- Alo? Eu respondi meio grogue quando atendi o celular. O pequeno relógio em cima do criado mudo indicava sete e meia da manha.
- Bom dia Filho.
- Você tá maluco? Porque está me ligando a essa hora?
- Isso é jeito de falar com seu pai? Meu pai respondeu meio irritado.
- Eu não tenho pai. Falei sem pensar.
Ele ficou em silêncio por alguns minutos, e eu também, por alguns segundos eu me arrependi de ter dito aquilo. Talvez ele estivesse tentando... Mas se não tivesse fugido talvez não precisasse tentar.
- Oi?
- Hum, sim, ainda estou aqui. - Ele respondeu com a voz embargada. Ótimo. - Queria saber se você não está interessado em vir a minha casa hoje a tarde.
- Pra que?
- Almoçar e conhecer a... Outra parte da minha família.
- A parte que tirou você de casa? Dispenso.
- Você ainda não conversou com sua mãe não é?
- Ah, você não pode...
- Por favor, não vamos discutir. Vou buscar você meio dia está bem? E traga uma sunga, aqui tem uma piscina.
Desliguei e me joguei de volta na cama. Lucas passou o braço longo e quente em volta de meus ombros. Seu sorriso era ainda mais encantador pela manhã.
- Bom dia amor. Ele disse meloso.
- Oi.
Me virei e dei um beijinho em seu nariz. Eu podia não amá-lo, mas gostar muito dos momentos que passávamos juntos. Ontem havíamos conversado até tarde e quando dei por mim estávamos nos beijando loucamente na minha cama.
- O que tá pegando?
- Coisas de família.
Lucas franziu a testa.
- Era sua mãe?
- Não, idiota, era meu... Pai.
Ele arregalou os olhos, se sentando na cama. O lençol escorregou, revelando seu peitoral liso e definido. Nossa, algumas vezes Lucas conseguia parecer mais gostoso do que já era.
- Você precisa me contar...
- Depois, agora vem aqui.
Falei pulando em cima dele para mais uma manhã quente.
Momentos mais tarde, eu passei pela porta da imensa casa do meu pai. Serio, só a garagem cobria duas vezes o espaço da minha casa. Ele estava de pé na porta, vestido uma roupa social demais pra ser casual, e com um sorriso amistoso no rosto.
- Venha, tem duas pessoas que eu quero que você conheça.
Eu parei.
- Quem?
- Hum, minha mulher e meu... Enteado.
Arregalei os olhos, mas não disse nada. Ele tinha outro filho? Agora sim estava enxergando o motivo dele não me procurar. Já havia outro em meu lugar. Andei atrás dele até a grande sala de estar cheia de aparelhos eletrônicos de última geração. Por um instante, eu pensei que fosse morrer. Pisquei várias vezes, mas nada aconteceu. O menino me encarava tão pálido e pasmo como eu.
Era ele. O garoto da boate da outra noite.
- Gabriel, estes são Olívia e Christopher. Disse meu pai como um anunciante de comercial. Credo. Meu coração batia tão rápido e forte que tive medo do meu corpo estar tremendo também.
Respirei fundo, e dei de ombros. O curso de atuação no ano passado até que veio a calhar.
- Hum, ei. Falei com voz de tédio.
A mulher, Olívia, loira, na faixa dos quarenta e bem vestida sorriu e veio me abraçar. Apenas fiquei parado e deixei que o fizesse. Não costumo abraçar estranhos. Christopher ainda estava lá, engolindo seco e evitando olhar para mim. Que seja.
- Vamos comer? - perguntou meu pai colocando a mão nas minhas costas. - Está tudo bem filho? Perguntou ele para o garoto pálido. Ele acenou positivamente com a cabeça e fomos para a copa. Claro que havia uma mesa farta e bela. Porém, quando nos sentamos, algo parecia... Estranho. Não era para eu estar ali. Olhei para as fotos na parede atrás de mim. Uma em particular chamou minha atenção. Eram eles três, na mesa de algum hotel e sorrindo felizes. Não era de se admirar que meu pai não me conhecia, ele não precisava. Ok, pela idade e traços do garoto ele não era meu irmão biológico, mas havia tomado meu lugar. Tentei me imaginar em uma foto com eles... Não parecia certo. Vivemos separados a vida toda e havia sido ótimo, talvez devesse continuar sendo assim.
- Eu preciso ir. Falei me levantando e indo até a porta. As lágrimas já vinham e meus olhos estávam ardendo. Mas eu não ia chorar ali.
- Não vai não. - falou meu pai atrás de mim. - O que está acontecendo? Foi alguma coisa que você não gostou?
- Sim, não, quer dizer, sim. Eu preciso...
- Não precisa não, Gabriel nós acabamos de encontrar novamente, tudo que eu quero é conhecer você e ser...
Segurando o choro me virei para ele. Christopher e Olívia estavam parados poucos metros atrás dele, com expressões confusas no rosto. Talvez fosse maldoso demais o que eu estava prestes a fazer, mas era meio que necessário.
- Meu pai? Pode esquecer. Você já tem um filho, que te dá orgulho e que você já ama. Não precisa começar do zero comigo. Não vou ser seu caso de caridade, ajude uma instituição se estiver se sentindo mal por ter me abandonado. Fique com sua família perfeita, porque eu to fora.
Puxei meu braço de volta pra mim e corri porta a fora. Pulei no primeiro táxi que vi e deixei aquilo para trás. Pra sempre, eu espero.
* * *
- Amor, eu sinto muito. - falou me abraçando forte enquanto eu chorava um pouco. Aquilo tudo havia mexido comigo mais do que eu esperava. Estávamos sentados em minha cama, eu praticamente todo encima dele. O celular dele vibrou na minha perna e eu o tirei de seu bolso.
Camilla Chamando.
Suspirei. Camilla era ex-namorada super gata e bacana, que me odeia, de Lucas. Eles treinavam juntos na academia há muito tempo e continuaram amigos depois de Lucas terminar com ela pra ficar comigo.
- Eu não preciso atender. Ele falou um pouco sem graça.
- Vá em frente, eu To legal.
- Não está com ciúmes está? Sabe que eu nunca trairia você.
E mais uma vez, senti um tijolo na cabeça. Conte a ele, a voz me dizia, conte a ele. Ouvi um barulho de porta batendo no andar de baixo e pulei para fora da cama. Desci as escadas correndo e quase escorreguei. Minha mãe colocou sacolas cheias na bancada da cozinha e me olhou parecendo cansada.
- Compras de emergência?
- Está mais para compras relaxantes. Você esteve chorando ou ainda está? Ela perguntou vindo até mim.
- Mais ou menos, ainda não decidi. O que aconteceu pro meu pai ir embora?
Ela me olhou meio cautelosa. Claro que era um assunto delicado. Hum, pra mim também era.
- Eu trai ele. - Minha mãe falou sem cerimônias. - Foi de repente, brigamos, eu conheci um rapaz em mim bar e... Quando percebi, estávamos na minha cama e então seu pai chegou e o resto você já conhece.
Eu a encarava, chocado demais pra julgar. Era engraçado, eu nem poderia, minha parcela de culpa estava no andar de cima conversando com a ex-namorada.
- Porque só estou sabendo disso agora?
- Acha mesmo que eu contaria isso para uma criança?
- Você não se importou em me contar que a Tia Beth namorava a minha professora de história.
Ela começou a rir.
- E que bom que eu contei, porque se não você não teria admitido que gostava daquele menino do acampamento... Qual é mesmo o nome dele? Andre? César?
- Ok, para, eu me lembro. Comecei a rir e lancei os braços em volta dela. Não queria julgar minha mãe por ter traído meu pai, todos cometem erros, e eu sei pelo seu empenho que ela se arrependeu. Mas isso também me dizia que eu tinha lidar com meus erros. Adiar a verdade não altera os efeitos.
- Porque ele foi embora sem se despedir? Perguntei.
- Eu achei melhor. Como ele havia viajado a semana toda a trabalho, você praticamente não o via há um tempo, então achei melhor que ele sumisse de vez. Me desculpe, eu estava magoada, confusa, chateada e com raiva. Não devia ter feito isso.
- Tudo bem mãe. É passado, e a senhora até que fez um bom trabalho.
Ela riu e me soltou, tirando um pote de sorvete de uma das sacolas.
- Tem uma coisa que eu preciso fazer, depois podemos comer sorvete e assistir Nunca Fui Beijada? Pedi.
- Ah, aceito o sorvete, e nem morta que irei ver esse filme de novo.
A apertei mais um pouco em meu abraço e voltei para o quarto. Por mais que eu não quisesse magoar Lucas, a história já havia ido longe demais.
- Está tudo bem? Ele perguntou quando abri a porta e percebi que ele estava sentado na minha cama com o celular na mão.
- Não. Tem uma coisa que preciso te contar. Falei choramingando. Segura essas lágrimas Gabriel, quem mandou trair? Agora seja homem.
- Ta me deixando preocupado, o que foi?
- Eu fiquei com um cara. Mas antes de começar a me xingar, me deixe dizer que já me arrependi muito e não significou nada. Foi só sexo e então...
Lucas se colocou de pé num salto.
- Você transou com ele?
- Sim, mas...
- Tem realmente um "mas" no meio disso? Acha que precisa tentar explicar?
- Lucas, desculpa cara, não era para ter sido assim.
Ele me olhou furioso.
- E era pra ser como porra? Tu me traiu seu filho da puta!
Ele se virou de costas para pegar sua jaqueta e quando a puxou com estupidez, algo caiu dela em meus pés. Era uma caixinha. Lucas me encarou, imóvel.
Peguei a caixinha do chão e abri... Um par de alianças, é claro.
Meu coração parou. Aquilo não podia estar rolando bem agora. Tudo o que eu sentia por ele se tornou culpa e remorso. Eu não queria magoar aquele garoto. Queria cuidar dele e dizer a ele que tudo era mentira, só uma brincadeira.
- Eu não...
- Não mesmo. Ele falou pegando a caixinha e saindo do meu quarto. Talvez pra sempre, desta vez.