TRILHA SONORA : JANTA- MARCELO CAMELO
O primeiro beijo. O momento mais esperado por qualquer adolescente. Os homens heteros esperam pegar a menina mais bonita da escola. As meninas heteros, o mais bombado e mais bonito da escola. Os gays, o mais fofo e perfeito. Mas todos tem o mesmo pensamento. Querem que seja um momento lindo, especial e inesquecível. Com a maior parte das pessoas é assim. Pra bom ou pra ruim. O primeiro beijo, tão esperado e dificilmente esquecido. Conheço muita gente que diz que o primeiro beijo foi algo horrível. "Dente batendo no outro, baba pra todo lado e nenhuma magia, mais parecia dois jacarés brigando pra ver quem ia engolir o outro" . A maioria disse a mesma coisa. Os homens, incluindo os gays, dizem que em sua maioria deixaram o BV com uma menina, sempre acompanhado com um "Que nojo !". As meninas, em sua maioria com meninos. A coisa mais difícil é a gente ouvir um " ah, meu primeiro beijo foi bacana". Estou nessa exceção. Eu, escritor anônimo, sempre sonhei com um primeiro beijo perfeito. Daqueles que a gente vê em filme. E mesmo todos me dizendo que não é assim, eu preferia acreditar que era. Cheguei nos meus 16 anos ainda sem ter beijado ninguém. E assim passei a estudar no Sólon de Lucena, em Manaus. Eu não diria que tenho uma beleza anormal. Sou normal. Tenho cabelos lisos, uma pele branca, estatura mediana, corpo magro, olhos castanhos. Não era feio, tudo o que eu tinha estava no lugar e me diria normal. Porquê nunca havia beijado ? Bem, não tinha pressa pra que isso acontecesse. Tinham diversas meninas que queriam, mas eu não queria que o momento especial se desfizesse só pra que eu pudesse sair cantando por ai que não era mais BV. Não, não perdi no jogo da garrafa, nem foi atrás da escola, nem foi um beijo roubado. Tudo começou quando ele chegou. Quem era ele ? Um garoto bem fofo. Alto, magro, cabelos cacheados, voz grossa, olhos pretos bem grandes, pele branca. Eu me atrai quase que de primeira por aquele novato. Com 16 anos eu já tinha plena ciência dos meus sentimentos, das emoções e da homossexualidade iminente que imperava dentro de mim.
- Quem é você garoto ? - a professora perguntou.
- Me chamo Leonardo professora - vi ele caminhar lentamente e a única cadeira vazia que tinha era atrás de mim. Sempre queria que algo assim acontecesse, que aparecesse alguém bonito durante um dos meus anos de estudo. Mas nunca aconteceu. Até aquele dia.
- Ei, você pode me passar os horários ? - ouvir aquela voz bem próxima ao meu ouvido me fez arrepiar.
- Claro - abri a primeira página do caderno e entrei a ele.
- Obrigado - vi ele anotar cada um dos horários direitinho. Quem seria aquele garoto ? De onde ele viria ? Será se nos tornariamos amigos ? Será se ele iria com a minha cara ? Porque quando nos atraímos por alguém nos fazemos tantas perguntas ? - aqui está. Qual seu nome mesmo ?
- Michel
- Prazer Michel - ele tinha um sorriso tão bonito. Esse garoto tinha que ser meu amigo !
TEMPO DEPOIS
Sempre me perguntei o porque existe esse tabu em relação ao primeiro beijo. E porque as pessoas querem tanto se livrar dele. Antes, só se beijava quando casava. Agora, as pessoas beijam o primeiro que aparecer não importa quem seja, apenas pra poderem se livrar do rótulo BV. Sempre que me perguntavam sobre isso, eu dizia a verdade
"- Meu, você nunca beijou ninguém ?
- Não. Qual o problema nisso ?
- Nem uma bitoquinha ? Ainda é BV cara ?
- Não.
- Ué, e porque você não beija qualquer um.
- Porque se eu quisesse perder a virgindade da boca com qualquer um eu beijava você !"
- Ei, é legal estudar aqui ? - novamente ouvi aquela voz.
- Eu acho legal. Sou novato aqui também, mas não tenho do que reclamar. As pessoas são bem hospitaleiras.
- Sério ? Estava com muito medo de não me dar bem aqui antes de vir pra cá.
- Porque ?
- Sei lá. Sempre passei por escolas ruins.
- Você morava aqui ?
- Não. Morava no Pará, mas meus pais decidiram se mudar.
- Ah sim. Sou novato aqui também, mas nasci aqui.
- Legal. Tem quantos anos.
- 16, e você ?
- Eu também kkk - nossa conversa foi fluindo e eu nem vi o intervalo passar.
TEMPO DEPOIS
O horário bateu. Mais uma vez era hora de ir embora.
- Vai de ônibus ? - perguntei, guardando minhas coisas.
- Vou.
- Vai pegar aonde ?
- Lá na plataforma do Millenium Shopping.
- Sério ? A gente pode ir junto, também pego lá. Aonde você mora.
- Alvorada II.
- Não brinca. Moramos bem pertinho um do outro então.
- Que coincidência - fui andando na frente - então quer dizer que você é flamenguista.
- Sou, doente pelo meu Mengo ! Pena que eu não pude ir quando ele veio na Arena, mas quando vier da próxima vez eu vou.
- Pois é. Agora resta saber quando vai vir - estranhei que ele não tinha falado de nenhuma menina. O colégio tinha meninas bonitas, eu ouvia meus amigos heteros falarem delas sempre, mas ele não falou nada. Sera ?
TEMPO DEPOIS
- Você vai pra lá ou pra lá ? - perguntei, assim que descemos do ônibus.
- Pra lá - ele apontou pro lado contrário ao meu.
- Ah sim. Eu vou pra lá. Então tchau Leonardo, até amanhã.
- Até Michel - nos cumprimentamos e eu comecei a andar. Culto, educado, fofinho, este era o resumo do novato do meu colégio.
MESES DEPOIS
Passados alguns meses desde a chegada de Leonardo, nos aproximamos e nos tornamos melhores amigos. Passei a chama-lo para vir até minha casa e ele me chamava pra ir na dele.
- Cola isso direito Michel, tá meio mole ainda - dizia ele, mexendo nas nossas estruturas de Química.
- Calma, tem que esperar a cola secar - dizia eu, colando mais alguns bolinhas de isopor.
- Minha mão tá cheia de cola - dizia ele, a mostrando pra mim.
- E a minha, tá cheia de tinta, depois de ter pintado mais de 170 bolinhas.
- Ia ser uma pena se você se sujasse né.
- Não está pensando nisso né ?
- Ah, só uma Marquinha vai !
- Não Leo, não me suja de tinta.
- Vem cá, só pra gente ver como fica.
- Não... Não ! - comecei a correr dele mas acabei chegando num quarto que não tinha saída. E ele entrou em seguida, não teve como sair.
- Só não mancha minha roupa - fiquei de costas pra ele porquê não queria que ele passasse tinta no meu rosto. Mas não é que mesmo de costas ele passou. Dois dedos, um de cada lado, melados de tinta preta. Só vi a marca - Leonardo ! - ele riu, olhando pelo espelho que tinha bem na nossa frente. Quando vi que estávamos nós dois, num lugar fechado, com ele atrás de mim, todos aqueles pensamentos e atrações adormecidos voltaram. A surpresa foi que ele desceu os dedos, pelo meu pescoço e se aproximou de mim. Sem nem eu perceber direito, nossos corpos haviam se colado, e eu podia sentir sua respiração próxima ao meu pescoço, como se ele estivesse descobrindo como era aquela região. Podia sentir direito seu corpo colado ao meu, e seus braços em meu abdômen naquele momento. Ele estava me abraçando por trás. - Leonardo... - minha voz saiu bem baixa por que aquela foi a primeira demonstração de carinho dele comigo. Meu coração acelerou ainda mais quando ele beijou meu pescoço - Leo... - mas de repente, e do nada ele me soltou.
- Eu... Eu preciso ir Michel... - nem deu tempo de dizer tchau. Lá ele me deixou, com o coração na mão.
TEMPO DEPOIS
Passou-se dois dias que ele não ia a escola. Comecei a desconfiar que estava com vergonha ou medo do que tinha feito no banheiro. Mas eu não ia desistir. Aquilo significava que alguma coisa ele sentia, e eu tinha certeza que sentia algo por ele. Eu queria beija-lo. Assim que sai do ônibus me encaminhei até sua casa. 5 minutos depois estava em frente daquele portão. Toquei a campainha e pouco depois apareceu a mãe dele.
- Ah, Michel ! Como vai ?
- Vou bem dona Andressa.
- O Leo não está com você ?
- Não, porquê ?
- Ele ainda não chegou. Deve ter ficado um pouco mais na escola - entendi logo. Ele havia saido de casa mas não tinha ido pra escola.
- Vou esperar ele aqui.
- Ah, tudo bem. Pode subir, não tem problema.
- Brigado - e mais uma vez eu estava naquele quarto. Ali já tinha dado muitas gargalhadas, ate chorar algumas vezes, e me divertido bastante. O imaginei naquela cama. Tudo o que eu queria era ve-lo. Vi diversos papéis jogados sobre a cama. Os peguei, e vi diversos desenhos nele. Esses desenhos quase todos eram do dia em que me abraçou. Fez o desenho dos seus dedos em meu rosto, dos seus braços me abraçando, até da sua boca beijando meu pescoço. Todas elas tinham escrito a mesma coisa " Porque não consigo te esquecer, garoto fofo ?" . Sorri ao ler aquilo, e me lembrei imediatamente de onde ele deveria estar. Ele sempre me disse que adorava ir para a praia da Ponta Negra. Que ela o fazia pensar, e principalmente o deixava romântico. Sai em disparada até lá.
TEMPO DEPOIS
Rezei para ainda o encontrar lá. Desci aquelas enormes escadas correndo e fui até a areia. Não demorou muito e o vi, sentado, deitado num barranco, com o uniforme do colégio, desenhando algo que eu acreditava ser o por do sol. Quando me viu, ele apenas parou de desenhar e deixou o caderno no lado. Fui próximo a ele e me deitei ao seu lado.
- Como me achou aqui ?
- Lembra que me disse que adora vir a Ponta Negra, que ela o ajuda a pensar ? - ele sorriu.
- Como você faria se fosse tímido, BV e estivesse louco pra beijar alguém ? - perguntou ele, fazendo meu coração acelerar na mesma hora.
- Diria isso pro alguém.
- O alguém está bem do meu lado - olhei para ele, ele continuava o olhar o sol partindo.
- Ei ?
- O que foi ?
- Gosto de você - e então ele se virou e colocou a mão no meu rosto.
- Eu também - se aproximou lentamente e me beijou, coroando todo aquele êxtase. Não foi um beijo babado, náo houve bater de dentes. Não estávamos afoitos. Estávamos apenas buscando descobrir as coisas da forma mais fofa possível. E foi ótimo. Assim que nos separamos, ficamos abraçados vendo o Sol dar lugar a Lua naquele dia abençoado. É, o primeiro beijo pode ser bom também. Pode ser o momento mais inesquecível da sua vida.
FIM
Gostaram ??? E então, como foi o primeiro beijo de vocês ? Comentem PF. Beijos