No dia marcado eu e meu pai fomos até Guarulhos pegar nosso voo para a Holanda. De lá nós iriamos para Paris, Londres, Berlim e qualquer outra cidade que nos chamasse a atenção.
A gente ficaria quase um mes viajando.
Uma coisa que eu posso falar: foi a viagem mais incrivel que eu fiz na minha vida. Eu mesmo não sabia que meu pai era louco do jeito que era. Nessa viagem ele voltara a ser jovem, destemido, doido de tudo.
Ele não media esforços para se divertir. Ele entrava em todas as lojas, tirava foto de tudo, ia nos locais mais loucos entrava nas baladas mais insanas... Nem eu tinha pique para acompanha-lo.
Na noite de natal eu e ele fomos até a casa de um cara que conhecemos em um bar na Suiça. Que familia gente fina! Loucura, a gente nem conhecia eles, mas eles nos receberam em sua casa e nos trataram como velhos amigos.
No ano novo, passamos em Berlim. Bebemos muito. Tive que cuidar do meu pai bebado de noite. EU estava adorando aquilo tudo. Eu nunca pensei que podia me divertir tanto como nessa viagem maluca.
Eu e meu pai não tiramos nenhuma foto. Não compramos nenhuma lembrança. Aquela era uma viagem só nossa. Um momento ímpar de pai e filho. Algo que, em muito breve se tornaria só meu.
No dia de voltar para o Brasil meu pai me falou:
- Como eu queria ter feito isso mais vezes... A gente sempre pensa no dinheiro, em juntar dinheiro, em guardar, em reter recurso. Para que? Filho, uma dica que eu te dou: Não poupe recursos para ser feliz! Por que no fim, nada mais importa... – Abracei meu pai e entramos no voo.
Eventualmente minhas aulas começaram. Eventualmente meu pai começou a dar trabalho. Ele perdia o controle do seu corpo, perdia controle da sua mente, perdia controle do que acontecia com ele.
Eu tive que pagar alguem para ficar com ele a noite, enquanto eu ficava na aula.
Era lamentável ve-lo naquela situação. Cancer é realmente uma doença monstruosa, avassaladora. Eu chorava todas as noites pelo meu pai. Eu que não era religioso, pedia forças a Deus para me ajudar.
No meio dessa situação cansativa e estressante dessa eu posso ter deixado passar algumas coisas. A mais importante delas... Théo estava na minha sala. Ele não falava comigo, ele não olhava na minha cara. Ele só estava ali.
Todos na sala conheciam minha situação. Não sei como ficaram sabendo, mas sabiam que eu fazia UNIFEI e larguei para ficar com meu pai. Grande parte deles achava uma atitude nobre.
Mas uma hora o inevitável aconteceu. Eu estava na aula, quando me chamaram fora da sala. Era o reitor e a psicologa da faculdade.
- Fernando... Seu pai... Entrou em colapso agora a noite. Ele está no hospital. Um carro já está pronto para levá-lo – Entrei em choque. Fiquei sem reação. Simplesmente segui eles até o carro e, em seguida, até o hospital. Durante todo o caminho a cidade parecia... morta... sem vida... sem luz... sem cor...
Cheguei no hospital e fui direto até onde meu pai estava. Entrei e meu pai estava lá, ainda vivo, mas muito fraco. Entrei no quarto e meu pai chorava. Eu chorei também.
- Pai...
- Fernando... – Ele falou com a voz fraca.
- Eu te amo tanto pai! – Eu disse chorando, o abraçando.
- Filho... Eu só te peço uma coisa...
- O que pai? Diga qualquer coisa!
- Perdoe sua mãe. Ela não fez por mal. Ela não tem culpa. Ela... não entende... – Eu chorava muito. Chorava igual uma criancinha. Talvez eu fosse mesmo uma criancinha. Eu não respondi e meu pai falou:
- “Eu vos dou um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros – João 13,34”. – Isso acabou comigo. Destruiu todas as minhas defesas.
Eu abracei meu pai. Ele faleceu logo em seguida. Os enfermeiros entraram correndo, médico entrou correndo, tentaram tudo, mas não teve jeito. Meu pai estava morto.
- Sr. Fernando... Infelizmente... Seu pai não resistiu. Tentamos todas as técnicas de ressucitação, mas... A situação dele estava em ponto crítico. Não há nada que poderiamos ter feito. Sinto muito...
Eu vinha me preparando por esse momento durante um bom tempo. Mas nada saiu com o jeito que eu planejava. Eu chorei mais do que eu imaginei. Bem mais, muito mais.
Fiquei sentado do lado do meu pai sem saber o que fazer... Fiquei lá até a hora que algumas pessoas começaram a chegar. Funerária, advogado, hospital tudo precisava de mim. Mesmo eu não estando na minima condição, eu teria que resolver tudo.
Foi o que eu fiz... Juntei o pouco de resistencia a tudo que eu tinha e arrumei e resolvi todos esses problemas.
Antes de ir para onde seria o velório, fui para casa. Peguei uma dose de puro malte do meu pai, que ele guardava na sua coleção de whiskys.
Amargo. Seco. Mas isso não fazia diferença para mim. Fiquei ali, tomando whisky sentado olhando o vazio por um bom tempo. Depois desse tempo, fui até o velório. Tinha apenas eu, alguns amigos dele e mais alguns colegas meus.
Pouco a pouco foi enchendo. Meus tios, avós e outras pessoas chegaram em seguida. Eles sabiam que meu pai estava doente, mas não que era tão grave a ponto de morrer derrepente.
Marina chegou e me abraçou forte. Eu, talvez, era um dos únicos que não chorava naquele lugar. Eu ficava sentado do lado do meu pai, recebendo abraços de todos que chegavam. Alguns me falavam palavras de força, falavam palavras de conforto, alguns contavam como ele era uma boa pessoa.
Nick e Nat chegaram um pouco mais tarde. Nick me abraçou forte. Nat mais forte ainda. Eles ficaram ao meu lado o tempo todo. Não sairam do meu lado. Como fieis escudeiros, me ampararam e deram força.
Minha mãe chegou também. Foi a única hora que eu saí de perto do corpo do meu pai foi quando ela estava lá. Assim que Nick viu ela, ele me tirou de perto, no estado que eu estava, a treta era certa.
Mas do contrario passou tudo bem, quer dizer, observando as devidas proporções e expectativas... O velório durou a noite inteira. Meu pai só foi enterrado ao nascer do sol.
Após o enterro de fato, eu, Nick e Nat fomos para a minha casa. Ficamos lá, nós tres, na sala. Nat fez café e torradas para a gente.
Enquanto eu comia, a campainha tocou. Nat foi correndo atender a porta. Achei que fosse algum amigo do meu pai, advogado, hospital, funeraria, querendo resolver algo em aberto.
- NANDOOOO! VEM CÁ! – Quando Nat me gritou, eu fui.
Théo estava ali, parado, me encarando com aqueles olhos de tirar o folego. Nat percebeu que eu algo estava no ar e falou:
- Eerr.. Eu vou lá pra dentro! – Nat passou por mim. Théo esperou ela entrar e me falou:
- Fer... Você... Você está bem? – Ele perguntou com a voz preocupada.
- Meu pai, a pessoa mais incrível que eu conheci, morreu hoje. Estou excelente! Em fato, estou tendo o melhor dia da minha vida! – Falei em um tom ironico e nervoso ao mesmo tempo. Théo esboçou falar algo, mas eu o interrompi.
- Theodor, por favor. Não finja que se importa, pois você não se importa. Nunca se importou. Não me venha bancar o amiguinho agora. Então só saia da minha casa – Eu falei calmo, me contendo para não brigar com ele. Mais uma vez ele esboçou de falar algo, mas foi Nick quem interrompeu:
- Está tudo bem aqui?
- Sim, até mais – Théo disse, indo embora batendo o portão da minha casa.
- Está tudo bem, Nando?
- Nesse caso isolado sim, Nick – Ele entendeu o que eu quis dizer.
Voltamos para a cozinha. Nat me olhou, olhou para Nick e me olhou de volta.
- Quem era o gato? – Nick fuzilou ela com os olhos. Eu ri. Nat sendo Nat.
- Aquele é o Théo. O cara mais babaca que eu conheço. Hoje, o assunto geral vai ser eu. Todos sabem que eu sou: o menino que largou a UNIFEI para cuidar do pai com cancer. Meu pai morreu. Ele veio até aqui para hoje ser a fonte de noticias, para se passar pelo mocinho que ajuda o amigo em uma situação trágica. Não minta Nat, mulheres derretem o coração por essas coisas. – Nick me olhou assustado pela frieza no meu comentário.
- Bom... Desculpa mas... Ele não precisa muito disso para derreter o coração das meninas – Eu ri.
- Vamo muda de assunto? – Nick me falou.
- Claro! – Eu sorri – Vamos falar mal da vida alheia.
- Ai amigo, você não sabe o que aconteceu com a Karen – Nat começou a falar mal da vida alheia. E eu fiquei ali, só escutando ela falar. Pensando em qual seria o próximo passo da minha vida.