PROSTITUIÇÃO MODERNA – Parte 15
Fiquei dentro do meu carro, olhos fixos na entrada do luxuoso hotel, esperando meu rival aparecer. Como não tenho ar condicionado, abri um pouco a janela, apenas o suficiente para circular um ventinho. Foi justamente por essa pequena abertura que senti o cheiro de sabonete fino vindo de um corpo recém tomado banho. Quando olho naquela direção, eis que me deparo com o cano de uma arma apontada para mim. O suposto amante da minha mulher bateu com os nós dos dedos na vidraça, exigindo que eu abrisse a porta do carro no mesmo instante em que meu celular tocou. Ele mandou que eu desligasse sem atender. Fiz o que ele disse, mas antes vi de quem era a ligação. Tratava-se de Carmelita. Supus que quisesse matar a saudade de mim, me desejando uma boa noite por telefone. Depois eu ligaria para ela. Abri o trinco da porta do carro.
O cara entrou agilmente no veículo, quase encostando a pistola no meu rosto. Disse que lá de cima, do quarto do hotel, tinha me visto rasgar os pneus do seu automóvel. Perguntou quem eu era e por que havia feito aquilo. Abri o jogo. Falei que o havia visto beijando minha esposa e o segui até ali. Ele olhou fixamente para mim, depois deu uma sonora gargalhada. Tive ganas de me atracar com ele, por estar me ridicularizando, mas o cara guardou a arma depois de parecer me reconhecer. Ele também não me era totalmente estranho, mas eu não lembrava bem onde já o tinha visto. Perguntou se eu estava com fome. Aquiesci com a cabeça. Mandou-me relaxar e fazer a volta com o carro. Iríamos para um restaurante onde serviam uma ótima picanha e lá a gente conversaria. Apesar da ameaça da arma, eu não ficara nervoso. E estava querendo mesmo resolver aquela situação, além de estar com a barriga roncando de fome.
Fomos para um restaurante chique da orla sul do Recife. A própria dona do estabelecimento, uma coroa boazuda e de turbante vermelho na cabeça, combinando com o vestido que usava, veio nos atender sorridente. Depois que beijou meu rival nos lábios, ele me apresentou como marido de uma de suas clientes e eu corei, sem coragem de olhar para a mulher. Imaginei que ela, naquele momento, estivesse se divertindo às minhas custas, me chamando de corno manso, amigo do urso ao ponto de andar com ele pra cima e pra baixo. Mas eu estava disposto a me vingar do cara, por isso engoli em seco a humilhação. Ele chamou-a num canto e estiveram conversando. Ela olhou várias vezes para mim com cara de quem me achava um pobre coitado. Demonstrava estar com pena de mim. Desviei o olhar, para não trair a vontade que eu estava de esganar o cara. Olhei em volta. O restaurante não estava muito cheio. Escolhi uma das mesas e me sentei.
Pouco depois, o cara sentou-se junto a mim. Pediu desculpas pela demora e estendeu-me a mão, apresentando-se como Ivo Moura, psiquiatra de minha esposa. Sim, a voz não me era estranha. Era a mesma que me ligara relutante em continuar o tratamento de Valéria. Também se desculpou pelo beijo que trocaram, afirmando que a conhecia desde criança e que já haviam sido namorados na adolescência. Costumavam dar um “selinho”, sempre que se encontravam, e eu não deveria sentir ciúmes dela por conta disso. Não sei por que, acreditei que ele estava dizendo a verdade. Perguntei por que haviam acabado o namoro. Ele esteve pensativo por um instante, depois me perguntou se eu sabia a origem da doença mental de minha esposa. Eu não fazia a menor ideia. Então me fez uma série de perguntas estranhas, indagando-me sobre o relacionamento de Valéria com o pai dela. Parecia já saber do meu acordo com o velho. Aliás, me fez uma pergunta direta se referindo a isso. Curioso com toda aquela conversa, decidi colaborar respondendo aos seus questionamentos de forma sincera. Aí o cara me confidenciou uma história que me deixou perplexo.
Contou-me que meu finado sogro ficou furioso quando descobriu que havia sido enganado pela esposa e que esta raptara a filha da irmã para substituir a própria filha que havia perdido num aborto involuntário. Só que o velho era um tarado e, sabendo que Valéria não era sua filha, passou a assediá-la. Costumava oferecer grandes quantias em dinheiro à adolescente para que esta o chupasse, ou para ter sexo anal com ela. Tudo isso com o conhecimento da própria esposa, que não se rebelava por temer que ele botasse ambas de casa pra fora. A mulher era muito apegada a dinheiro, por isso permitia a violação da garota. Até porque, na cabeça dela, Valéria não era sua filha legítima e odiava a mãe dela, sua irmã, da qual tinha roubado o noivo fingindo uma gravidez pois transava com ele às escondidas. Pressionada por aquela que achava ser sua mãe, minha esposa era forçada a ter sexo com o empresário em troca de dinheiro. Muito dinheiro. A mulher que a criara dizia que este seria necessário para um dia fugirem para sempre para longe do marido tarado, e ela acreditava nisso. Sabia que o velho não era seu pai, então se prostituía. Aí, ano após ano sendo amante do padrasto, engravidou.
Na época, vinha fazendo terapia com o Dr. Ivo Moura e se apaixonara por ele. O empresário descobriu que o jovem tinha relacionamento sexual com a maioria das suas pacientes, então lhe fez uma proposta indecorosa: ele se casaria com Valéria e assumiria o filho. Em troca, receberia metade da fortuna da família. A mesma proposta que fizera a mim. Só que o jovem psiquiatra Ivo Moura, apesar de receber muito mais dinheiro das suas clientes para tratá-las de suas carências sexuais do que dos seus traumas psicológicos, não aceitou vender a sua liberdade em troca da fortuna do velho. Mostrou-se menos prostituto do que eu, isso devo admitir. Ele não cedeu ás chantagens do meu falecido sogro e isso gerou um conflito enorme entre eles. Foi quando o velho safado me fez a proposta e eu aceitei, deixando Valéria enojada comigo. Ela me via apenas como um oportunista, que vira na situação a chance de ficar rico. Segundo o psiquiatra, a minha recusa de fazer sexo mediante pagamento fez com que revisse sua opinião sobre mim. Antes, pensou que eu fosse gay, por rejeitá-la, mas depois passou a me admirar. O doutor Ivo disse que ela confessou-lhe estar apaixonada por mim.
Pedimos a refeição e comemos em silêncio. Eu nem degustava a picanha que ele dizia estar deliciosa, pensando em tudo aquilo que acabara de ouvir. Estava explicada para mim a trágica morte dos meus sogros. A esposa deve ter-lhe feito chantagem e ele a matou, suicidando-se depois. A pobre Valéria, já sem a sua saúde mental, deve ter abortado o filho por atribuir a ele a culpa por todas as discórdias. E eu entrei de gaiato, piorando a situação.
A dona do restaurante aproximou-se de nós toda solícita, puxando conversa comigo, mas eu estava com a mente longe dali. Na verdade, me sentia um traste por nunca haver entendido minha esposa e por não ter tentado saber o que a afligia. Bateu-me um arrependimento por tê-la traído por tantas vezes. Acho que foi ali que começou a minha primeira crise da meia-idade. Pedi licença e fui ao banheiro. Sentia enorme vontade de vomitar.
Quando voltei do sanitário, o psiquiatra cochichou ao meu ouvido que a coroa tinha ficado interessada por mim e havia feito uma série de perguntas na minha ausência. Respondi-lhe que tinha ficado meio mareado com nossa conversa e que estava querendo mesmo era ir embora. Disse que lhe pagaria a refeição, os pneus rasgados do seu carro e o levaria onde ele quisesse ir, já que não podia utilizar sua própria condução. Ele sorriu agradecido e aceitou um cheque com o pagamento dos pneus. A refeição, no entanto, eu deixasse que fosse paga pela cliente que havia marcado com ele ali no restaurante para uma noitada de sexo. Pediu licença, pegou o celular e ligou para ela, dizendo que já estava atrasada. Piscou-me um olho e prometeu que daria uma desculpa qualquer à dona do restaurante por conta da minha saída apressada, mas iria dizer a ela que eu voltaria lá noutra oportunidade. Não quis contrariá-lo.
Despedi-me pedindo desculpas, mais uma vez, por ter inutilizado sua condução. Ele ainda me gozou, dizendo que iria cobrar mais na conta das consultas de Valéria por isso. Quando eu caminhava até o meu carro, vi descer de um táxi a corretora de imóveis vigarista, mas acho que ela não deve ter me reconhecido. Caminhou diretamente para o Dr. Ivo e o beijou efusivamente. Só então o reconheci como o bonitão que a havia buscado de carro no meu apartamento, quando fingi ser um cliente da imobiliária, na tarde em que dei uma boa foda com ela.
Quando cheguei à minha casa, procurei Valéria em seu quarto e não a encontrei. Fui até a piscina e lá só estava dona Eulália, novamente bêbada. Atirou-se em meus braços, dizendo-se muito carente, mas não lhe dei a devida atenção. Conversamos brevemente e eu fui à procura de minha esposa dentro de casa. Encontrei-a adormecida, deitada no sofá do meu escritório. Passei um longo momento olhando-a ternamente, até que ela despertou pressentindo a minha presença. Deu-me um sorriso maravilhoso e rodeou meu pescoço com seus braços, me olhando bem dentro dos olhos. Seu olhar já não tinha tanto os traços de loucura. Parecia estar quase curada. Agradeceu com um longo beijo por eu estar cuidando de sua saúde. Seu celular estava no sofá e eu vi que havia uma ligação não atendida do seu psiquiatra. Achei que ele havia ligado, querendo contar-lhe o incidente da noite e do meu ciúme por ela. Perguntou se eu queria comer alguma coisa. Tomei-a nos braços e a carreguei para o nosso quarto.
Naquela noite não fizemos sexo. Apenas dormimos agarradinhos, como se não houvesse pressa de nos amarmos loucamente logo, logo.
FIM DA DÉCIMA QUINTA PARTE