Num primeiro momento houve silêncio, ninguém moveu um músculo, meus olhos e os de Wiliam focados naquela figura plantada em pé ali, vermelha como uma bandeira chinesa, e na minha cabeça a insistente, extremamente incômoda e fora de hora certeza de que ainda não seria agora que eu transaria com aquele moleque. Nesse primeiro momento de silêncio, curiosamente só isso importava, talvez pela vontade acumulada todos esses dias falando com ele, trocando fotos, pequenos videos, confissões, fantasias. Mas esse primeiro momento nao durou muito porque Marina desatou a berrar, e para nao poluir os ouvidos de ninguém eu nao serei preciso ao descrever suas palavras, seus palavrões, das coisas terríveis que me chamou, que chamou William enquanto eu me levantava do sofá e vestia minha calça, escondendo o pau que começava a voltar para seu estado de repouso. E por ela ter xingado o Wiliam, por ela ter dito que nem em um milhão de anos diria que ele era viado mas devia ter desconfiado pela maneira dele olhar pra mim, aí eu voltei a falar, e gritei o que ela fazia ali agora? Nao tínhamos mais nada um com o outro e ela devia estar bem longe da minha casa. E eu só disse aquilo porque Wiliam estava tao envergonhado com a situação que ainda nao se movia, paralisado, congelado. E eu gritei que ela que cuidasse da própria vida que eu estava seguindo com a minha.
- O que foi que você disse, Tiago? Voce esta defendendo ele? Tu é outro viado mesmo!!! - e foi aí que ela deu a sentença que pisoteou de vez com qualquer mínima esperança nossa de ainda ter um fim de semana gostoso: - Espera pra ver o que eu vou fazer! Todo mundo vai saber quem é o viado do meu ex-namorado! E você - apontou pro Wiliam - Voce me dá nojo!
- Marina, cala a boca e saia da minha casa agora!
Ela ia protestar, mas me aproximei, tirei minha chave da sua mao, nao quis ser intimidador como se fosse, sei la, bater nela, algo que nunca faria, mas do jeito que me aproximei talvez tivesse dado essa impressão. E com a chave de volta na minha mão, impedi a boca de Marina de se abrir outra vez cortando suas palavras com uma única minha: - Rua!
E se parecia que todos os palavrões do mundo haviam se esgotado pela correnteza de maldades que saía dos seus lábios, ela conseguia ser criativa e dizer ainda mais alguns enquanto eu ia ate o portao andando atras dela para ter certeza de que estava indo embora mesmo. Nós dois irados, eu por meus motivos, justos ou injustos, nao importava, agora era solteiro e fazia o que quisesse com bem entendesse, e ela nao tinha o direito de fazer aquele escarcéu todo; Marina por seus motivos, não precisava ser fã de Poirot, Holmes ou qualquer outro desses icones literatura policial inglesa para saber que antes de terminar com ela ja vinha acontecendo algo entre eu e ele, aquele fim de semana que dormi na casa dele, aquela minha falta de bateria de celular, os meus sumiços, o chupão no meu pescoço. Não havia ninguém querendo apaziguar nada, ninguém querendo ser racional. Bati o portão na sua cara quando ela saiu e tratei de tranca-lo outra vez. Era o ultimo punhado de terra posto sobre o jazigo do nosso relacionamento.
Mas essa nem foi a imagem que mais me cortou o coração naquele dia, ja estava conformado com o término do namoro, ja estava em outra etapa, querendo convencer Wiliam a transar comigo, faze-lo gostar tanto de nós dois assim, inteiros, que em semanas ficaríamos inseparáveis, literalmente inseparáveis, para ser mais claro. E depois eu perguntaria assim meio casualmente se ele nao gostaria de sair da casa dos seus pais e vir morar aqui comigo, porque assumir qualquer coisa para os outros, enfrentar preconceitos ou discriminações, isso a gente via depois, primeiro a nossa felicidade. E foi ao voltar para dentro da casa que eu vi a que era sim a imagem que mais me cortou o coração naquele dia: Wiliam no sofá, já vestido outra vez, e chorando.
- Nao, por favor, nao chora - me aproximei dele, ajoelhei na sua frente, enxuguei suas lagrimas com os polegares mas outras gotas nao paravam de verter dos seus olhos, o rosto muito vermelho, a boca aberta num choro desesperado. - Eu to aqui com você, se acalma, por favor...
- Ela vai contar tudo, Tiago, ela vai sair espalhando isso por aí... Eu... Eu nao devia estar aqui, é errado, eu sabia que nao ia dar certo...
- Não é errado. Olha pra mim, não é errado. Vem cá - abracei ele, seus soluços vinham do seu peito contra o meu, me machucando um pouco, mas não fisicamente - Não chora, cara, vai dar tudo certo, eu não vou deixar nada acontecer pra você...
- Ela vai contar, Tiago, ela disse que vai contar... Eu nao quero assim, nao quero que todo mundo fique sabendo assim... Meus pais, meus amigos... Eles vao me odiar... Eles vao...
- Ei - outra vez me afastei dele, segurei seu rosto com as duas mãos. - Nao era assim que a gente tinha planejado, mas agora precisamos pensar no que vamos fazer. Voce quer negar? Se voce quiser a gente nega, vai ser a palavra dela contra a nossa, e como o nosso namoro acabou ha pouco tempo todo mundo vai achar que ela só está inventando história. Voce quer assim? - por dentro de mim algo formigava, era o meu orgulho, se Wiliam dissesse que queria negar era porque ainda tinha vergonha disso que nós dois sentíamos, verdade que eu estava dando tempo a ele, mas tambem queria que no mínimo ja tivesse uma noção de para onde estávamos indo, negar a história de Marina era negar tantas outras coisas, talvez eu não suportasse saber que Wiliam ainda se via como um cara numa aventura exótica. Eu nao era uma aventura exótica. Eu era um homem que estava abrindo mão de uma por uma das suas concepções somente porque estava a-pai-xo-na-do por ele. - Wiliam, a gente também pode dizer que é tudo verdade, começar a namorar sério - tateei suas feições, acima das lagrimas que irrigavam seu rosto havia um par de olhos abertos e úmidos. Nao era fácil para ele ouvir algo assim, mas tambem nao era fácil para mim ficar aguentando essa barra sozinho.
- Cara, eu não to pronto, as pessoas vão ficar falando na rua, eu não aguento isso...
- Eu vou te contar uma coisa, mas prometa que não vai ficar zangado comigo - ele concordou com um suave gesto de cabeça. - Nessa semana, eu contei sobre nós para um amigo, o meu maior amigo... - E sem me deixar terminar, Wiliam tentou se levantar do sofá, nao gostando nenhum pouco de saber que o nosso segredo ja nao era nosso bem antes de Marina entrar por aquela porta, mas eu o segurei, nao deixei que fugisse, o segurei pela nuca, minha mao enganchada na parte de tras de sua cabeça, meu bíceps a mostra entre nós, dois homens. -... E ele nao agiu como eu esperava, não me ignorou, nem sequer zombou. O Daniel levou numa boa, cara, a maioria das pessoas vai levar numa boa, isso é tao normal, tão verdadeiro que ja nao é mais como antigamente. Ele disse ate que me ajudaria a passar por tudo, ainda é meu amigo, a maioria dos nossos amigos vai continuar sendo... E eu nao quero mais fingir nada pra ninguém, eu sei o que eu quero, voce esta me ouvindo, eu sei o que sinto por você.
Suas lagrimas pararam de cair. Parado, me olhando nos olhos com aquelas suas duas pedras preciosas castanhas. Eu prossegui:
- E pensa pelo lado bom, podia ser mais constrangedor, pelo menos ela nao te pegou ficando com uma ovelha, igual naquele filme do Woody Allen... - dessa frase, consegui inverter tudo e presentear minha casa com a cena mais bonita do dia, Wiliam rindo.
- Cala a boca, cara! Ele nao fez um filme assim!
- Fez sim, um dia eu te mostro! - dessa vez , quando enxuguei suas lagrimas, elas nao foram renovadas por novas, seu rosto ainda estava vermelho, mas com ele sorrindo esse vermelho ficava bonito, toquei minha testa na sua, pressentindo que assim talvez pegasse um pouco da sua música, e ele das minhas letras e assim eu conseguisse cantar um outro pedacinho daquela musica que uma vez ele ja cantou, quando éramos ainda caras se divertindo sem ter que se preocupar com nenhuma consequência. - "Veja você, como é que tudo foi desabar A gente corre pra se esconder e se amar se amar até o fim Sem saber que o fim ja vai chegar Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga Ja não vejo motivos, pra um amor de tantas rugas Não ter o seu lugar..."
O cara que eu vi pela primeira vez numa quadra, atrás de uma bola feito milhares de outros rapazes antes dele, nao era so mais um cara que eu achava bonitinho e depois deixava pra lá em nome da minha figura de hetero-do-jeito-que-os-outros-heteros-gostam-de-ter-por-perto, ele era tão tão especial que aqui estávamos nós agora, depois de anos e de nomes e de historias, nós outra vez. Se ele nao tivesse se aproximado de mim naquela festa, eu uma hora ou outra o veria la tambem, tomaria a coragem e me aproximaria dele. Porque nós dois precisávamos estar aqui e agora. Nós dois precisávamos percorrer todo esse labirinto para chegar agora no tesouro com cheiro de menino safado e testosterona.
- Eu acho que estou me apaixonando por você, Tiago - ele disse, simplesmente. Simplesmente como as vezes simplesmente um passarinho voa e a gente fica embasbacado com a sua beleza amarela. Simplesmente como uma estrela cadente atravessa escuridões e abismos. Simplesmente a gente já sabia dar nomes a essas coisas palpitantes aqui dentro. - E nesse momento, mesmo com aquela guria indo por a boca suja dela no maior trombone do mundo, eu vou apertar o botão "foda-se" e aproveitar esse tempo com você... Depois a gente pensa em como vai ser o resto...
E isso era a chave para o cadeado do meu sorriso. Me sentei no sofá ao lado dele, orgulhoso dele, orgulhoso de mim mesmo, orgulhoso de sentir que finalmente estávamos seguindo em frente, nunca antes meu corpo sentiu aquela plena sensação de orgulho, de realização, a minha barriga tremelicando de nervoso - eu tambem estou louco pra apertar seu botão de foder - falei, num jogo de palavras, num jogo de olhares, num jogo de corpo a corpo, enlaçando meu braço no seu ombro, um abraço fraternal, beijei seu rosto, ele sorriu, disse que ia ate o banheiro primeiro, precisava lavar o rosto, tirar essa cara de choro.
- Vou te esperar no quarto, gatinho.
- Tu me chamando assim parece ate pensar que vai me convencer a ser passivo primeiro... Mas nada disso, viu? Sua bunda me pertence, senhor Tiago.
Ele se levantou e enquanto eu caminhava pro quarto, tirando no caminho a minha própria calça, nu outra vez, e agora nao haveria interrupções, agora nao haveria catástrofe que pudesse ser maior que o terremoto Wiliam, pronto para criar uma fenda nas paredes da minha casa, e outra fenda no espirito machão de nós dois. E eu ja nao tinha medo, e eu ja nao tinha culpa, e eu já não conhecia nem Marina, nem fofocas que ela pudesse dizer, nem amizades que pudesse perder, nem dificuldades quaisquer, eu já não conhecia nada que existisse além daquelas quatro paredes no momento em que ele voltou para o quarto, ja sem nenhuma roupa, e disse "Você está pronto, amor?"
Um tremor gigantesco, além de qualquer expectativa, além de qualquer resistência que meu corpo ainda tentasse manter, um tremor de me fazer até piscar o cu e latejar o pau quando ele veio assim sorrindo para junto de mim na cama, e eu só pude responder:
- Nunca estive mais prontoContinua...
Pessoal, o ultimo capitulo vai ser bem longo, e como eu comentei com vocês, essa historia estou escrevendo pelo celular, entao talvez nao fique pronto até amanhã, mas ate no máximo dos máximos vou posta-lo segunda-feira. Até lá, gente.