COM O DIABO NO COURO - Terceira Parte
Então ele abriu lentamente os olhos e fitou o teto pintado de claro. Sabia a cor, mas não lembrava o nome. Aliás, sua mente estava embotada, como se tivesse acabado de acordar de um coma profundo. Percebeu-se totalmente nu, com as mãos cruzadas sobre o peito. Tentou movê-las e sentiu as juntas entrevadas, como se estivessem naquela posição por muito tempo. Insistiu e sentiu as articulações rangerem. Era estranho, pois tinha certeza de que há muito não experimentava aquela sensação. Dor. Achou que era assim que chamavam aquilo que o incomodava agora. Sim, as junções dos seus membros superiores doíam. Mas estava deitado numa posição desconfortável e precisava levantar. As costas também rangeram quando conseguiu ficar sentado. Então, percebeu que estivera deitado num esquife.
Olhou em volta, avistando velas, parcialmente consumidas, que iluminavam o local. Suas chamas dançavam ao serem açoitadas pela leve brisa vinda da janela. No entanto, via os traços cabalísticos riscados a giz, no chão, cujo centro do pentagrama era o féretro onde estivera deitado. Com algum esforço, moveu as pernas para um dos lados e conseguiu chegar ao solo. Mas quase pisa num corpo estendido no chão, sobre um velho livro...
Eva. Foi o primeiro nome que lhe veio à mente. Mas a mulher nua, caída de bruços aos pés do altar de mármore negro, que servia de base para o caixão mortuário de onde descera, não era ela. Tocou com as pontas dos dedos em seu peito e sentiu a frieza e rigidez da morte. Quando avistou o belo corpo desnudo, ficou excitado. Lembrou-se de como era bom fazer sexo com Eva. Olhou para o pênis enrijecido e levou a mão até ali. Sentiu uma imensa vontade de copular. No entanto, lutou contra o desejo de se masturbar. Mais uma vez olhou em volta, tentando se lembrar de como chegara até ali. Era uma sala ampla, sem nenhum móvel a não ser o altar de mármore e o esquife em madeira talhada, com fino acabamento. Havia riscos de giz branco no chão e nos lados do altar. Palavras em uma língua antiga, que ele achava estar esquecida. Palavras que lhe lembravam um antigo feitiço. Mas não conseguia recordar qual...
Sentiu-se enclausurado e quis deixar aquele aposento. Andou até a janela aberta e viu que era noite. Olhou para baixo. O chão estava um pouco distante, iluminado por diversas luzes em movimento. Estaria em uma torre altíssima? Que tipo de castelo teria aquela altura? Também nunca vira aqueles demônios de olhos acesos, emitindo fachos de luz, transitando no solo abaixo do castelo. No entanto, percebera haver construções menores por toda parte, todas fartamente iluminadas. Então, mais uma vez, sentiu o cheiro de Eva...
Cruzou a ampla sala do apartamento onde estava e abriu a porta de entrada. Não viu ninguém. Através das várias portas fechadas dava para sentir, pelo cheiro, que havia humanos por trás delas. Achou aquele castelo cada vez mais estranho. Escutou um barulho de correntes rangendo e aproximou-se de uma porta larga, tendo acima dela um retângulo com números que se iluminavam alternadamente em ordem crescente. Um botão ficou iluminado, ao mesmo tempo em que ele ouviu, mais próximo de onde estava, aumentar o barulho de correntes. A porta se abriu e um humano do sexo feminino apareceu, ficando apavorada quando percebeu sua nudez. Ele não entendia sua língua, mas farejou seu medo. Algo na fêmea lhe lembrava Eva. Não. Lembrava o Criador e o castigo afligido ao seu primogênito com Eva. Sim. A fêmea tinha a tez negra, a mesma cor que ficou a pele do seu filho, quando foi banido e marcado pelo Criador.
Um emaranhado de sentimentos assaltou-lhe a mente. Revolta, temor, ódio, cobiça, inveja. Vontade imensa de copular novamente. Aí, percebeu que esses sentimentos não eram dele e sim da fêmea que continuava apavorada, acuada naquele cubículo cheio de espelhos. Não podia deixar que ela gritasse e alertasse os outros humanos. Levou a mão rapidamente à testa da mulher e tocou-lhe com a ponta dos dedos. Ela estancou imediatamente. Abandonou a expressão de pavor e caminhou em transe, à sua frente, pelo imenso corredor cheio de portas fechadas. Nenhuma foi aberta, apesar dele sentir o cheiro de humanos escondidos, por onde passava. Até que a fêmea marcada pelo Criador meteu umas chaves numa fechadura e abriu para ele os seus aposentos, convidando-o para entrar com um sorriso de felicidade nos lábios. Parecia estar sonhando acordada...
Percebeu várias vestes espalhadas pelo cômodo. A fêmea tinha um tear, armado num canto. Mas era algo diferente. Muito moderno para os que ele vira nos idos tempos em que esteve vagando pela terra dos humanos à procura de Eva e do seu primogênito.
A mulher estava deslumbrada a olhar para seu corpo nu. Disse-lhe algumas palavras, mas num idioma que ele não conhecia. Depois, afastou-se e caminhou até um dos aposentos da moradia. Voltou trazendo algumas vestes e lhe ofereceu. Ele vestiu-as, diante de um grande espelho. Pareciam terem sido feitas sob medidas para ele. Assentaram-se elegantemente em seu corpo esbelto. Os cabelos longos derramaram-se pelos ombros, dando-lhe um porte majestoso. Agradeceu, beijando-a ternamente na boca. Foi quando sentiu fortemente o cheiro de Eva. Vinha do sexo dela.
Ela agachou-se, ficando entre ele e o espelho. Pareceu obedecer a seu comando mental. Despiu o corpo que acabara de cobrir com as vestes que havia ofertado. Libertou aquilo que satisfazia a sua fome e colocou na boca. Ele ficou olhando aquela imagem gulosa em seu falo. Não, aquele não era seu corpo. Mas se adaptava conforme o desejo da fêmea. O falo ia tomando forma avantajada à medida que a mulher o desejava maior. A fêmea voltou a engolir seu majestoso mastro com mais prazer. Então, defronte do espelho, ele percebeu que seus olhos, que eram totalmente brancos como os de um cadáver, foram ficando vermelho-rubros. À medida que ela ia saciando sua fome de sexo, ele ia ficando mais forte. A rigidez do corpo, que agora possuía, aos poucos foi se desfazendo. No entanto, sua fome de sexo era insaciável. A dela também. Então, ela tirou suas vestes totalmente e ficou nua, postada à sua frente. Depois, levantou-se cochichando ao seu ouvido, como se estivesse num transe profundo:
- JURA SATISFAZER MEUS MAIS SAFADOS DESEJOS?
Ele, tentando descobrir as vontades da senhora, aproximou-se e tocou de leve o rosto melado pela felação, meio que atormentado devido às dores em seu corpo. Depois percorreu com os olhos a pele de Leila enquanto suas mãos se embrenharam coxas adentro e sorridente inspirou o olor de sexo que subia até suas narinas. Mas havia um desejo que ela considerava profano, por isso bloqueava com toda a força do seu ser para que ele não descobrisse. Não pensava exatamente nele e sim em outro belo espécime masculino, iluminado, quando ainda em transe, gemendo e empinando mais as nádegas, disse-lhe:
- Quero gozar em uma boca. Pode me satisfazer esse desejo agora?
Ele, por sua vez, sem entender o idioma que ela falava e apalpando as mamas da costureira por debaixo da blusa, com cuidado, posicionou-a de quatro, sobre o sofá. Inspirou o olor que dela vinha, e contemplou a vulva dilatada e melada de desejo. Deslizou a língua pelos grandes lábios até chegar ao grelinho, onde se dedicou lenta e maliciosamente. Era uma de suas mais prazerosas atividades quando conjurado. Fazer uso de todos os sentidos. Olfato, tato, paladar, tudo dedicados à vulva feminina. Roçando com o nariz, absorvia o agradável aroma que dela saia e sentia-se cada vez mais forte.
A costureira remexia-se, entregava-se e pedia:
- Tua boca. Quero tua boca...
O estranho ser, satisfazendo sua forma material, realizava movimentos cadenciados com a língua, ora penetrando, ora lambendo, por vezes sugando. Agradava-lhe sentir as contrações musculares. E com uma das mãos alternava entre toques no grelinho e em seu mastro ascendente.
Analisou a mulher enquanto a massageava. Tinha os cabelos escuros e ondulados, e uma boca antes tão apetitosa em seu falo. E quando a sentiu totalmente entregue aos seus domínios, deslizou os dedos da vulva até a entrada do ânus. Massageou a entrada com certa dificuldade. Retirou-os e os levou até a boca, sorvendo o sabor e cuspindo, para voltar a lubrificá-lo, com movimentos circulares.
- Lambe tudo, bem gostoso!
Ele prontamente atendeu o desejo. Com a língua serpentina, agora entre ânus e vulva, lambeu, beijou, sugou e chupou. A mulher não fazia esforços para conter os gemidos. De vez em quando, proferia uma palavra antiga, que ele conhecia muito bem: Aleluia, Aleluia! Remexia-se empurrando os quadris em direção àquela boca. Por vezes ele manipulava o ânus com a ponta dos dedos. Até que ela escarneceu-se, balbuciando que Jesus fosse louvado.
E, sugando todo o gozo, abasteceu-se de mais energia bacante enquanto beijava-lhe o sexo. Então, com a mulher desfalecida no sofá, ele espreguiçou-se, sentindo os estalos das juntas a desatarem. Finalmente, saiu do apartamento e voltou-se ao corredor e às portas.
Enquanto andava, tentava reconhecer o lugar. Distinguir os sons vindos dos cubículos e, quando estava no final daquele fechado caminho, pressentiu uma porta que estava por se abrir e voltou-se enfeitiçado pelo aroma corrente.
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Sob o chuveiro, toda ensaboada, eu era capaz de sentir até o toque das mãos dele em meus cabelos desalinhados. A imagem dos olhos negros e intensos aparecia ardente até entre meu piscar fugaz, instigando e paralisando meus pensamentos. Olhos - muralhas, intransponíveis sugando a alma - me tornando cativa voluntariamente. Tentei me lembrar dos demais traços, mas somente os olhos penetravam minha mente.
Lembranças tão nítidas e vívidas. Eram quase que reais. Ele aproximou-se da cama, mansamente. Largou-me um beijo maculado, misturando respirações, seguido de uma carícia leve em minhas nádegas. Surgiu a chama pujante, gananciosa, acelerada por gestos e movimentos, até que sussurrei, devido às lembranças, dentro da ducha:
- Ahhhhh, por quanto tempo estive à tua espera!
No sonho a figura misteriosa surgiu, despiu-me de forma inebriante, cheio de atitudes genuínas e força, como quando saltou me puxando para a claridade e exclamando:
- És perfeita, tenho que olhar para teu corpo... Dança somente para mim?
E então nos admiramos sorridentes e, cúmplices, dançamos voluptuosamente. Remexi os quadris, elevando as mãos e me acariciando e lhe acariciando. Totalmente nua, até que entreguei. O elo estava forjado em fogo e suores, num ciclo vicioso de desejos.
Quando formei essa imagem na cabeça, senti-me explodir. Durante os segundos que duraram os espasmos em meu corpo, vi tudo em câmara lenta. As gotas d’água, milhares de cores, o assoviar do vento. Meu pensamento estava preso a ele. Estava acorrentada aquilo que eu sentia.
O orgasmo acalmou a excitação. Mas eu precisava de mais, como se fosse uma droga. Sorri sagaz, lembrando da boca provocando-me a limites insuspeitados. Fechei o chuveiro e os olhos e pedi que fosse real, que findasse meu martírio.
Já seca fui até a cozinha, pegando uma maçã para saciar a fome enquanto lembrava os meus últimos dias. Pensei em Selem e na admiração que sempre senti por ele. Não entendo nosso afastamento e isto muito me entristeceu. Porque nunca consegui me entregar totalmente em nosso relacionamento. Principalmente no sexo. Sempre me pareceu que algo impedia que eu satisfizesse meus desejos com ele, mas nunca identifiquei o quê.
Deu-me vontade repentina de abrir a porta de meu apartamento e percebi um estranho aroma no ar. Tentei reconhecê-lo, pois me era familiar. Sim, cânhamo indiano. Lindas folhinhas finas e denteadas que eram abominadas por seu pai Charif, quando passeávamos nos campos ao redor de Beirute. Busquei entre as portas do corredor e nada identifiquei. Também a ninguém enxerguei pelas escadarias escuras. Como ainda era cedo da noite, resolvi seguir para o shopping. Queria me afastar das lembranças do sonho e esquecer a rejeição de Selem.
FIM DA TERCEIRA PARTE
Escrito por Ehros Tomasini e Diana Aventino