerável fatia do espaço... Vivi um pouco de tudo isso, e ainda assim tinha notável inveja dos mais velhos, que aproveitavam como ninguém os tempos áureos da folia momesca.

O aeroporto estava realmente movimentado, e a tendência era encher ainda mais pelos próximos dias. Marcela não escondia uma inquietação com a fila para sair do estacionamento.

- Tá tudo bem por aqui? – puxei assunto.

- Tudo ótimo! Esse ano a festa promete! – ela sorriu – Não vai mesmo convidar ninguém?

- Não, tem muita coisa acontecendo na empresa. Resolvi curtir sozinho, e com você, claro.

- Sei... – ela me olhou desconfiada – Veio sozinho para pegar geral, isso sim! Você não me engana!

Gargalhamos juntos, e procurei não ficar encabulado. Não gostava muito de ficar falando sobre relacionamentos com a minha prima mais nova, por mais que ela insistisse. Mantinha a ideia de que deveria ser um exemplo para ela.

- E como será a programação? – procurei mudar de assunto.

- Bom, já que você facilitou a minha vida e veio com um pouco de antecedência, pensei que a gente poderia jantar hoje em algum lugar bacana e amanhã a gente sai pra resolver a questão dos abadás. O que acha?

- Beleza, acho ótimo!

O trânsito estava relativamente livre para o horário, um começo de noite. Chegamos ao apartamento e antes de adentrar a garagem, era notável a correria nos hotéis que ficam nos arredores, tudo para conseguir terminar a estrutura a tempo. Muitos caminhões ainda descarregavam materiais e carros oficiais da prefeitura averiguavam a iluminação da rua.

Meus tios moram no bairro de Ondina, no coração do circuito do carnaval (para quem não distingue, é o chamado Circuito Dodô, mais conhecido como Barra-Ondina), e da janela do apartamento era possível acompanhar o desfile dos trios elétricos e toda a algazarra da multidão que acompanha a festa. É muito comum que as pessoas que morem nessa região aproveitem para sair de férias ou alugar o imóvel, ganhando uma boa grana extra por isso (já que os valores cobrados para tal chegam a ser exorbitantes). Com tantos anos habitando o mesmo apartamento – charmoso e espaçoso, por sinal – e acompanhando o mesmo processo de ficar preso durante sete dias sem poder sair de casa, era compreensível que eles ficassem estafados e partissem temporariamente.

- Dá tempo de tomar um banho? – perguntei voltando do quarto de hóspedes, onde deixara a minha bagagem.

- Cinco minutos, hein? Tô morrendo de fome! – gritou da cozinha.

- Ok, esfomeada! – ri.

...

Assim que o garçom trouxe a barca de sushi, os olhos de Marcela se arregalaram e por pouco ela não lhe deu um abraço por nos atender com tanta agilidade.

- E o coração, como anda? – questionei, abrindo a embalagem do hashi.

- Fale a verdade... – ela colocou a mão na boca, enquanto terminava de mastigar a sua primeira investida no prato – Foi meu pai que pediu pra você me perguntar isso, né? Derrube logo!

- Juro que não! – gargalhava na mesa – Já teria te avisado se fosse isso.

- Sei... Meu coração solteiro vai bem, obrigado – disse tentando parecer triunfante.

Cresci junto com a minha prima. Éramos praticamente irmãos e sempre fomos muito confidentes, apesar da grande diferença de idade (seis anos, mais precisamente). Depois dos meus tios, foi ela a primeira a escutar sobre a minha sexualidade, quando já era uma pré-adolescente teimosa e curiosa, e a nossa convivência só melhorou com a revelação. Acompanhei todas as suas fases, da criança birrenta ao mulherão de atitude que cursava Medicina e arrancava olhares famintos por onde passava. Marcela sempre teve um charme que parecia irresistível, e o seu físico contribuía muito para isso.

Percebi dois dedos estalando na minha frente, demonstrando a sua impaciência:

- Ei, vai fugir do assunto, é?

- Desculpe – voltei a fita-la – Não ouvi o que você perguntou.

- E você, até quando vai continuar a fingir que é um bon vivant que nunca vai namorar?

- Você sabe o que aconteceu da última vez que namorei alguém – desconversei.

- Ah Guto, move on! Já pensou se eu decidisse ficar solteira pelo resto da vida só porque um namoro não deu certo? Deus me livre!

- Um dia, quem sabe – rimos juntos – Deixa eu curtir enquanto puder.

- Acorda priminho! Aproveita que já é um trintão e se apega, rapaz!

- Você tá me chamando de velho encalhado, é isso? – franzi a testa, espantado.

- Peguei pesado, né? – ela ficou vermelha.

- Muito! Vou pedir a conta depois dessa... – disse perturbando-a.

- Mas você é um trintão lindo e charmoso que pega quem quiser. Vive me matando de inveja! – amenizou.

- Não tente melhorar a situação, mocinha. Não tem mais volta!

O clima de brincadeira imperou na mesa, enquanto caçávamos os últimos sushis.

...

Na quarta-feira, o shopping estava lotado. A maioria das organizações dos blocos carnavalescos alugavam lojas temporárias para realizar a entrega dos abadás. Seria um exercício de paciência, mas não tinha para onde correr. Aproveitei o chá de espera e comecei a estruturar a minha programação para os outros dias com Marcela:

- Vamos lá – iniciei – Quinta-feira. Eu tô com Saulo, e você?

- Vou sair no bloco do Asa de Águia com duas amigas. Mas podemos descer juntos, acho que saio logo depois.

- Beleza, sexta... Timbalada. Você também vai, né?

- Isso. Sábado, vou pra um camarote.

- Eu vou ficar em casa. Sou um velho trintão que já não tem o mesmo pique dos jovens de vinte anos – brinquei.

- Fraco! – ela retrucou na lata.

- Domingo e segunda saímos com Ivete, certo? – anotava tudo o que falava no celular, tentando me organizar.

- Correto. E na terça-feira encerramos em outro camarote – ela completou.

- Fechado! Ah, e não preciso ter uma conversa com você sobre uso de substâncias duvidosas e exagero na bebida, né?

Uma garota na nossa frente virou-se rindo daquela situação.

- Eu vou fingir que não escutei isso, primo querido – Marcela sentenciou.

Após algumas horas, fomos atendidos e escolhemos os tamanhos adequados dos abadás, recebendo a roupa destinada para cada dia, de acordo com o nosso cronograma. Minha prima estava preocupada em customizar todas as suas camisas e no tempo que teria para isso. Paramos para almoçar e, mais relaxados, seguimos ajustando os nossos compromissos:

- Hoje tem Habeas Copos. Você quer ir? – ela indagou.

- Nossa, tava esquecendo isso. Claro! Preciso ver gente, já cansei de você! – brinquei.

O Habeas Copos é um famoso bar de onde, todos os anos, sai uma banda de fanfarra com o mesmo nome, animando o circuito da Barra para o começo do carnaval. O evento é tão tradicional e longevo que a prefeitura tornou o dia como o início oficial da festa e ao longo dos anos, dezenas de bandinhas passaram a invadir as ruas do bairro. Era como antigamente, onde os foliões curtiam marchinhas animadamente, mas com o triplo de pessoas.

Voltamos ao apartamento, descansamos um pouco e no início da noite, começamos a nos arrumar. Decidimos ir a pé, apesar de ser uma considerável caminhada até o Farol da Barra, onde Marcela combinou de encontrar algumas amigas da faculdade. O espaço estava lotado, cheio de turistas e gente bonita, o que me animou para um possível saldo positivo do evento (se é que me entendem). As amigas da minha prima pareciam patricinhas demais para o meu gosto, algo que me incomodava um pouco, mas combinamos de andar sempre em grupo. Quando algum cara procurava puxar papo com algumas delas, se agarravam a mim. Quando alguém que me interessava começava a me olhar mais intensamente, elas se agarravam ao meu alvo. Seguimos boa parte do percurso nessa troca injusta, mas procurava ser a pessoa mais paciente do mundo.

No meio da animação, e já adentrando a madrugada, uma forte chuva espantou os foliões e todo mundo começou a correr. Não estava me importando muito em aliviar o forte calor, mas Marcela começou a me puxar, apressando os passos. No fim, nos perdemos das suas colegas e resolvemos voltar para casa, encharcados. Assim que entramos no prédio, tirei a camisa para torcer a roupa e evitar molhar toda a casa.

- Vai, humilha! Mostra que é o gostosão da família – Marcela brincou olhando para o meu peito nu.

- Muita engraçadinha você – devolvi com um sorriso amarelo.

- Sorte a sua que as meninas sumiram – ela alardeou enquanto caminhávamos pelo térreo – E que eu não curto incesto!

Dei uma risada sonora, pego de surpresa com aquela declaração.

- Olha o respeito, garota! Mas se quiser me apresentar algum amigo seu, estamos aí!

- Não tô conseguindo arranjar homem pra mim, quem dirá para você! – se mostrou arrasada abrindo o elevador.

Não conseguia enxergar a beleza que ela tanto alardeava, apesar de sentir o meu ego um pouco inflado com o elogio. Não tenho um corpo extremamente musculoso como as pessoas que frequentam a academia diariamente exibem por aí, nem me imagino dentro de um estereótipo de beleza padrão almejado pela maioria. Apenas me acho “em forma”, uma consequência natural de anos praticando natação. Talvez fosse a altura que chamasse a atenção (tenho 1,92m) ou a barba por fazer (que já estava com os dias contados depois do “trintão”), mas sempre me achei um cara normal, apesar de me permitir algumas vaidades.

Dirigi-me a área de serviço assim que atravessamos a sala e tirei a bermuda para estender no varal, já procurando a toalha que deixara ali quando saí do banho.

- Para com essa provocação! – Marcela gritou assim que entrou na cozinha, pregando-me um susto.

- Eu tô começando a achar que você bebeu além da conta – provoquei, me enrolando.

- Não mais do que você, que chega em casa fazendo strip-tease... – ela riu – Vai logo tomar banho que eu vou fazer um lanche pra gente assim que me enxugar.

E saímos para os nossos respectivos banheiros.

...

Fiz a barba correndo e vesti-me apressado, enquanto minha prima esperava impaciente na porta. Constatei se levava os documentos e algum dinheiro, e saímos para a primeira noite do carnaval. A quinta-feira geralmente era mais tranquila, já que muita gente ainda trabalhava no dia seguinte, mas não menos animada. Peguei a pulseira de acesso ao condomínio na portaria (uma medida que a maioria dos edifícios da região colocava em prática para manter a segurança dos seus moradores, evitando que qualquer estranho pudesse entrar) e seguimos caminhando novamente até o Farol da Barra, ponto de saída de todos os blocos.

Despedi-me de Marcela e fiquei dando uma volta pelas imediações, aguardando a chegada do trio. Parei para comprar uma cerveja com um ambulante e, pouco mais à frente, um pequeno grupo de três rapazes com abadás iguais ao meu me chamou atenção. Todos eram bonitos, mas um deles em especial tinha algo diferente, não sabia explicar ao certo o que era. Permaneci alguns minutos observando-o enquanto conversava com o vendedor, até que seu rosto virou-se para mim, percebendo o meu olhar. Procurei disfarçar, enquanto ele recepcionava outros dois amigos que se uniam aos demais.

Nunca fiquei encarando pessoas na rua, até porque as chances de dar errado sempre são muito grandes. Raramente tomo alguma atitude, a não ser que tenha muita certeza do interesse oposto. É claro que o carnaval era uma festa mais permissiva, onde tudo (tudo mesmo) pode acontecer. Já presenciei gente transando dentro do bloco (achando que ninguém estava percebendo), em banheiro público, atrás de árvore, de tudo quanto é jeito. A verdade é que a grande maioria das pessoas que está curtindo quer entrar no clima de paquera que impera no ar, e o fator “sexo” fica mais aflorado. Obviamente, essa propensão e facilidade de acesso aos foliões de toda parte do mundo já me renderam boas aventuras, por isso nunca tive problemas em sair sozinho. Claro que estar entre amigos sempre é mais divertido, mas já dizia a velha máxima: quem não tem cão, caça com gato.

O cantor Saulo apareceu na frente do trio todo iluminado, e a banda anunciava que a festa ia começar.

“Groove de primeira, até quarta-feira, vou atrás do caminhão...”.

Perdi o meu alvo de vista e segui para a área da frente da concentração. O público parecia estar em transe e se deixava contagiar facilmente. Não dava pra negar que o cara sabia animar a multidão. Os blocos em Salvador tinham públicos distintos e, para os veteranos da festa, era fácil reconhecer os que atraem mais gente. Tem para todos os gostos: do trio independente sem cordas, que animam as pessoas mais descoladas, aos mais voltados para públicos específicos, como o quase exclusivo bloco LGBT de Daniela Mercury. Ninguém fica de fora.

Já tinha passado da curva do Farol da Barra, e procurava observar as pessoas à minha volta. Algumas garotas me olhavam da mesma forma estranha que as amigas da minha prima me “secavam”, mas procurava não dar muita importância. Mantinha o pique, sempre com uma cerveja na mão enquanto passeava pelo bloco, ora pulando sem parar, ora analisando alguns homens interessantes.

Horas depois, já quase chegando ao Cristo (a metade do percurso), ainda estava na estaca zero, mas sem perder a animação em momento algum. Foi quando, por uma feliz coincidência, o encontrei próximo ao bar do carro de apoio. O garoto atraente - já tinha fixado o apelido na mente - estava sozinho e aquilo poderia ser um bom sinal. Novamente, ele percebeu a minha presença, mas não me deu muita bola. Não sabia se teria tempo hábil para evoluir o flerte a ponto de ter certeza se poderia pintar algo daquela situação. Parei a poucos metros dele e fiquei curtindo a música, aguardando alguma movimentação da sua parte. Ele era realmente muito bonito, um pouco mais baixo que eu, com uma pele clara, os olhos de tom mel e um cabelo que parecia propositalmente despenteado. Comecei a curvar minha cabeça, apreciando o seu corpo, mas retornei rapidamente ao meu ponto de partida quando me dei conta que estava sendo encarado. Voltei a disfarçar e ele passou por mim, sem expressar qualquer tipo de reação, cessando um pouco logo em seguida.

“Droga, ele percebeu...”, pensei.

Desencanei e procurei ficar na minha. Ainda o tinha no meu campo visual, e o seu jeito desengonçado e tímido de dançar algumas músicas me deixava encantado, além de torna-lo ainda mais irresistível. “Deve ser turista”, cogitei. Precisava tirar a prova dos nove e resolvi ficar do outro lado - ainda atrás - e aguardar. Algum tempo depois, ele virou-se à sua esquerda, olhando por cima do ombro, onde estávamos antes. Estranhou por um instante e girou, como quem procurando alguém, e encontrou novamente o meu olhar, que agora o fitava atento. Pego no flagra, ele não conseguiu esconder um sorriso e voltou-se novamente para frente.

“Ok, se isso não é estar afim, eu fico com qualquer mulher desse bloco que me der mole”, sorri em pensamento. O interesse era mútuo, definitivamente. Enchi-me de coragem e comecei a andar na sua direção, aproveitando o embalo da música. Poucos passos depois, resolvi puxar assunto:

- Primeira vez em Salvador?

Ele se espantou com a minha atitude, que nem eu sabia de onde tinha tirado:

- Como? – fingiu não escutar direito por causa da música, aproximando mais o ouvido de mim.

- É a sua primeira no carnaval de Salvador? – repeti paciente.

- Ah, sim! Está tão na cara assim?

- Um pouco, parece que você está meio perdido... – sorri.

- Não, não – ele seguia totalmente incrédulo – Estou com uns amigos espalhados por aí.

- Hum, entendi – procurei parecer interessado – Prazer, Augusto – estendi a mão, educado.

- Adriano...

Assim que nos apresentamos ele abriu um sorriso que, de tão arrebatador, poderia conquistar qualquer pessoa daquela cidade. Não conseguia evitar, já começava a imaginar mil possibilidades na cabeça. Estava atrás de alguém para curtir, e algo me dizia que eu tinha encontrado.

- De onde você é? – prossegui tentando manter a calma.

- São Paulo, e você?

- Bacana. Moro lá também, mas sou daqui – complementei – Está curtindo?

- Demais! – ele pareceu pensar no que dizer – É bem diferente de tudo, mas é muito legal.

- Que bom – parei por um instante, ainda cheio de dedos com aquela conversa – Quanto anos você tem?

Adriano riu desajeitadamente, deixando-me intrigado:

- O que foi? – questionei.

- Desculpa – ele tentou se controlar – É que, sei lá, isso tá parecendo uma conversa de bate-papo virtual.

Fiquei encabulado, sentindo o rosto vermelho na mesma hora.

- Vamos fazer assim – ele prosseguiu – Eu começo. Tenho 23 anos, faço faculdade, o físico você já está vendo e não vou te responder nenhuma pergunta sobre preferências sexuais. Sua vez, e aproveite para já emendar com outro assunto mais interessante.

Sorri, sem graça. Não ia dizer a minha real idade, definitivamente ia espantá-lo, mas resolvi entrar no jogo:

- Ok, vamos lá. Tenho 28 anos – “Dois a menos não vai ficar tão na cara”, pensei – Não faço mais faculdade, o físico você também já viu lá atrás, quando a gente estava no Farol – provoquei – e não farei nenhuma pergunta sobre as suas preferências sexuais, acho isso meio cretino.

Ele se mantinha totalmente atento ao que eu dizia.

- Ia complementar falando o que eu achei de você, mas seguindo o seu pedido, queria sua opinião sobre a crescente queda na bolsa de valores de Nasdaq, esse assunto é muito interessante.

Adriano gargalhou. Seria capaz de beija-lo naquele exato momento, mas me contive.

- Você me lembra alguém, sabia? – ele retomou a conversa.

- Sério? Quem?

- Não sei explicar...

- Tá, vamos fazer o jogo do “Se fosse no Brasil”. No filme da minha vida, que ator me interpretaria?

Adriano mostrou uma feição engraçada, sem entender o que eu estava fazendo:

- Como assim?

- Pensa em alguém que acha parecido comigo, aí você vai se lembrar – tentei descontrair.

-Ok, vou pensar... – ele continuava a rir.

Àquela altura, já não prestava atenção em mais ninguém à minha volta. Estávamos atrás do trio elétrico, onde muitas pessoas beijavam-se embaladas pelo momento musical romântico do trajeto. Adriano seguia buscando algo na sua memória:

-Já sei! Aquele cara da novela das sete, a dos fantasmas. O que é nadador, namorado da comediante!

Franzi a testa:

- Quem?

- Eu não consigo lembrar o nome dele agora – ele parecia empolgado – Mas definitivamente ele seria o ator principal do seu filme.

- Ok, ok... – me dei por vencido - Vou pesquisar quem é.

- Pode olhar, parece pra caramba – ele estudava detalhes do meu rosto – Vai, agora é sua vez.

- Minha vez do que? – me peguei aéreo, percebendo que mal sabia qual era a novela em questão.

- Quem seria o ator do meu filme?

- Ah, certo. Já vi que você é noveleiro, vou facilitar. Vejamos... Acho que você seria o ricaço daquela novela das oito, o comendador. Digo, a versão mais jovem dele.

- Sério que você me acha parecido com aquele ator?

- Acho. O cabelo castanho claro, os olhos meio apertados quando sorri... Você é um pouquinho mais encorpado, quero dizer, um pouco mais forte que ele. E mais bonito, é claro.

Dessa vez tinha conseguido deixa-lo claramente envergonhado, e o fato de não conseguir disfarçar parecia desarma-lo. Foi quando Saulo resolveu dar aquela forcinha para não ficar um silêncio constrangedor:

“A nossa química bateu, o nosso amor apareceu, se tem alguém que lhe quer bem, esse alguém sou eu...”.

Existem coisas que realmente só o carnaval proporciona. Sorri para ele, que mantinha o olhar fixo em mim. Melhor clima, impossível. Ensaiei uma aproximação, quando percebi uma mão puxar o seu braço:

- Você tá aqui, finalmente. Onde se meteu?

Acordei do transe com a aproximação de quatro pessoas ao nosso redor.

- Vocês falaram que iam dar uma volta, depois me perdi – Adriano respondeu ao mais alto deles, que me encarava.

- E você é...? – ele resolveu puxar assunto.

Estava prestes a responder, mas a minha companhia se precipitou:

- Esse é Augusto, um amigo meu. Augusto, esse é o Alexandre, e esses são Júlio, César e Cláudio – apontou um a um.

- E aí, beleza? – fiz um aceno geral – Olha, pode ser que não me lembre mais do nome de vocês daqui a pouco. Não sei ao certo quantas cervejas já bebi – tentei contar mentalmente, sem achar um número exato.

Todos riram. Adriano parecia um pouco desconcertado. Afastei-me um pouco na intenção de não causar maiores problemas, caso os companheiros não soubessem o que estava rolando, e continuei dançando. Eles pareciam conversar alguma coisa, mas não conseguia escutar. Logo fui puxado para a roda e passei a me enturmar mais:

- Vocês estão todos juntos no mesmo hotel? – indaguei.

- Não. Alugamos um apartamento aqui perto, é bem mais prático – Alexandre explicou.

Concordei. “Tudo bem, ainda posso levar ele lá para o apartamento e dar uma desculpa pra Marcela”, procurava manter a esperança de que pudesse rolar algo com o garoto atraente. Estávamos passando do Morro do Gato e entrando em Ondina, a parte final do desfile, então precisava agir. Adriano parecia meio avesso às conversas e tentava ficar mais afastado, sem emitir muitas opiniões. Num breve momento, se aproximou e num tom mais sério me avisou que ia rapidamente ao banheiro, mas logo voltava. Júlio e César aproveitaram a carona e anunciaram que iam comprar algumas cervejas. Pouco tempo depois, Alexandre continuou a conversa:

- Gente boa, né?

- Quem?

- O Adriano.

- Ah sim, muito!

- Primeira vez que vem para o carnaval, e já sai pegando geral. O recorde da noite provavelmente será dele.

- É, na primeira vez a gente vai com mais sede ao pote mesmo – tentei não aparentar algum desconforto – E qual foi o seu número?

- Não fiquei com muitos. É difícil você achar um cara mais liberal que tope beijar dentro do bloco.

Fiquei surpreso com a sua declaração. “Então todos eles são gays”, concluí.

- Tem que ter paciência – fingi naturalidade – Mas sempre rola.

- E você? Quantos?

- Até agora? – ri – Nenhum – fiz um “zero” com a mão.

- Ah, fala sério. Você é boa pinta pra caramba, poderia sair varrendo a festa.

- Valeu, você também – não podia deixa-lo sem resposta, apesar de não estar falando nenhuma mentira.

Claudio nos observava, sacando o que estava acontecendo. Alexandre estava claramente partindo para o ataque, sem qualquer sutileza. Olhei ao redor, e nada de Adriano. “Será que levei um bolo?”, fiquei com a dúvida na cabeça. César retornou sozinho, e me ofereceu uma cerveja que estava em sua mão. Bebi um gole e agradeci.

- Pode ficar, trouxe pra você – completou, animadamente.

Passei a analisar com mais calma aquele grupo. Todos eles pareciam simpáticos e à primeira vista poderiam ter saído do elenco de qualquer novelinha juvenil. “A faixa etária deve ser a mesma, e provavelmente frequentam a mesma faculdade, arrancando suspiros das coleguinhas de sala”, criava hipóteses na minha mente, sempre acompanhando o olhar de Alexandre, que perseverava em sorrir para mim. Ele percebeu que eu ficava olhando com insistência para trás em busca do seu amigo:

- Fica tranquilo, daqui a pouco ele volta.

- Adriano? – César escutou a conversa – Ele tá dando um giro com Júlio.

“É Augusto, acho que alguém desistiu de você”, me peguei meio chateado.

- Vamos procura-los, eles se perdem muito fácil – sugeriu Cláudio.

Assenti, apesar de achar que eles poderiam voltar ao ponto em que estávamos e não nos encontrar. Perdemos um bom tempo caminhando, sem sucesso, e acabamos na frente do trio, onde a quantidade de pessoas era maior e estava bem apertado. A música agitada também contribuía para que ficasse praticamente colado ao corpo de Alexandre. “Isso não vai prestar”, pensei ao notar que ele não ligava a mínima. A cabeça de baixo começou a pensar mais alto que a de cima. Bebi outro gole de cerveja:

- Cara, tá foda ficar aqui. Vou voltar lá pra trás – avisei no seu ouvido.

- Espera, não quer sair um pouco do bloco? – disse pegando na minha cintura.

- Como assim?

- O apartamento fica aqui pertinho, vamos dar um pulo lá... – ele deu um sorriso safado.

- O seu amigo não vai gostar – não tinha certeza se aquela era uma boa ideia.

- Ei, relaxa. O Adriano sabe se virar, deve estar pegando mais alguém por aí...

Nova leva de empurrões e estava praticamente sentindo todo o contorno da sua bunda imprensando-se a mim, acendendo vários tipos de alertas no meu corpo. Não ia demorar muito tempo para o bloco terminar e já fazia mais de meia hora que o meu então pretendente tinha sumido. “Droga, provavelmente ele está certo”. Mais um gole e decidi:

- Beleza, vamos.

Alexandre avisou a César que iria dar uma volta e me puxou. Assim que atravessamos a corda, senti uma leve brisa, tirando-me um pouco a sensação de sufocamento de onde estávamos. Vencemos mais um grupo de pessoas que se aglomeravam para assistir ao desfile e chegamos à rua perpendicular ao circuito. Minha cerveja tinha acabado, mas decidi não tomar outra, já sentindo que estava ficando um pouco alto demais. Seguia Alexandre, tentando evitar olhar para o seu traseiro, que se moldava perfeitamente na bermuda. “Calma Augusto, calma...”. O edifício, de fato, não ficava longe, a poucos quarteirões da casa dos meus tios.

O porteiro liberou a entrada, mas avisou que não era permitido o acesso de quem não estava cadastrado, fazendo-me olhar para a pulseira no meu pulso relembrando as regras da região.

- Ele não tá se sentindo muito bem, só vai jogar uma água no rosto e tomar algum remédio para descer de novo – meu anfitrião alardeou, inventando uma desculpa.

- Desculpe, são as regras do condomínio.

- Vamos fazer assim – me intrometi – Vou deixar aqui a minha identidade e logo desço pra pegar, pode ser?

O funcionário olhou desconfiado, mas aceitou a sugestão. Seguimos para o elevador, e senti que tinha realmente exagerado na bebida, parando após uma leve tontura.

- Tudo bem com você? – ele me perguntou, enquanto abria a porta.

- Estou ótimo.

Assim que entramos na sala do apartamento, evitei qualquer cerimônia e puxei-o para um beijo, algo que ansiava desde que pisei em Salvador. Estava afoito, mas queria desfrutar ao máximo aquele contato. Arranquei a sua camisa, descobrindo um corpo mais forte do que imaginava e repeti o processo com a minha. Alexandre era um pouco mais alto que os demais colegas, e o seu cabelo negro e liso contrastava com o tom alvo da pele. As sobrancelhas grossas se destacavam mesmo com a franja que tomava parte da testa, e o seu sorriso sedutor competia com o peito liso e estufado pela atenção do meu olhar. Avancei beijando o seu pescoço, enquanto ousava passar as mãos na sua cintura e na sua bunda, cujo tamanho ainda me impressionava.

- Vem cá...

Fui arrastado para o quarto logo em seguida, assistindo-o tirar a bermuda junto com a cueca sem nenhum pudor, revelando uma ereção que impunha respeito. Seu pênis, relativamente grande para qualquer padrão, pulsava balançando entre as pernas. Como aquele não era o meu território, procurei me despreocupar. Ainda assim, admirei o conjunto da obra. Ele poderia facilmente ser um modelo profissional.

- Pronto pra começar a sua contagem do carnaval? – ele sorriu.

Não me fiz de rogado e tirei toda a roupa, atraindo o seu olhar curioso para o meu brinquedo. Se aquilo fosse uma competição, sabia que também tinha as minhas vantagens. Senti a sua mão no meu peito de pelos aparados e logo fui puxado pela cintura, colando os nossos membros que pareciam se equiparar em tamanho e grossura.

- Velho, eu tô doido pra te comer – sussurrei no seu ouvido, jogando para o alto a educação.

- Eu também – ele respondeu de um jeito sacana.

- Não me leve a mal – sorri educadamente – mas eu não curto.

- Você nunca... Deu? – ele se mostrou totalmente surpreso.

- Não – tentei ser o mais direto possível sobre ser exclusivamente ativo, evitando precisar usar o termo.

- Sem problemas. Vem, vamos fazer uma brincadeira gostosa. Deita aí na cama.

Estava curioso com o que ele pretendia, mas resolvi comprar a ideia.

- Vou pegar um óleo para fazer uma massagem nas suas costas. E depois vou usa-lo para lubrificar outra coisa – disse olhando para o meu pau, que apontava em riste para o teto, enquanto seguia para o banheiro.

Acompanhei o movimento do seu derrière agora desnudo. Se já estava excitado, meu tesão tinha chegado a níveis estratosféricos. No fim das contas, parecia ter tirado a sorte grande no meu primeiro dia de carnaval. Virei-me de costas assim que ele retornou, abrindo o terreno para o seu joguinho sensual. Alexandre sentou-se com as pernas abertas na altura do meu cóccix e logo senti um fio gelado se espalhando pelo meu dorso. Suas mãos espalhavam aquele líquido perfumado, enquanto massageava os meus ombros e ia descendo vagarosamente. Fechei os olhos e a sensação de tontura aumentava consideravelmente, não sabia se pela posição que estava ou pelo álcool domando os meus sentidos, mas estava disposto a aproveitar cada segundo daquele momento. Meu pau babava no lençol e parecia querer furar o colchão, tamanha inquietação.

As mãos fortes de Alexandre percorriam os meus braços, e deslizavam lentamente de volta para as minhas costas. Com paciência, alternava a pressão da palma da sua mão com toques suaves pela minha espinha. Aquilo estava me tirando do sério e já estava ensaiando me virar novamente para continuar a brincadeira, quando senti outras duas mãos segurando os meus pulsos.

(continua)

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Comentários

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Muito bom, gostei da escrita. Além da história ser bem legal!

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Que escrita é essa?!?! Show!! E o enredo prende a gente!!!

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Que bom que voltou! Mais um conto maravilhoso vindo por aí. Abraços para o ruivo e para você.

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Muiti bom! Gostei demais da estrutura do seu conto. Ansioso pela continuação

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Adorei seu novo conto! Teremos uma suruba ou menage no proximo capitulo? rs Fez um personagem realista, bem humano, que se deixa levar pelo desejo. Gostei muito!

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Otimo conto, escrita muito boa!! Nao demora a postar o outro, por favor!

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Saudades que eu estava de você seu lindo...... ótimo conto.

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