Pessoas nascem e morrem, um sai e outro entra no lugar. Penso em quanto somos exíguos nessa porra de mundo, penso até que somos como máquinas, foi isso que a indústria nos tornou. Quando alguém se sai diferente da maioria, esse merece ser remediado ou excluído, com suas opiniões silenciadas ou ignoradas, mas quem disse que tais loucos querem a “cura”?, eles querem ser o que são, fazendo sua diferença no mundo, sugar a liberdade como um sorvete expresso, pois eles são destituídos de LEI (segundo a ciência que “cura pela fala”). Sou sem freios, louco pra caralho, livre, cheio de demônios que me rondam, sou aculturado, preso em meus próprios demônios e fantasias estranhas ao mundo. Mas quando estou comigo mesmo, eu sei, não sou mais um pois não me encaixo em nada.
Andava sem destino, pela madrugada da perigosa cidade, na hora do lobo. Eu sabia que uma cama encontraria, mas não sabia qual, nem de quem, como fazem as prostitutas. Novo e burro, inocente o bastante pra acreditar em afegos na alma, malicioso o bastante pra saber como consegui-los. Encontrei um, dois, três homens... eles se apossaram de mim como metástase, me encheram de sabores diferentes em minha boca, fiz que gozassem, mas EU não sabia onde eu estava ali, apesar da ação, eu fazia num modus operandi, como uma MÁQUINA – não da cultura, mas de meus próprios demônios e fantasias peculiares. Não me lembro de seus rostos, da cor da roupa de algum ou nada que me faça caracterizá-los numa escuta policial.
O primeiro homem gozou e caiu fora, mais tempo para que eu continuasse minha busca. O segundo veio rápido, como um garotinho afobado, tentava mostrar uma ousadia que não tinha e clamava por admiração, portando-se como o “macho-hétero” que a maioria dos gays alucina. O terceiro era silencioso, não me perguntou nada pessoal, chegou sorrateiro e, nessa malemolência natural, acabou sendo o mais intenso e devastador, me fez querer me enveredar em seus mistérios e adentrar em seu ser, para captar sua essência e introjetar em mim, sua subjetividade. O quarto era um homem fútil, que vê o sexo pelo sexo, desses pedaços de carne que malha pra arrumar foda. O quinto era um adolescente, a priori senti raiva em vê-lo naquela rua concupiscente, eu me via nele, e isso não era bom, pois assim tinha consciência de minha própria prisão, mas daí me perguntei: “Ele obrigatoriamente se sente preso a uma compulsão? A idade é um parâmetro confiável pra me comparar psicologicamente com ele?” Segui em frente, como se minha boca necessitasse a todo o tempo ser ocupada, era apenas isso.
Quem me vê não imagina o que faço, às vezes desabafo, perguntam o porquê, apresentam-me meios e sempre penso o quanto estão por fora. Enclausurados em suas cápsulas de vidro sociais, seguem um modelo, sistematicamente imposto que lhes dão satisfação; eu não quero só comida! Não me dissocio dos eventos, pude ter sido alterado, num tempo longínquo o qual nem lembro, mas uma vez aberta, essa porta não pode ser fechada, pensei em fechar a porta, mas isso seria suicídio psicológico e, em última instância, suicídio físico.
Depois de chupar cinco caras (com intervalos de alguns minutos entre eles), andava de volta pro ponto de ônibus, onde de longe eu via travestis e mulheres bêbadas sentadas na calçada. Todas deveriam estar cheiradas, fartas de tudo - imagino por me conhecimento de causa -, mas em comum também tínhamos a satisfação, de termos nosso próprio dever pessoal cumprido, pois embora sejam deveres divergentes, ainda assim, eram deveres obrigatórios – pela necessidade monetária ou pela necessidade compulsória.
Ao chegar em casa pude me masturbar, consegui até me enxergar, foi um ato magnânimo que tive comigo mesmo. Durante o processo apertei um cinto de pressão no meu pescoço, amarrei na fechadura da porta do meu quarto a ponta do cinto, eu me deitei parcialmente, ficando com o pescoço elevado pelo cinto; quanto mais eu abaixava a cabeça, mais eu sentia que estava sufocando, caso eu escorregasse de supetão eu teria de ter muita habilidade e parcimônia para conseguir fixar as mãos no chão e me salvar de um enforcamento. Mero detalhe! Escorreguei até quase não ter ar, me debatia por oxigênio, mas eu tinha a mão esquerda apoiada no chão. Quando eu me aproximei do gozo eu resolvi soltar minha mão do chão, gozei e simultaneamente me sentia inconsciente, totalmente preenchido pelo prazer, tonto de prazer ao ponto de apenas gozar, sem me dar conta do que havia ao meu redor ou até mesmo do meu nome. Quando acabei de ejacular procurei desesperadamente pôr as mãos no chão, mas eu escorregava e ficava cada vez mais desesperado, estava cada vez mais fraco e inconsciente; numa fração de segundo me agarrei no cinto, tentando deslizá-lo da maçaneta, mas o nó era demasiado forte para o pouco tempo que eu tinha, eu morreria assim, para no final virar mais uma notícia cômica numa seção de jornal que, em tese, deveria causar lamento. Com um grande esforço eu aproximei os tríceps na porta, pude assim não escorregar ao apoiar as mãos no chão, não pense que planejei essa proeza, ela foi uma tentativa desesperada que deu certo.
Olhei-me no espelho, era um sobrevivente, não sabia se isso era ruim ou bom. Meu pescoço estava roxo, minha cara vermelha. Vomitei toda porra que tomei, simultâneo ao vômito veio lágrimas de raiva; eu não vomitava porra, mas sim todos aqueles homens, eles estavam entalados na minha garganta, eles eram como drogas que não se quer, mas se usa por necessidade. Talvez não seja loucura. Talvez uma lei interna, mesmo que dissociada de valores morais, seja uma lei tão aprisionadora como. No final das contas todos obedecem a estruturas invisíveis que nos comandam, até mesmo os loucos e os que acreditam na utopia da liberdade plena.