Lendas de Amor e Sangue I

Um conto erótico de Cesar Neto
Categoria: Homossexual
Contém 7010 palavras
Data: 06/09/2015 23:08:51

[Prólogo]

Era mais uma noite quente e alegre de verão na Vila Celestino.

Jorge Ricardo estava com os braços apoiados na parede e escondia a sua face impedindo de enxergar qualquer coisa. Devagar e com grandes paradas para respirar, Jorge ia contando os números em volume quase mudo"Bater cara", assim que era conhecido o que ele estava fazendo, não estava em seus planos. Pelo contrário, Jorge era um dos melhores jogadores quando a brincadeira se tratava de esconde-esconde, mas por conta de um descuido ele acabou indo parar ali.

Jorge era um dos que mandava na brincadeira. Por ser um dos meninos mais velhos da rua, com 17 anos, ele sempre tratava de inventar novas regras quando lhe achava necessário e também burlava essas novas regras, tudo pelo simples prazer de se dar bem em cima dos meninos menores.

Mas hoje Jorge estava afim de outro tipo de prazer.

- 47, 48, 49 e 50!

A contagem havia acabado. Jorge virou a cabeça e respirou fundo. Ao contrário dos outros "pegadores" ele era muito mais esperto, sabia que o segredo era também se esconder, pois assim ele também seria um elemento surpresa para seus amigos. Por isso, caminhando bem devagar, Jorge foi à caçada.

Oito horas da noite era o horário ideal para a brincadeira. Os garotos e garotas da vila Celestino passavam de casa em casa para chamar seus amigos para brincar. Ninguém nunca sugeria outra brincadeira, pois esconde-esconde era tipo um ritual de todas as noites.

A vila Celestino era formada por sete ruas paralelas e verticais sem nenhum desnível, retas. Duas ruas horizontais ligavam todas elas formando esse bairro localizado na periferia da cidade. Antigo, mas nem por isso em sumo desenvolvimento, a Vila Celestina abrigava aproximadamente cinquenta famílias. Cada rua tinha seu próprio nome, mas os moradores utilizavam números para a identificação das ruas. A primeira rua, a de número 1, fica localizada na entrada do bairro, fazendo divisa com outros bairros e por isso mais "perto" do centro. Atrás dela os outros números vinham seguindo na ordem 2,3,4... até chegar na última. Após a rua 7 não existe mais nada além de campos de grama e uma estrada que levava para as fazendas.

A rua 4, a que ficava no meio de todas as ruas, é aonde estava acontecendo a brincadeira. Tirando a rua horizontal, a rua número 4 era a única que tinha asfalto. Dizem as más bocas que alguns anos atrás um homem rico e milionário tinha se mudado para o bairro, e começou a construir sua casa. Para isso ele obrigou o prefeito da cidade a asfaltar a sua rua. Depois de um ano, esse homem simplesmente desapareceu. Sua casa ficou inacabada com um enorme muro em volta protegendo toda a propriedade de qualquer intruso.

Jorge sabia que ela não estava cem por cento protegida.

Pelas regras impostas pelos garotos maiores, só valia se esconder em volta das ruas 3,4 e 5. Regra que muitos, até mesmo seus criadores, burlavam.

Jorge desceu até a rua horizontal para começar a procura. Ele sabia exatamente aonde ir, o lugar mais clichê para se esconder. O terreno baldio que se localizava no meio de duas pequenas casas era escuro e seria perfeito para se esconder se o pegador não fosse o Jorge.

O barulho entregou cinco crianças que estavam escondidas lá. Jorge as surpreendeu com um grito e saiu correndo com destino ao bate.

- PELÉ, BRUNINHO, LUANA E VITÔ UM DOIS TRÊS, PEGO!!

O quinto garoto ele deixou passar e fingiu não tê-lo visto quando ele se salvou.

- CAIO UM DOIS TRÊS, SALVO! – Disse o menino com grande alegria de saber que não teria que procurar na próxima rodada.

Jorge olhou para ele e deu uma piscada. O menino sorriu e se sentou na beirada da calçada para recuperar o fôlego.

Esses tinham sido os mais fáceis de achar. Eram crianças de onze e doze anos, nessa categoria Caio estava por fora, pois ele já tinha os seus 16 anos completo. Só se encontrava ali porque não tinha tanta habilidade para a brincadeira.

Voltando a procurar, Jorge foi atrás de todos os restantes com muita rapidez e velocidade. Achou a maioria em menos de dez minutos deixando um ou outro se salvar. Pegar todos era uma tarefa impossível por que eram mais de vinte crianças na brincadeira.

- Sílvio 1,2,3 pego – ele disse depois de ter achado o último garoto.

Baseado na constituição de leis e regras do esconde-esconde da rua, o primeiro e o último a serem pegos teriam que tirar no par ou ímpar para descobrir o próximo pegador. Sílvio e Pelé disputaram e o primeiro foi o vencedor. Já era de se esperar, pois Sílvio tinha quase 18 anos e Pelé somente 12. Jorge olhou para o garoto com um tanto de pena, mas querendo ou não o moleque seria perfeito para os seus planos por um só motivo: Pelé iria levar uma eternidade para achar todo mundo.

- Vamos se esconder na rua 6? – Jorge escutou Sílvio combinando a quebra da regra junto aos garotos mais velhos.

O pobre e inocente Pelé encostou na parede e começou a contar. "Tenho pouco tempo", Jorge pensou enquanto o garoto já estava no número 9.

- Ei, vamos se esconder comigo? – Jorge perguntou para Caio.

O garoto ficou mais alegre ainda por se esconder com um menino mais velho. As chances de ser pego eram mínimas e por isso ele nem pensou para responder. Seguiu Jorge como um discípulo seguindo seu mestre.

Atravessaram para o outro lado da rua e entraram na humilde residência de Jorge. Era uma casa comum, a mãe de Jorge preparava o jantar e nem percebeu os dois entrando. Jorge parou no fundo do quintal e agradeceu pela sorte de morar ao lado da antiga casa abandonada.

Um mês atrás ele tinha descoberto um jeito de entrar. Como os portões eram trancados a sete chaves e os muros de tijolos enormes, ninguém nunca tinha acesso naquela construção. Mas Jorge tinha achado um modo de entrar. Não era impossível escalar aquele muro, o problema era descer de lá e foi essa a solução que ele tinha encontrado. Levou um tempo para conseguir bolar todos os meios de descer, Jorge botou uma pilha de tijolos para se apoiar, amarrou algumas cordas para segurança e arrancou todos os cacos de vidro para não se cortar na hora da subida.

Passou um mês trabalhando nisso sozinho, dia a dia, e agora ele iria conseguir ter acesso a hora que quisesse para desfrutar de um belo esconderijo.

Caio o observava admirado enquanto via Jorge arrastando a escada para poderem subir no muro. Pelé tinha parado de contar e já começava a procurar, por isso eles tinha que ser rápidos. A subida não foi problema, a escada do pai de Jorge era boa e segura, a verdadeira dificuldade foi para descer, Jorge o fez com grande facilidade, mas Caio se atrapalhou na hora de cair nos tijolos e fez um barulho não tão bem-vindo.

Aos tropeços os dois seguiram até a casa em construção. Abriram uma porta de metal com cuidado e entraram

Um cheiro de mofo impregnava o ambiente. A casa tinha as paredes em tijolo sem nenhum tipo de reboco. Tinha dois andares, mas a escada que ligava a parte de baixo até em cima não estava instalada ou não chegou a ser construída. Mas mesmo assim ela era grande. Eles agora estavam na sala, mais ao fundo se encontrava a cozinha e um quarto pequeno, no final do corredor se localizava um banheiro.

O calor e a temperatura fez com que os dois suassem. Jorge não hesitou e tirou a sua camisa regata para melhorar a sensação. Há pouca luz que vinha dos postes da rua iluminava seu peito e grande parte da sala. Caio o olhava impressionado para o lindo corpo do amigo.

- O que foi? – Jorge sorriu e perguntou ao Caio – O que você está olhando?

- Nada – Caio desviou o olhar e começou a se interessar pelas paredes inacabadas da casa – Como a gente vai sair daqui?

Jorge riu da pergunta inocente do amigo e falou:

- A brincadeira acabou Caio, Pelé não vai conseguir achar ninguém e nem vamos precisar se salvar.

- Ah entendi – Caio estava aliviado pelo fim da brincadeira e mais feliz por estar com o seu novo amigo ali escondido – Mas o que vamos fazer então?

Jorge o olhou e voltou a suar. Estava um tanto nervoso com aquilo, mas não estava disposto a estragar um mês de preparo para deixar a oportunidade perfeita passar.

- Puta cara, esse calor do inferno me deixa com um baita tesão – Jorge disso se encostando na parede.

Caio forçou um sorriso e sentiu suas partes baixas se darem um sinal de vida. Seu amigo era muito bonito e ele já tinha se masturbado várias vezes no banheiro pensando em Jorge. Achava estranho a sensação, mas ele sempre tornava a repeti-la.

Estranhando o silêncio de Caio, Jorge tratou de chegar um pouco mais perto do amigo. Devagar ele foi se aproximando até que os dois estavam lado a lado.

- Você bate punheta Caio? – Jorge voltou a falar com o amigo.

- De vez em quando sim – Caio escondeu o nervosismo e respondeu.

- Tá afim de bater uma? - O garoto mais velho perguntou com o suor escorrendo pelo rosto.

Jorge não esperou a resposta. Em pé, arriou a bermuda e ficou apenas de cueca, seu pau já pulsava dentro do tecido e quando se libertou, uma cabeça rosada e grossa pulou para fora. Caio era uns trinta centímetros menor que ele, com aquela carinha rosada, com o cabelo loiro penteado pela mamãe, e a boquinha bem pequenininha excitava muito Jorge e hoje era o dia de se aliviar.

Caio observou espantado o amigo mais velho. Seu pinto era muito grande se comparado ao seu. Caio tinha 15 anos e jamais tinha visto outro garoto nu em sua frente, mas agora tinha Jorge com todos aqueles músculos de adolescente quase desenvolvido, com uma pequena barbinha saindo do seu queixo, seu cabelo moreno cortado bem curtinho e os olhos brilhando de alegria. O que mais admirava Caio era a quantidade de pelo que tinha na parte superior do pênis do amigo, ele ainda não tinha se desenvolvido tanto e ver aquilo despertou um tesão muito grande em si.

Decidido a participar da brincadeira, Caio também abaixou a bermuda junto da cueca e deixou seu membro humilde, mas bem duro, a vista do companheiro.

Os dois começaram a masturbação, Jorge pegava em seu pinto com vontade e batia uma punheta forte e descontrolada. Caio era mais delicado e fazia movimentos menores tomando cuidado para não tocar muito na glande, pois lá ele ainda tinha um pouco de sensibilidade.

Um olhava para o pênis do outro, até que sem falar nada, Jorge pegou no pau do amigo e foi retribuído com uma mãozinha fria e macia massageando o seu grande brinquedo.

O tesão tomava conta dos dois que suaram mais ainda, as gotas caiam da testa de Jorge e escorriam em seu peito. Uma sensação que ele não conseguia controlar tomou conta de si e pediu com carinho ao amigo:

- Da uma chupada aí Caio? – ele disse baixo ainda pensando que alguém pudesse escuta-lo.

Analisando a proposta, Caio sentiu um pouco de nojo e medo. Sexo oral não era tão encantador para ele. O seu grande prazer era bater uma olhando os corpos dos atores pornôs que ele assistia, mas sempre que chegava na parte do oral ele adiantava o vídeo pois achava nojento.

- Eu não gosto muito – ele disse timidamente.

- Por favor cara, eu não conto para ninguém – Jorge falou implorando ao amigo.

Era tarde demais quando ele sentiu a mão do amigo pressionando a sua nuca e o fazendo se ajoelhar. Jorge foi o mais paciente possível e esperou o amigo acomodar o joelho naquele chão horrível.

Caio ficou cara a cara com a vara de Jorge. Sentiu um cheiro forte exalando de lá e vacilou um pouco. Pensou em desistir, mas a sua curiosidade fez a sua cabeça ir de encontro ao pênis do amigo.

Jorge fechou os olhos e aproveitou. A boca do garoto era apertadinha e bem úmida dando uma sensação refrescante. Seu pau vibrava de tanto tesão e aos poucos o seu quadril ia para frente e para trás, fodendo a boquinha de Caio.

- Tem gosto de mijo – Caio tirou o pau da boca para fazer a reclamação.

Jorge não se importou e resolveu partir para o próximo passo. Caio já não se importava e confia totalmente no amigo que o conduziu e o fez ficar de costas com a bundinha arrebitada.

Sem lubrificante seria impossível uma penetração no buraquinho virgem de Caio. Jorge percebeu isso, mas nada o impedia de ficar forçando o pau na portinha do cu do parceiro. Em um momento ele fez tanta força que foi impossível o menino mais novo não dar um grito.

Era tão quente lá dentro, tão macio... mas Jorge teve que tirar, não pelo fato que seu amigo estava pedindo mas sim porque eles haviam escutado um barulho.

O barulho de passos na frente da casa aumentou e ambos vestiram a calça numa velocidade impressionante. Conduzido por Jorge, os dois foram apressados para o banheiro, trancaram a porta e ficaram lá parados controlando a intensidade da respiração.

A porta de metal da sala se abriu e alguém tinha entrado. No banheiro a escuridão reinava e os dois garotos esperam pacientemente o que iria acontecer. Algo naquela situação toda despertava mais tesão em Jorge, o perigo, o fato de ser arriscado, seu pau estava mais uma vez rasgando por dentro da bermuda.

Sem pensar nas consequências o arrancou para fora e mais uma vez conduziu o amigo a se ajoelhar e pediu mais um boquete a ele. Caio já havia perdido a vergonha do amigo e abriu seus lábios, sentiu aquele pinto preenchendo a sua boca e indo até o fim da sua garganta. Jorge se contorcia de tanto tesão, fazia mais de uma semana que esperava aquele momento e não deixaria ninguém atrapalhar.

Caio escutava os fracos gemidos do amigo e aquilo o incentivava a ir cada vez mais fundo. Ele estava gostando. Aprendeu a chupar uma rola e de certa forma ficou orgulhoso de si mesmo, e justo quando tinha se convencido de que era bom, Jorge fez algo que não era esperado.

Seu corpo se contorceu. De uma forma estranha seu pau inchou ainda mais dentro da boca de Caio e depois o jato de esperma começou a sair pela sua vara. Foram quatro jatos fortes que o pobre do Caio recebeu na garganta, outras pulsadas saíram despejando cada vez menos porra na cara do amigo. Caio sentiu o gosto estranho de um líquido na boca e já tinha um bom palpite do que poderia ser, tentou cuspir, mas a mão do seu amigo tampou sua boca.

Os passos voltaram. Caio temia que os gemidos do amigo talvez tivessem os dedurado e por isso ele tampou a sua boca. Jorge não tinha medo no mínimo alguém descobriu um jeito de entrar na casa, a porta do banheiro estava trancada e, se ficassem quietos, a pessoa ia pensar que não tinha ninguém lá.

Mas não foi o que aconteceu.

A maçaneta da porta virou, alguém estava tentando abri-la. Jorge levantou a bermuda tentando fazer o mínimo de barulho possível. Caio ainda tinha muito esperma na boca e na cara e não sabia o que fazer naquela situação. Vendo que os dois já tinham sido pegos, Jorge destrancou a porta e esperou ver qualquer um dos seus amigos parado lá na frente.

Com um baque a porta do banheiro se abriu. Um homem estava parado em frente a eles com uma faca na mão, era maior que Jorge, mais forte, com uma barba negra cobrindo a cara. Talvez o garoto o conhecesse de algum lugar, mas não se lembrava de onde.

Ignorando a faca, o tamanho e a estranheza do rapaz, o que mais meteu medo em Jorge foram seus olhos. Eram apenas duas pelotas brancas, sem pupila, sem nada.

- Desculpa – Jorge disse com calma, o garoto tinha uma boa educação – estávamos brincando de esconde-esconde e resolvemos se escon...

O homem não queria saber de nenhuma resposta, desferindo um golpe na direção do peito de Jorge. Por instinto o garoto levou a mão até o peito tentando se defender e a lâmina cortou seu braço. Uma listra de sangue vermelho começou a escorrer e o homem, agora já tachado de assassino, preparou o próximo golpe.

Dessa vez Jorge foi mais rápido. Com o braço não ferido ele tentou dar um soco na cara barbada do seu assassino. A tentativa foi em vão e desesperado o garoto saiu deferindo chutes e murros sem saber o estrago que poderia fazer. Para sua sorte, um desses golpes fez a arma do assassino ir ao chão. Mas aquilo não foi capaz de para-lo.

Caio gritava desesperado vendo a cena. Ele abria boca e grande parte do esperma do amigo misturado com a sua saliva, pingava no chão. Desesperado ele fechou os olhos e viu o seu amigo sendo agarrado pelo pescoço e levado para fora do pequeno cômodo. Caio fechou os olhos e desejou que fosse apenas um pesadelo.

Jorge gritou de dor quando foi arremessado no chão da sala. Com os olhos cheios de lágrimas, ficou deitado no chão e esperou pelo pior.

O assassino veio caminhando perto dele em passos lentos com aqueles olhos brancos assustadores tentando entrar na alma de sua vítima. Jorge tentou rezar, mas não tinha força e nem fé para isso, observou sem esperanças a ação ser concluída.

De repente o assassino parou e fez uma cara de dor. Caio tinha o apunhalado com a sua própria faca que caíra no chão. Com um gemido de horror o homem desfaleceu no chão. Caio friamente começou a apunhala-lo. Atingiu com a lâmina cinco vezes no peito e para finalizar a enterrou em seus olhos. Jorge olhou o garoto perplexo e não fez mais nada.

As mãos de Caio escorriam sangue e devagar recuperava a faca dos olhos do assassino. Jorge o observou sem entender quando o seu amigo ficou parado em sua frente sem dizer uma única palavra.

Jorge tomou outro susto quando olhou para a cara do amigo. Seu cabelo penteado pela mamãe estava despenteado pelo que ocorreu, sêmen sai da sua boca e escorria até o seu pescoço. Mais uma vez o que assustou Jorge foram as pelotas brancas que agora estava ilustrando os olhos do seu amigo.

Tentou entender o que tinha acontecido, estava aliviado pelo fato do assassino estar morto e pensava em como iriam explicar aquilo, mas Caio o impediu enfiando a faca em sua barriga. Jorge se contorceu e dessa vez quem ficou de joelho foi ele. Sentiu a lâmina saindo de suas entranhas e a mão do seu amigo puxando o seu cabelo.

Caio encostou a faca em sua garganta e puxou com a maior força que o seus bracinhos finos podiam fazer. Jorge sentiu uma sensação horrível, sua garganta jorrava sangue e ele instintivamente tentava tampar a fenda abrida pela faca com a sua mão. Fracassando, ele caiu com a cara no chão e uma enorme poça de sangue se formou em baixo de sua cabeça.

Jorge sentiu o gosto estranho do seu sangue e foi a última coisa que ele sentiu antes de morrer.

Lá fora as crianças gritavam e se divertiam sem nem saber do que tinha acontecido.

Pois na Vila Celestino era assim. A brincadeira sempre continuava[Murilo]

- Vejam pelo lado bom – minha mãe disse animada – vocês terão a oportunidade de fazer muitas novas amizades e...

Coloquei o fone de ouvido e ergui o volume no último. Não tinha lado bom em se mudar. Não via nada de alegre e feliz em sair do lugar aonde eu considerava meu lar desde a infância e se mudar para um fim de mundo qualquer.

Mas minha mãe tinha um pouco de razão. Pelo menos o lugar era lindo.

Diferente da cidade de São Paulo, aquela cidadezinha do interior paulista era toda esverdeada, passamos pelo centro da cidade e o que mais tinha espalhado por todo canto eram árvores, gramados, campos. Tudo o que eu sempre gostei de ver. Mas ao chegar perto da nossa futura moradia, percebi que somente aquilo não iria me fazer trocar de ideia. Eu ainda continuaria puto por ter que se mudar.

Chegamos na famosa, modo de dizer, Vila Celestino. Uma placa amarela e suja de poeira demarcava o começo do bairro. Logo após um longo caminho passando pelo asfalto esburacado, minha mãe virou na rua aonde nos aguardava a nova casa.

- Porque só nossa rua tem asfalto? – minha irmãzinha de sete anos me cutucou e fez a pergunta.

- Não questiona – meu irmão mais velho respondeu rancoroso – só agradeça por não morarmos em um sitio.

- Chegamos! – minha mãe disse, fingindo não ter ouvido – aqui é nossa nova casa!

Olhei pelo vidro e tive mais um surto de decepção. A casa tinha um muro de grades altas e era construída com tijolinhos. Na parte superior eu avistei uma janela de um quarto, o que significava que ela tinha dois andares. Somente isso me fez ficar animado, pois de resto tudo era tão sem graça.

- Eu vou ficar no quarto de cima! – me apressei em dizer.

- Mas nem a pau – Danilo, meu irmão mais velho de dezenove anos, correu em me contrariar – mãe, diga para o pirralho que o lugar dele é com a Sofia no quarto das meninas.

- Se liga! – falei abrindo a porta do carro – você já passou da idade de morar com a mamãe né? Faz favor!

- Murilo! Daniel! Parem com isso! – Minha mãe se apressou para a discussão não ficar mais séria – os dois vão dividir o quarto lá de cima e eu não quero ouvir mais nada sobre isso.

Enquanto eu lançava um olhar mortal para meu irmão mais velho. Minha irmãzinha Sofia se agarrou na perna da minha mãe e perguntou:

- Aqui não tem parquinho mamãe?

- No site dizia que tinha uma árvore nos fundos – minha mãe respondeu, pela primeira vez, desanimada – seus irmãos poderão fazer um balanço pra você.

E com todo esse ânimo, entramos na casa.

A casa era gigante por dentro. Cozinha, sala, banheiros, tudo por fora parecia bem menor, mas por dentro a casa parecia ser mil vezes maior. Entendi então o porquê minha mãe teria adorado a casa. Olhei para as paredes brancas recém pintadas e vi todos os móveis que minha mãe tanto apreciava, preenchendo todos os cantos.

Dona Léia, assim como eu chamo minha mãe, era reformadora de móveis e por isso tinha uma coleção de sofás, guarda-roupas e tudo o que possa imaginar. Agora ela teria uma grande atividade para se ocupar e quem sabe assim esquecer um pouco do incidente que nos aconteceu.

Se bem que ninguém ali iria conseguir esquecer isso tão cedo.

- Mãe! – Sofia disse depois de subir as escadas e perceber que não era tão mágico assim – estou com fome!

Minha mãe pegou a pequena no colo e bagunçou seus pequenos cachos dourados.

- O Mu vai comprar um lanchinho pra gente tá bom?

- Deixa eu ir de carro? – meu irmão mais velho apressou em dizer.

- Que eu saiba você reprovou três vezes no exame de direção – minha mãe respondeu sarcasticamente – o Murilo vai a pé no mercadinho que tem no começo do bairro, enquanto você fica aqui esperando os homens da mudança chegar para me ajudar, ok?

Sorri debochando da cara do meu irmão e seus olhos tremeram de raiva. Ele sempre fora o garoto mimado do papai, mas agora...

- Estou indo lá – disse pegando o cartão de crédito da minha mãe.

Sai pelo portão de casa me perguntando se eu seria capaz de encontrar o caminho. Percebi que era difícil se perder naquela vila. Fui caminhando pela rua e pude perceber a diferença dos tipos de casas que ali existiam. Algumas tinham portão de madeira, outras de muros gigantes e até mesmo algumas sem muro. A única coisa em comum eram as cores em tons claros e a aparência de encardido de poeira que todas tinham.

Sai da minha rua e cai no que se chamava "Rua principal", com algumas casas construídas e alguns terrenos baldios por toda a sua extensão. Fui andando e espionando as outras ruas, sem asfalto, todas de terra e pedra, as ruas pareciam bem pior do que a minha. Depois de uns cinco minutos andando eu já havia chego ao mercadinho que realmente ficava na entrada do bairro.

Comprei algumas coisas e torci para que a pequena quitanda aceitasse cartão. Para minha sorte, tudo deu certo e eu retornei para minha casa já estranhando a calmaria daquele lugar.

Por um momento, tudo ficou silencioso, nada e nem ninguém fazia um barulho sequer. Acelerei os passos para chegar em casa e ao contrário da ida, a volta parecia levar uma eternidade. Me vi correndo virando a esquina da minha casa e tentando chegar o mais rápido possível.

Alguém me observava.

Pensei em gritar por minha mãe, mas meu lado consciente percebeu o quanto aquilo seria ridículo. Não deveria ser nada, aliás, eram quatro da tarde ainda. Tomei coragem e olhei para trás a fim de encontrar alguém e vi novamente a rua deserta.

E o alguém me atingiu com algo na cabeça.

Fui jogado um pouco para frente com o impacto e logo percebi o que tinha me atingido. Uma bola de futsal toda rasgada pelo desgaste do tempo quicava para a sarjeta enquanto eu observava a pequena peste que tinha feito aquilo.

O garoto parecia ter uns dez anos, de pele parda, cabelos lisos e pretos acinzentados, olhos negros. A pequena criança tinha um ar travesso em seu rosto que me irritou de uma forma terrível.

- Porque diabos você fez isso? – perguntei enquanto agachava e pegava a bola do chão.

Como resposta o garoto deu uma gargalhada bem na minha cara.

- Não estou vendo graça! – exclamei dando uma bicuda na bola fazendo-a voar para longe.

A bola caiu dentro da casa com o maior muro da rua. Aquilo fez o garoto ficar assustado e foi a deixa para eu perder o controle:

- E é melhor ficar esperto e não mexer mais...

- Ual, que belo chute hein! – escutei uma voz atrás de mim.

Tomei outro susto ao ver atrás de mim a versão mais velha do garotinho. A mesmo cor de pele, o mesmo cor do cabelo negro-acinzentado... só que ele tinha um sorriso diferente, seu corpo era mais musculoso e sua cara não tinha nada de travessa e sim de bondade.

- Desculpa – falei ainda irritado – ele chutou essa bola na minha cabeça e...

- Luan! – o garoto mais velho gritou – isso é coisa de se fazer com as pessoas?

O tal de "Luan" mudou de comportamento e pediu para seu companheiro se abaixar. Assim, de uma forma tímida como se contasse um segredo, ele ficou por um bom tempo falando no ouvido do outro garoto.

- O que foi? – perdi a paciência e perguntei.

- Meu maninho aqui está te pedindo desculpas, né Luan? – o menino sacudiu a cabeça confirmando – ele só queria saber se você era real de verdade.

- Como assim? – perguntei não entendendo.

- Luan disse quem em sua escola, a professora leu o livro do Pequeno Príncipe e que você se parecia muito com ele.

Aquilo me soou estranho. De fato eu não era assim tão alto, tinha uma pele branca que vira e meche ficava vermelha e os cabelos loiros, bagunçados como o do pequeno príncipe da história. Mas nunca tinha sido comparado a isso.

- Bem, desculpa por ter chutado a sua bola longe Luan, se quiser eu posso ir lá pedir de volta.

Aquilo fez o moleque se agarrar nos braços do irmão. Tinha algo errado no pequeno, ele deveria ser mega tímido, ou mudo mesmo, pois ele não soltava uma sílaba se quer.

- Lá não mora ninguém – seu irmão mais velho respondeu – na verdade, nunca morou. Acontece que no último mês foram assassinados duas pessoas naquela casa. Um jovem de dezessete anos e um senhor de quarenta e dois.

- Sério isso? – perguntei meio assustado olhando para a casa, de fato ainda podia se enxergar uma fita amarela da polícia enroscada no gigantesco muro.

- Sim, um jovem de quinze também está desaparecido. Mas eu ouvi meu pai dizer que a polícia está achando pistas. É por esse motivo que ninguém está pelas ruas.

- Eu tenho que contar isso para minha mãe – falei na esperança de colocarmos a mudança de volta no caminhão e sumir desse lugar.

- Bem, em todo caso, meu nome é Leandro – o garoto estendeu o braço para um aperto de mão – e esse é meu irmão Luan.

- Eu sou o Murilo – falei esquecendo meu último pensamento e me perdendo no belo rosto de Leandro.

- Se você quiser – Leandro disse – hoje a noite vamos voltar a sair na rua. Venha conhecer a galera! Hoje a noite a brincadeira começa as seis da tarde.

- Brincadeira? – perguntei, eu já tinha dezesseis anos e não brincava fazia um bom tempo. – Quem brinca ainda nessa idade?

- Bem - Leandro respondeu – eu tenho dezesseis anos e jamais quero parar de brincar. Qual é, é divertido, você vai aparecer né? Se não eu vou até sua casa te chamar.

- Tudo bem – eu respondi com um sorriso e borboletas no estômago – eu apareço.

- Ótimo! – seus lábios se abriram de alegria – hoje à noite vamos voltar com o nosso típico esconde-esconde.

...

Tomei o meu primeiro banho na casa nova. Sentia em meu corpo inteiro o maior cansaço de todos os tempos e entrar em baixo da água gelada me fez acordar por completo. Havíamos passado o dia inteiro arrumando a casa e no fim do dia apenas ficaram faltando montar uns móveis da cozinha.

Terminei meu banho e me enxuguei com a toalha. O quarto que eu dividiria com meu irmão era o maior da casa inteira. Tinha espaço para nossas camas, nossos guarda-roupas e todas nossas outras coisas. Meu irmão enfeitou o quarto inteiro com seus posters de bandas de rock, videogames e imagens de mulheres seminuas. Apesar de achar ridículo e babaca, não arrumei briga, pois a melhor parte do quarto ele pareceu não se interessar. Uma porta de correr amarela e enferrujada abria uma pequena sacada que dava visão da rua inteira e além disso, uma bela vista do céu.

- Por favor! – Danilo disse com sua voz rouca e emburrada – se troca no banheiro que eu não estou a fim de ver seu piruzinho aqui não!

De raiva, arranquei a toalha e desfilei nu pelo quarto até chegar em meu guarda-roupa. Danilo revirou os olhos e tentou fazer alguma piadinha, mas não obteve sucesso. Vesti minha melhor calça jeans, uma camisa polo branca e um par de tênis de esporte. Observei-me no espelho por alguns minutos penteando a minha cabeleira loira. Depois de muito tempo, finalizei o cabelo e passei o meu perfume mais cheiroso.

- Aonde a dondoca pensa que vai arrumadinha assim?

- Vou dar o cu! – respondi com um sorrisinho no canto da boca – você deveria ir também para ver se traz alguma felicidade nessa sua vida.

Desci as escadas e peguei meu celular em cima da mesa. Minha mãe preparava o jantar, algo que parecia um macarrão, mas tinha cara de miojo. Minha mãe nunca foi de cozinhar, meu pai era o responsável por isso lá em casa. Pensar nele me fez ficar triste novamente.

- Mãe!!! – gritei já me encaminhando para o portão de casa – estou indo sair aqui na frente de casa. Já já estou de volta!

Minha mãe berrou algo dentro de casa, mas nem pensei em escutar. Apenas caminhei até a esquina da parte de cima da rua, onde se encontrava um montinho de garotos e garotas.

Leandro me viu e acenou para me chamar. Logo umas vinte cabeças olharam em minha direção. A diversidade de idade era gigante, crianças de uns dez anos até rapazes barbudos, todos reunidos em roda discutindo alguma coisa.

- E aí carinha! – Leandro chegou perto de mim e me cumprimentou com um soquinho – porque você está tão arrumado assim?

Ele tinha razão, muita razão! Todos os garotos vestiam roupas simples, chinelos de dedo e no máximo um boné. Apenas eu estava vestido como um garotinho da cidade grande. Leandro vestia uma camisa regata vermelha e uma bermuda de futebol. Admirei seu corpo por um bom tempo até achar uma resposta decente.

- É que mais tarde eu vou sair com minha mãe, sabe? – pisquei esperando que ele caísse nessa minha desculpa.

De repente sinto uma mão passando por meu ombro me fazendo pular de susto:

- Ei Leandro! Quem é esse seu amiguinho engomadinho aqui?

Meus lábios se contraíram em um sorrisinho tonto enquanto eu tentava escapar dos braços daquele garoto. Ele era uns trintas centímetros maior que eu, cabelos castanhos encaracolados cobertos por um boné de aba reto.

- Esse é o Murilo – Leandro respondeu não mostrando muito interesse por esse garoto – ele se mudou hoje.

- Ótimo dia para chegar em cara – O garoto não largou de mim, aliás, se aproximou até ficar cara a cara comigo – começaremos a brincadeira novamente hoje! Espero que você não tenha medo, da última vez um garoto e um pai de família foram mortos e o outro não foi encontrado até hoje...

- Cala a boca Sílvio! – Leandro gritou fazendo o menino se afastar um pouco de mim.

- Só estou avisando... – o menino finalmente se afastou e deu a mão para eu apertar – prazer, meu nome é Sílvio.

- Prazer... – respondi com certo receio.

A galera esperou por mais uns dez minutos para mais crianças chegarem, no total eu contei 31 pessoas em torno da rua. Prontos para começar a brincadeira da vila.

- Vocês fazem isso todo dia? – perguntei a Leandro.

- Algumas vezes – ele respondeu com um sorriso – mas nas férias é mais frequente. Então pode ir se acostumando que isso é uma das únicas formas de divertimento por aqui.

Aos poucos Leandro foi me apresentando toda a galera. Guardei alguns nomes como Luana, uma menina super bonita que morava em frente de casa. Fernando, um menino loiro sardento da minha idade. "Nô", um garoto negro muito bonito e engraçado. Chico, Vitinho, Vitão, Gui, Elis, Jaque, Nando, Morcego, Tião, Fred... os nomes eram impossíveis de se decorar, mas mesmo assim todos pareciam se conhecer naquela rua e o nomes mais comentados eram "Caio e Jorge".

- VAMOS LÁ ENTÃO PESSOAL! – o menino Sílvio deu um berro – TEMOS UM CARINHA NOVO HOJE.

Todos me olharam e eu abaixei a cabeça de vergonha. Tentei abrir um sorriso forçado, mas já não tinha forças nem para isso.

- E O QUE VOCÊS ACHAM DE ELE COMEÇAR BATENDO CARA HOJE? – Sílvio disse com a aprovação dos meninos mais velhos atrás de si.

Aquilo não era nada bom. E se estavam inventando aquela história de mortes só para me assustar? Eu tinha dado uma bela abertura para me zoarem, comecei a me arrepender de ter vindo até que eu olhei para o Leandro que mantinha um sorriso sincero em seu rosto.

- Vai lá – ele falou – vai ser divertido! A maioria das crianças se esconde atrás do muro lá em baixo! São trinta pessoas, é impossível você não pegar ninguém!

Suas palavras me reconfortaram um pouco. Vi pela primeira vez seu irmãozinho ao seu lado que não me falou nada, apenas deu um joia com o polegar me incentivando ir até lá.

Segui até ao grande muro de tijolos que tinha duas riscas feitas com carvão que delimitavam o "bate". A regra era clara, eu achava alguém e corria até lá para dizer o nome da pessoa. Parecia simples, mas mesmo assim eu senti um calafrio na espinha.

Todos falaram seu nome rapidamente para eu aprender, inutilmente. Concentrei-me em virar a cara na parede e fazer uma fenda com o braço para tentar espiar. Sílvio estava justamente do meu lado e deu um baita beliscão em meu ombro.

- Sem espiar engomadinho! – ele disse ao som de risadas – até cem, bem devagar, ok?

Com raiva, virei, fechei os olhos e comecei a contar... 1,2,3,4,5...

Na calada da noite, senti as trintas almas se dispersarem na velocidade de um relâmpago. Cheguei no número dez e já não conseguia ouvir uma voz sequer. Continuei contando e quando eu cheguei no quarenta, uma mão tocou as minhas pernas. Virei e encontrei o pequeno Luan me observando com um olhar de alerta no seu rosto fofinho.

Ele apontava para cima, aonde havia apenas pastagem. Ele queria muito falar alguma coisa, mas sem o irmão ali ele não iria dizer nada. Com certo receio eu tentei perguntar o que estava acontecendo e ele apenas apontou novamente para cima e fez uma joia novamente.

- 61, 62, 63 – continuei contando para não desconfiarem. Procurei-o novamente, mas o garoto de dez anos já havia desaparecido.

Fiz um mapa da vila na minha cabeça. Todas as sete ruas ficavam na vertical, sobrando duas grandes ruas que ligavam todas as outras na horizontal. Das duas ruas principais, uma era completamente asfaltada e ligava ao resto da cidade e a outra era de terra, aonde atrás tinha uma grande pastagem escura onde os garotos deveriam empinar pipa. Luan me apontou a parte de cima da rua e então eu deduzi que deveria ter alguma coisa naquela pastagem.

- 97, 98, 99, 100! – gritei, fazendo minha voz ecoar pela rua.

Com atenção, virei à cabeça para todos os lados a procura de alguém ou algo. A rua estava completamente vazia. Consegui ver em algumas casas algumas luzes acesas ou barulhos de televisão, nada mais. Perguntei-me se era seguro subir até o pasto, talvez fosse apenas Luan querendo vingança pela bola que eu chutei para longe.

Resolvi não arriscar. Devagar e atentamente eu subi passo a passo até chegar o fim do asfalto. A areia iria sujar todo o meu tênis, mas mesmo assim eu fui até aonde a luz me iluminava.

Tudo era escuridão. O máximo que eu consegui enxergar era uma árvore a uns cinquenta metros de distância. Pensei em desistir, mas lembrei-me de um truque. Peguei meu celular e liguei a lanterna. O jato de luz não era tão forte, mas foi o suficiente para eu perceber que não havia nada naquele pasto.

O tempo estava passando e a qualquer momento eu sentia que algo iria acontecer. Senti novamente um calafrio na espinha e me virei para rever a rua. Nada. Voltei a encarar o pasto e dessa vez a fraca luz do meu celular iluminou algo o mais longe possível.

Algo, a centena de metros distante, havia se movido.

E então tudo aconteceu rápido de mais. As luzes dos postes começaram a oscilar e a piscar o mais rápido possível. Minha barriga se contraiu de medo e eu corri para longe a procura de tentar sumir.

Seja lá o que estava acontecendo, eu era o alvo.

Sempre tive medo do escuro. Estava tudo escuro quando chegamos em casa e minha mãe acendeu as luzes e encontrou o meu pai morto no sofá. Ainda me lembro da sua cabeça estourada e o revolver em sua mão. Aquilo já se passava quase um ano, mas ficaria gravado em minha mente. Na escuridão sempre ocorria coisas estranhas.

E eu senti que daquela vez não seria diferente.

As luzes da rua inteira se foram. Os postes de energia se apagaram. Tentei correr até minha casa, mas um desnível no chão me fez tropeçar e cair. Com certeza eu havia torcido o meu maldito pé. Eu não sentia medo pelo que aconteceria comigo, eu só sabia que quando as luzes voltassem algo estaria completamente errado.

Então eu ouvi gritos. Muitos gritos. E as luzes retornaram.

A penca de 30 pessoas saiu da última casa da esquina e correram para o bate em meio de gritos e gargalhadas, enquanto isso eu tentava me levantar do chão sem parecer um completo bocó, mas aquilo foi impossível.

Entendi tudo antes mesmo de me contarem. Todos haviam se escondido dentro da casa da esquina para tentar me zoar. Luan não apontava para o pasto e sim para a casa. Ele realmente queria me ajudar.

O que mais me encheu de ódio foi ver o Leandro no meio dos garotos mais velhos chorando de dar risada.

- Parabéns galera! – disse com sarcasmo – vocês foram gênios.

Bati a sujeira da minha roupa e virei as costas para ir embora.

- Aonde você pensa que vai? – Sílvio gritou por mim – ainda está com você engomadinho!

- Amanhã a gente continua – respondi – me machuquei feio enquanto estava tudo apagado.

- Você está bem? – Leandro perguntou vindo até minha direção – desculpa cara, foi só uma brincadeira. O pai do Sílvio é eletricista e ele sabe fazer essas luzes piscarem...

- Relaxa – respondi puto – eu tenho que ir pra casa, minha mãe deve estar...

E a luz se apagou novamente.

E dessa vez um único grito ecoou por toda a rua.

Todas as pessoas se entre olharam preocupas, todos ali se conheciam, mas ninguém reconheceu o grito agudo e cheio de desespero. Olhei para Leandro e vi no seu rosto uma preocupação esquisita.

Ele foi o único a reconhecer a voz.

Ele era o único que sabia como era a voz do seu pequeno irmão.

Todos correram até a rua principal, ao lado de um terreno baldio aonde as crianças se escondiam atrás de um muro. Leandro estava na frente de todos e por um momento a rua inteira entrou em choque. Abri caminho por meio da multidão de adolescentes, crianças e um bolo de gente que se formava em volta do muro. Uma luz fraca chegava até aquela região, mas a cena era tão forte que até mesmo no escuro era possível de se ver.

Leandro estava ajoelhado ao lado de seu irmão. O pequeno Luan estava deitado de barriga para cima encarando fixamente o céu como se contasse as estrelas ou olhasse o quão alto ele tinha chutado a sua velha bola de futebol.

E ele nem parecia notar uma faca aterrada no meio do seu peito.

...

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Comentários

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Cesar!!! Caramba?? Po, li seu conto inteiro no outro site, mas nunca comentei (apesar de ter achado muito bom!). Foi legal ver você aqui, e de conto novo! :)

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