Cap.16
Só eu via toda a expectativa que ele estava passando pra descobrir se tinha passado ou não.
- Aí Marco, como eu quero que chegue logo esse bendito dia - ele se referia ao dia em que seria divulgado o resultado.
- Calma meu lindo, esse dia vai chegar e você vai ver, você vai passar !
- Deus te ouça...
Os dias foram passando. Cada vez mais estávamos adaptados um ao outro. Noites felizes, jantares, risadas, passeios juntos. Estávamos muito felizes.
- Como você está cuidando de meu filho ? - o pai dele perguntava. Ele fazia visitas regulares a nossa casa, como todo pai, ele se importa demais com seu filho.
- Da melhor forma possível. Como você vê, continuo dando toda a estrutura que seu filho precisa, e estamos muito felizes juntos - quase sempre quando ele vinha, ficava pro jantar.
- Que bom que estou ouvindo isso. Sabe Marco... Quando soube que meu filho é gay, fiquei desolado. Não esperava isso dele. Mas... Ao mesmo tempo percebi que devia apoiá-lo como pai. Percebo que fiz a escolha certa porquê ele escolheu a melhor pessoa pra ser meu genro - sorri.
- Obrigado pelo apoio meu sogro... - a víbora da mãe dele havia desaparecido novamente. Como sempre fazia, ficava de família em família, vagando como uma condenada. Ela nunca mais apareceu em nossas vidas.
TEMPO DEPOIS
Terminei de vestir minha roupa branca, mais uma vez me preparando para o plantão da madrugada. Não gostava de trabalhar nesse horário, mas era necessário fazê-lo regularmente.
- Fique tranquilo, amanhã a gente vai confirmar o que eu já sei - no dia seguinte sairia o resultado dos aprovados na UEA.
- Tô tremendo de preocupação. Mas eu rezo pra que tenha passado.
- Tenho certeza que você passou ! - e mais uma vez sai. Rumo ao meu destino, ao motivo pelo qual existo. Ajudar as pessoas.
TEMPO DEPOIS
O consultório ficava sempre do mesmo jeito. Nele, uma foto da minha família comigo. Todos os instrumentos com o qual trabalhava. Quase sempre antes de iniciar o turno, eu refletia a minha vida até ali. 32 anos, médico a 7, comprometido, com um filho, bem sucedido. Era isso que eu realmente queria ? Sim, era isso. Eu consegui o que eu mais queria na vida. Amar alguém, ser pai, ter dinheiro para fazer o que queria. Eu era o que eu queria ser ! Havia alcançado todos os meus sonhos de faculdade. Mas será se faltava algum ?
- Marco ?
- Oi - Miguel havia aberto a porta e me chamando - pode entrar Miguel
Ele lentamente entre e fechou a porta.
- Tenho uma notícia pra te dar...
- Ah é ? E o que é ? - perguntei, tomando um café
- Eu não sei se você vai gostar. Mas quero que saiba que já está decidido.
- Decidido ? UE, fale logo que você me deixou curioso.
- Eu vou me mudar para os Estados Unidos. Minha esposa veio de lá, você sabe disso, e ela quer voltar. Sempre quis morar lá, então decidi experimentar. Com isso, sairei do hospital e do cargo de diretor.
- Uau... Sério ? Bem, então eu espero que dê tudo certo pra você lá, de coração.
- Calminha, ainda não terminei.
- Ah, pois então complete.
- Bem, com o cargo vago, você assumirá a vaga.
- O Que ?
- Boa Sorte Marco, você é o novo diretor do Hospital - meu coração acelerou na mesma hora de nervosismo.
- Mas você sabe que...
- Eu sei o que você pensa sobre isso. Sei do complexo de inferioridade que você tem, mas diga, quem é melhor do que você pra tocar esse hospital ? - ele me encurralou. Mesmo tentando ser modesto, não havia Médico de maior experiência que eu no hospital e com tanto comprometimento. Não havia jeito, cedo ou tarde eu assumiria essa vaga.
- Você tem razão. Mas... Será que é esse o momento ?
- Eu não vejo momento melhor. Você formou família, tem mais pessoas em casa. Você tem a experiência necessária, o que falta para assumir ?
- Coragem - falei, olhando minhas fichas.
- Pois crie Marco. Você agora é o diretor do Hospital !
NO DIA SEGUINTE
Quando cheguei em casa, ele já estava na frente do computador, tomando uma xícara de café .
- Ah, que bom que você já chegou.
- Já saiu o resultado ? - perguntei, jogando o jaleco sobre o sofá.
- Não. Mas daqui a pouco sai. Você está cansado não é ? - perguntou, vindo me abraçar.
- Estou... - fiquei sentindo aquele abraço que eu gostava tanto por alguns segundos - tenho uma notícia pra te dar.
- Sério ?
- Sim.
- Qual é ?
- Sou o novo diretor do Hospital - ele olhou pra mim, com os olhos arregalados.
- Não brinca ?
- É Sério... Miguel vai se mudar pros EUA e vou ter que assumir o cargo - ele abriu um largo sorriso.
- E você me diz isso assim homem ? Uma notícia ótima dessa. É sinal que você está avançando na profissão. Não sabe o orgulho que tenho de você, é minha inspiração !
- Que bom meu lindo - falei, o beijando - mas você acha que estou preparado pra assumir esse cargo ?
- Claro que sim ! Desde que te conheci você vem dizendo que era um sonho ser diretor.
- Mas eu tenho tanto medo de falhar, de cometer um erro e ser criticado por todos os lados - e então ele beijou meu rosto.
- Confie em Deus ! Isso não vai acontecer.
- Espero que não mesmo... - ficamos abraçados por alguns segundos, quando o computador fez um bipe.
- Meu Deus, é agora ! - corremos pra frente do computador. Não demorou muito e a lista apareceu. Ele deu Ctrl F e logo seu nome apareceu. Vocês não imaginam a alegria que rodeou a nossa casa
- Você Passou ! - falei, sorrindo. Ele parecia incrédulo.
- Eu passei . Eu passei ! Meu Deus, eu não acredito ! Eu passei - e então começou a sorrir como uma criança - eu passei ! Eu passei !
- Calma menino, vai acordar a casa !
- Ai Deus, eu nem acredito. Eu vou ser médico igual a você, igual a você !
6 ANOS DEPOIS
Sim, havia sido sofrido. Como ele estudou ! Talvez até mais que eu. O ajudei demais nessa caminhada. Ele sofreu, penou, suou assim como eu para chegar até o último ano sem reprovar em nenhuma matéria. Ele era um merecedor, pois havia alcançado o diploma. Agora era médico ! Estávamos prestes a fazer 7 anos juntos. Quem diria que aquele garoto desmemoriado seria a minha alma gêmea ? Ele agora com 22, eu com 38. Mas o nosso amor não diminuiu nenhum pouquinho. Continuava querendo, a todo custo tê-lo ao meu lado e fazê-lo feliz. Até o momento eu não havia contado para Tiago o segredo que envolvia ele e Bruno. Mas agora que ele já tinha 15 anos, tinha certeza que iria entender. Este não me dava muito trabalho. Pelo contrário, era um garoto muito quieto, não se envolvia com festas, e estudava bastante, mas mesmo assim não era taxado de nerd, já que mantinha uma boa vida social, só não gostava de farras. Pra comemorar nosso sétimo aniversário juntos, decidi levá-los para Bariloche. Já havíamos viajado pra outros lugares, mas eles dois queriam demais ir para a Argentina. Mamãe decidiu retornar para Parintins. Segundo ela, estava sentindo falta da vida calma. Dei toda a ajuda que ela precisava e hoje ela está lá. Segundo ela vivendo feliz. Quanto a relação entre Bruno e Tiago, os dois acabaram criando laços realmente de irmãos. Por causa da pouca diferença de idade entre eles, eles gostam das mesmas coisas então tem uma cumplicidade muito grande. Eu esperava demais que isso se mantesse depois que esse segredo fosse revelado.
TEMPO DEPOIS
Depois de quase uma semana na Argentina havia chegado a hora. Era hora de revelar aquele segredo que não era tão cabeludo assim, mas dava medo. Medo de reações, medo do desconhecido. Estávamos lá, a beira do lago principal de Bariloche. Já havíamos feito tudo o que poderíamos fazer no inverno rigoroso dessa cidade. Agora era de pôr pingos nos is.
- Você gostou mesmo da viagem, não foi filho ?
- Amei papai. Conhecer a neve, a Argentina, foi incrível. Eu espero que possamos voltar mais vezes.
- Tenho certeza que voltaremos filho - eu e ele nos olhamos. Era o momento mais propício. Precisava mostrar a verdade a ele - filho, eu queria te contar uma coisa. Quer dizer, nós, eu e Bruno queríamos te contar uma coisa.
- Não digam que vão se separar - ele já sabia da nossa relação real.
- Não, claro que não. Você sabe que eu gosto muito dele - falei, entrelaçando nossas mãos.
- E então, o que é ?
- Então filho. Você sabe que nunca teve mãe, assim, de fato. Sua referência feminina era sua avó, sua mãe nunca esteve aqui. Mas ela deixou pra mim duas peças preciosas.
- Duas ? Mas só existe eu de filho.
- Não filho. Existe mais uma pessoa.
- Quem ?
- Bruno. Ele é filho da sua mãe com um outro homem. Vocês dois são meio irmãos filho - de cara ele pareceu não acreditar. Fez uma cara pensativa, depois olhos nos meus olhos.
- Irmãos ?
- É... Não tem nada a dizer.
- Porque você não me disse antes ?
- Bem. Antes você era menor, podia confundir as coisas. Agora que você sabe discernir as coisas, achamos mais apropriado contar.
- É Tiago. Nossa mãe não era lá uma boa pessoa, mas ao menos ela nos deixou a cumplicidade de irmãos. Espero que você entenda, apesar de parecer estranho, nós somos irmãos - eles dois se entreolharam.
- Eu já te considerava um irmão mesmo - falou, sorrindo - vocês deviam ter me dito isso logo, eu fiquei todo esse tempo achando que nunca seria tio, mas agora tenho um irmão. Parece mentira - eles dois sorriram, se abraçando. Aproveitei e dei um abraço triplo, entrelaçando minhas mãos com a de Bruno. Disse um te amo com os lábios, fazendo ele sorrir.
Sempre digo que o destino sabe o que faz. Um carro no concerto, necessidade do transporte coletivo, emergência médica. Se nada disso tivesse acontecido, nunca eu teria o conhecido. Nunca teríamos nos apaixonado. Nunca eu teria encontrado o amor da minha vida. Sabe Deus se ele, desmemoriado ainda estaria vivo. Mas não, o encontrei. Conheci uma personalidade fofa, inocente, envolvente, animada. Um garoto sagaz que me trouxe de volta o sentimento da paixão, algo que pouco eu senti na vida. Que me fez amar. Que me fez querer crescer. Que mesmo sendo jovem, me apoiou em todas as minhas decisões. Uma amnésia. Um ato criou uma família.
FIM
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