... querido Diário...
“Chris.
Tenho observado-a nesses últimos dias. Sinto algo estranho por ela.
Talvez atração...”
Fiquei encarando aquelas três primeiras linhas da primeira página do diário de Tomás. Acho que nunca três linhas me deram tanto desapontamento quanto essas. Se ele já começa escrevendo o diário com o nome dela, é bem provável que o resto do conteúdo seja bem parecido. Olhei mais um pouco aquelas palavras e fechei o diário. Minhas esperanças acabavam naquela palavra: atração. Coloquei o caderno de volta no lugar e passei a mão pela cama dele.
Minha vontade era de fugir. Mesmo que eu não pudesse ir longe. Mas ele certamente viria uma lógica em tudo e saberia que era tudo culpa minha, por ter lido seu diário. Sim. Eu tinha que arranjar alguém rápido. Alguém que me faça esquecer meus sentimentos por Tom. Alguém tão especial quanto ele. Deitei na cama e esperei que ele voltasse.
Acabei adormecendo.
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O cheiro era de terra molhada. O clima era de desejo. Desejo que faz a gente querer ter um cobertor mais grosso. Abri os olhos e a primeira coisa que vi foi a extensão de uma cama. A cama de Tomás.
Forcei a vista: a central de ar estava ligada em uma temperatura baixa. Quando me deitei, ela nem ao menos estava ligada. Então rolei na cama e senti que algo pesava em um ponto na cama, na altura da minha bunda. Olhei Tomás sentado, estático, me observando. Seus olhos verdes estavam escuros, misteriosos e me assustavam. Sua expressão labial era dura e parecia que não estava vendo um amigo de infância e sim um desconhecido ou um ladrão.
Ele não reagiu ao ver que eu já estava olhando-o, apenas continuou. Meus olhos iam de seus olhos assustadores a sua boca sem expressão concreta. Ele devia ter percebido que eu não parava de examiná-lo também.
- Tomás? – finalmente eu disse. Meu tom de voz era baixo e possivelmente medroso. Ele não respondeu.
- Tomás? – repeti.
Toquei seu ombro e ele apenas seguiu, com os olhos, o meu braço até chegar em seu ombro. Ele estava olhando minha mão pousada nele e quando eu percebi aquilo me assustei muito. Ele parecia querer me espancar por ter tocado nele. Deixei minha mão cair e acabei deslizando os dedos pelo seu peitoral. Ele segurou minha mão em seu peito e eu podia ouvir seus batimentos.
- Você está bem? – ele me perguntou. Soltei o ar aliviado. Sua voz era doce.
- Não, mas você me assustou muito agora. O que aconteceu?
- Eu estava olhando você dormir e me desconectei da realidade. Quase nem ouvi você falar.
- E por que você estava tão sério?
Ele me olhou como antes de novo. Sem dizer nada, ele virou a cara pro criado-mudo onde estava seu caderno/diário.
- Você leu, não foi? – ele não estava me olhando.
- O seu diário? – disse enquanto meus batimentos saiam da ordem, descompassados. Era claro que ele estava se referindo ao diário. Ele virou seu rosto para mim e me encarou novamente.
- Você sabe que eu estou falando dele, então não minta pra mim, Dan. Você leu, não foi?
- Na verdade, li. Mas só as três primeiras linhas, eu juro.
Ele parou de olhar pra mim e pegou o diário. Segurou em suas mãos e abriu para ler. Disse em voz alta:
- “Chris. Tenho observado-a nesses últimos dias. Sinto algo estranho por ela. Talvez atração...” – ele fez uma pausa – É isso? Foi só isso que você leu?
Assenti com a cabeça. Ele se levantou e caminhou em direção a porta. E não parou. Desceu pela escada. Eu fiz um esforço enorme para ficar de pé e comecei a cambalear em sua direção, só que quatro vezes mais lento.
- Desculpa, Tom!
Eu já estava quase chegando na escada, tinha conseguido andar apenas uns seis metros, quando ele apareceu, subindo a escada com uma sacola na mão. Ele me entregou a sacola e me ajudou a voltar pro quarto. Me sentei na cama e ele ao meu lado. Tirei da sacola um pote de sorvete Tablito.
- É o meu favorito! – eu disse – Como você sabia?
- Observei você.
- Você é bom nisso afinal não é? – não era uma pergunta. Eu falei sem querer, mas ele percebera que eu estava falando ironicamente, me referindo ao fato de ele observar a Chris – Desculpa... Eu não queria ter dito isso.
- Tudo bem... – ele disse parecendo meio triste. Eu soltei um sorriso sem humor nenhum.
- Você me trouxe um pote do meu sorvete favorito, tá cuidando de mim e eu tô aqui, falando besteira. Sou um péssimo amigo.
Para a minha surpresa ele não disse nada, o que me mostrou que ele concordava comigo. Eu olhei pro pote e abri. Peguei uma das colheres que estavam dentro da sacola e provei. Acabei soltando um gemido quando senti o sabor gostoso do sorvete e percebi que Tomás tinha sorrido sem mostrar os dentes. Isso me animou.
- Você quer um pouco?
- Não.
- Não, você quer sim. Está sendo educado.
- Não, eu não quero...
- Minha única forma de me redimir com você depois de tudo o que eu fiz é colocando o sorvete na sua boca, porque, aliás, nem fui eu quem comprou ele.
- Não precisa, eu comprei outro. Ia abrir só amanha...
- Você VAI abrir só amanha. Porque você vai comer comigo agora – enchi a colher e levei a sua boca. Ele me olhou e apenas abriu a boca. Eu coloquei a colher na sua língua e ele comeu.
- Muito bom mesmo... – ele disse assim que acabou de engolir.
- Então come mais, mas por sua conta. Chega de dar de comer pro bebezinho – nós rimos.
Depois de um tempo, não resisti aquele silencio e perguntei a ele.
- Tem algo acontecendo não tem?
- Do que você está falando?
- Você está estranho. Não tem feito piadas safadas comigo, não tem falado como antes. Está mais... Misterioso.
Ele apenas ficou me olhando. Seu rosto estava inexpressivo. Então analisei melhor a situação e esclareci.
- Você está assim desde quando voltou da Ali, foi alguma coisa que ela disse?
- Não, que isso...
- Ela culpou você por deixar isso tudo acontecer comigo? Por favor, perdoe ela, ela está meio confusa com tudo, não sabe o que está dizendo...
- Não foi nada com a Alicia. Não se preocupe.
- Então o que está acontecendo?
Houve uma pausa e nesse momento ficou claro que Tomás estava arrumando tempo para inventar uma desculpa suficientemente convincente.
- Minha mãe. Ela está morrendo.
Senti a vista pesar consideravelmente.
Continua...