A primeira vez que vi Bernardo foi através da janela da cozinha da pequena casa que morava com meus pais Luiz Antônio e Berenice de Faria Lima, chamados por mim de casal vinte e mais três irmão menores e mais novos que eu, Daniel, Gilberto e Sonia que pra mim eram os mais queridos e melhores irmãos que alguém poderia ter.
Eu havia levantado por conta do calor insuportável que fazia no quarto que dividia com Dan e o Giba e praticamente voei até a cozinha pra beber um copão de água gelada... Soninha por ser a princesinha da casa tinha um cubículo que chamava de quarto toda orgulhosa, essa minha irmã era uma figuraça, amo ela demais...Na verdade eu queria era aproveitar a porta da geladeira aberta e fingir do alto dos meus 17 anos de idade que na minha casa tinha um Ar Condicionado de última geração... Lembrar disso me faz rir até hoje.
Eu estava só com uma cueca slip preta que usava pra dormir quando ao terminar de encher o copo de plástico comprado numa liquidação no mercadinho do seu Ribamar que ficava na esquina da rua em que morava, olhei para a janela de vidro transparente da cozinha e ele estava lá... Travei na hora.
Pisquei os olhos de puro nervosismo. Ele só podia ser o Bernardo. Esse cara que me olhava tinha que ser o Bernardo. Minha irmã Soninha vivia dizendo que ele tinha uma tatuagem que cobria seu peito largo e moreno e que ele era lindo com aquele sinal bem na bochecha do lado direito do rosto.
" E COMO VOCÊ SABE TUDO ISSO DO CARA, SONINHA?" Perguntou Magali Valente sua melhor amiga.
" PORQUE CONHEÇO A IRMÃ DELE, MÔNICA, JÁ QUE ELA ESTUDA NA MINHA SALA. SEI TAMBÉM QUE ELE ESTA NO SERVIÇO MILITAR E QUE O PAI DELE COMPROU O APARTAMENTO DA FINADA ZULEICA".
" MENINA COM CERTEZA VOCÊ VAI SER JORNALISTA QUANDO CRESCER, VAI NÃO?"
Toda essa conversa passou pela minha cabeça em fração de segundos, uma vez que a ouvi quando estava na sala de casa jogado uma partida de video game que Dan havia ganhado do nosso avô Moises por conta do seu aniversário e claro, gravei a conversa...
Se a água tava descendo goela abaixo nem sei, só sei que ele me viu, abriu um sorriso e levantou também o copo como se fosse fazer um brinde... Eu fiquei extasiado olhando aquele cara mais velho que eu pouca coisa e bem mais forte e bonito. Fiquei sem ação no primeiro momento pois a visão de seu corpo quase nu, já que ele usava também uma cueca slip amarela, me fez travar e eu não tive nenhuma reação... Ele terminou de beber sua água, olhou pra mim mais uma vez, apagou a luz da cozinha de sua casa e saiu do meu campo de visão.
Quando voltei ao meu normal estava todo molhado, tive que pegar o pano de chão e limpar a bagunça que havia feito na cozinha da minha mãe, me enxugar com um pano de prato, apagar a luz da cozinha e sair com a cabeça nas nuvens.
Enquanto voltava com passos lentos para o quarto, uma grande e fodida certeza fez morada em minha vida... EU ERA UM HOMOSSEXUAL DE 17 ANOS DE IDADE... ESTUDAVA NUM COLÉGIO PUBLICO DO BAIRRO E POR SER UM EXCELENTE ALUNO DAVA AULAS DE REFORÇO EM MATEMÁTICA, FÍSICA E QUÍMICA PARA ALGUNS AMIGOS DA ESCOLA E GAROTOS DO BAIRRO... SABIA TAMBÉM QUE ERA UM CARA SUPER GENTE FINA, QUE MEUS AMIGOS FALASSEM POR MIM SEM FALSAS E METIDAS MODÉSTIAS E QUE APESAR DE NUNCA TER TIDO NADA NA MINHA VIDA COM OUTRO CARA, MINHA VIDA ESTARIA LIGADA A DESSE GAROTO DE UMA MANEIRA QUE NEM MESMO EU SABERIA EXPLICAR...
Adormeci e dormi o sono dos justos. No dia seguinte fiz o prometido a minha mãe D. Berenice, limpei todo o jardim e o quintal da casa.
_ Caprichou na arrumação João Bosco de Faria Lima. Vem cá ganhar um beijo da mama...
_ Ah mãe, não me chama pelo nome... Assim fica difícil a turma gravar meu apelido... J B mãe, me chama de J B e claro, disse já sorrindo, esse beijo quero mesmo estando todo suado e fedorento...
Minha mãe era uma das mulheres mais incríveis que tive o prazer de conhecer na vida. Mesmo algum tempo depois tenha decepcionado ela e a todos a minha volta... Isso contarei em breve, mesmo que lembrar de certas coisas me façam sofrer muito.
Entrei pela porta da cozinha e fui pegar uma muda de roupa limpa no quarto. Rapidinho voltei e me dirigi ao fundo do quintal onde Seu Luiz Antônio tinha colocado no coqueiro uma belo chuveiro. O lugar sofreu uma pequena reforma por conta da construção do prédio no terreno vizinho que pertencia ao marido da finada Zuleica. O muro alto dava uma certa privacidade. Tirei a roupa, abri a ducha e assim que vou entrar embaixo da água ouço um quicar de bola atrás de mim e uma voz que jamais havia ouvido na vida fala com uma certa surpresa:
_ Dá pra você devolver a bola, meu chapa?
Giro o corpo e olho na direção do muro alto e vejo o mesmo rosto que me fitou na madrugada horas antes nesse mesmo dia... Mais uma vez fiquei sem ação e voz e tratei de cobri rapidamente meu membro.
_ Não era dessas bolas que eu falava não, chapa. É aquela que esta bem ali próximo da lavanderia... Pode ser? E ele pareceu sorrir de puro contentamento com a minha agonia inicial.
Enquanto era observado atentamente pelo vizinho, cobri meu corpo com a toalha e fui até onde estava a tal bola e joguei de volta para o prédio por cima do muro, sem entregá-la em suas mãos.
_ Quer vir jogar com a gente? Tá faltando um pro times ficar completo...
Finalmente eu falei algo após sua pergunta e explicação...
_ Hoje não dá, tenho que sair com minha mãe... Vamos fazer compras num supermercado... "POR QUE ESTOU DANDO EXPLICAÇÕES A ESSE CARA?" " E POR QUE MINHA VOZ ESTA MEIO TRÊMULA?"...
_ Qual o teu nome, chapa?
_ J B, e o teu? Perguntei automaticamente para ter certeza que falava com o tal Bernardo.
_ Francisco Bernardo Gouveia Matos. Os amigos do quartel me chamam de SD Gouveia e aqui em casa, simplesmente Bernardo. E voltou a abrir o sorriso mais lindo que jamais vi igual em toda a minha vida...
_ Beleza então Bernardo.
Assim que terminei de falar, ouvi vozes de garotos chamando por ele e antes da cabeça dele desaparecer de cima do muro, ele falou:
_ Quando você chegar do supermercado, dá pra vir aqui em casa?
_ Pode ser, cara.
_ Tchau... Valeu, chapa e obrigado pela devolução da bola.
_ Beleza, cara...
Finalmente fui voltando ao normal e quando finalmente entrei embaixo da ducha, mamãe lá da porta da cozinha gritou:
_ Já terminou João Bosco?
_ J B mãe, por favor dá pra repetir pelo menos uma única vez, J B?
Seu olhar era por demais penetrante e me senti sendo escaneado naquele breve momento que tivemos juntos. E mais uma vez a certeza calou em minha mente... "ESSE CARA CERTAMENTE FARIA PARTE DE MINHA VIDA".
Terminei o banho, me vesti com a muda que havia levado e assim que penteei e prendi meus cabelos longos e pretos com uma simples liga, chamei minha mãe e saímos de casa...
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Apesar de minha ausência devo confessar que foi bastante complicado ficar sem notícias de alguns de vocês. Eu mudei, a vida mudou e muita coisa por aí também mudou.
Sou grato a todos vocês que sentiram minha falta e mais ainda a todos que sentiram a minha dor.
Afirmo que tudo já foi superado e que voltei pra nossa estrada muito mais fortalecido e consciente do que jamais estive.
Espero que possamos retomar nossa jornada e que encontremos uns nos outros a boa e velha camaradagem de outrora.
Um abraço apertado e cheio de saudades... Nando Mota.