Gabriel narrando.
Se tem uma coisa que eu não iria fazer era aquela luta idiota. Eu não gostava dessas coisas e meu pai sabia muito bem disso.
- O quê? Eu não vou fazer luta nenhuma, você sabe muito bem o quanto eu detesto isso. E não era você que era contra violência?- Perguntei meio indignado.
- Filho eu continuo sendo contra violência, mas nessas circunstâncias você vai ter sim que fazer essas aulas de luta. Eu não vou deixar que você ande por aí apanhando de qualquer um na rua, você tem que aprender a se defender garoto. O Max não vai ta sempre ao seu lado pra te defender, ele tem a vida dele. Isso é incontestável, você querendo ou não, vai ter sim que frequentar as aulas. Papo encerrado.- Que saco! Eu não acredito que eu iria mesmo ter que fazer aquilo.
- Pai, que providências são essas que você falou que iria tomar contra os garotos que me agrediram?- Mudei de assunto.
- Bom, o tal do Diego ja tem 18 anos, então vamos prestar queixa contra ele mais tarde, e você vai ter que fazer corpo de delito.- Nossa eu teria que ficar pelado na frente daquelas pessoas todas? De repente eu comecei a ficar nervoso.
- Não pai, por favor eu não quero ter que ficar pelado na frente de um monte de gente.- sentei na cadeira.
- Que monte de gente meu filho? Você pensou o que, que iria ter que ficar assim na frente da delegacia toda? Claro que não. Você vai estar em uma sala tipo um consultório com um médioco legista avaliando os seus machucados.- Menos mal.
- Eu posso chamar o Max prar ir com a gente?
- Claro, que bom que você confia nele meu filho. Agora queria falar sobre outro assunto, o Gustavo.- Fechei a cara imediatamente.
- O que é que tem?
- Olha eu até sabia das diferenças de vocês, Mas eu nunca imaginei que ele fosse chegar nesse ponto. O Max me falou do tapa que o Gustavo te deu também. Aquele garoto passou dos limites. Ontem depois de tudo aquilo que você disse pra ele, ele teve uma crise de choro terrível, ele não conseguia parar de chorar momento algum. Você não deve ter escutado, pois estava no seu quarto e provavelmente chorando também. Eu sei que ele agiu totalmente errado com você e ter te visto naquele estado deve ter finalmente feito a ficha dele cair, eu até tomei as chaves do carro dele ja que a unica exigencia que eu tinha era que ele buscasse e levasse vocês na escola e ele não cumpriu e nem me ligou para ir te buscar. Mas você não acha que pegou muito pesado com ele falando que ele morreu pra você?- Levantei-me imediatamente.
- Eu não acredito que depois de tudo que ele fez comigo, o senhor ainda tem coragem de vir defendê-lo.
- Não é isso, é só que essas coisas a gente não fala ne pro nosso pior inimigo filho. Nós não podemos pagar o mal com o mal, é bíblico.
- Olha quer saber de uma coisa? eu não vou ficar aqui ouvindo você defender aquele asqueroso. Mal com mal, bem com bem, não me interessa! Eu não tenho sangue de barata e chega uma hora que a gente não aguenta mais. Pra mim ele morreu sim, inclusive se ele morresse de verdade, me faria um grande favor, seria menos alguém me atormentando.- Falei com um tom de voz mais elevado.
- Meu filho, não diga uma besteira dessas pelo amor de Deus. Ele é seu irmão.- Comecei a rir.
- Aaah então quer dizer que agora ele é meu irmão? Mas na hora de me deixar quase morrendo ele não pensou nisso né? Quando ele me humilhava através de palavras ele também não pensava nisso né? Agora então pelo simples fato de ele ter se arrependido ele virou "o" santo, "o" puro de coração. Tá bom cláudia, senta lá.
- Mas ele não teve culpa de terem te batido.
- Claro que teve. Uma coisa é você atrasar um compromisso ou faltá-lo por algum contra tempo ou por algum outro compromisso que tenha surgido na hora. Agora não ir me buscar por motivos nenhum, não avisar que não vai me buscar, só por pura babaquisse não é ter culpa?- Meu pai se calou, vencido.- Quando nós formos para a delegacia você me chama, vou estar no meu quarto, perdi a fome.- Virei-me para sair e dou de cara com o Gustavo na porta da cozinha, ele tinha ouvido tudo. Comecei a andar em direção a porta e quando cheguei perto dele, ele segurou meu braço.
- Me larga.- Puxei meu braço.
- É verdade o que você falou? Que queria que eu morresse?- Ele me parecia bem triste. Que maravilha, pois eu tinha a inteção de deixá-lo bem pior. Eu podia não ser bom de briga, mas com palavras eu era ótimo. Olhei fundo em seus olhos.
- Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida.- Ele abaixou a cabeça.- Olha você deve se lembrar do nosso trato de ontem né? Do que você morreu pra mim, lembra? Então, eu não costumo falar com gente morta e seria de grande agrado que você não falasse mais comigo e nem se referisse a mim. Ah, mais uma coisa, ver gente morta é uma sensação muito desagradável. Experiência da qual eu quero ser poupado, então faça o favor de não frequentar o mesmo cômodo que eu ao mesmo tempo nessa casa. Se você acha que conseguiria o meu perdão com duas gotinhas de lágrimas, está enganado em todas as formas geométricas, não só redondamente.- Saí dali com a alma lavada. Se ele achou que iria ser fácil, de agora em diante ele vai comer o pão que o diabo amassou para no mínimo eu voltar a falar com ele.
Subi as escadas e encontrei minha mãe na minha cama. Eu ainda não tinha visto o Max naquele sábado.
- Cadê o Max, mãe?
- Foi para a rua jogar bola com os amigos dele da igreja. Esse garoto só pensa nisso. Decidi tirar ele do castigo ja que ele está sendo tão legal com você.- Sorri sem monstrar os dentes. Ela tinha razão, como o Max mudou. deitei em seu colo e ela começou com o carinho em meus cabelos. Como eu amo minha mãe! Nós sempre fomos muito apegados, até mesmo pela minha personalidade diferente.
- Mãe o Max se tornou o meu porto seguro. Ele tenta me proteger de tudo ao máximo. Eu amo muito ele.
- E eu em? não sou mais nada pra você em?- falou com uma falsa tristeza que me fez rir.
- Claro que é dona Júlia. A senhora é a melhor mãe do mundo.- Beijei seu rosto.
- Estou brincando meu filho, fico muito feliz da relação de vocês ser tão bonita assim. Que pena que o...- a interrompi.
- Se a senhora for falar do seu filho mais velho, eu juro que vou la pra sala.
- Tá, tudo bem, não está mais aqui quem falou. Não sei o que vai ser dessa família se isso continuar assim.- Eu entendia sua preocupação, ela é nossa mãe, mas o que ele fez não é algo que se esqueça assim tão rápido.
Passamos a tarde toda conversando e lá pelas 17:30 hrs o Max chegou todo suado e começou a se despir na nossa frente.
- Ô garoto você não tem vergonha nessa sua cara não em? Chega assim e vai logo ficando peladão na nossa frente.- Minha mãe começou a dar bronca nele e eu comecei a rir.
- Ah mãe, fala sério né? A senhora que deu a luz a mim e agora fica com frescura. Fora que eu estou o maior gato, fala aí?- Ele estava com muito bom humor e com um sorriso de orelha a orelha. Minha mãe começou a rir.
- É claro né? Eu quem te fiz, teve a quem puxar.- Ela entrou na brincadeira.
- Claro que tive, ja viu meu pai?- Ele começou a rir alto.
- Eu deveria ter tido uma menina pra me ajudar nessas horas.- Eu estava rindo muito também, Max me olhou com uma cara diferente e o meu sorriso se desfez na hora. Foi como se eu tivesse lendo seus pensamentos. Foi um olhar meio acusatório. Ele estava insinuando que eu era "a menina" que a minha mãe não teve. Me deu um frio na barriga só que de decepção. Parece que ele não tinha mudado tanto assim. Que ridículo achar que só pelo meu jeito, eu era todo delicado como uma menina. Ele nem sabia que eu gostava de garotos e ja demonstrava um certo preconceito em relação a mim. Aquele olhar transmitiu muito mais que uma frase transmitiria. Primeiro que ser gay não significa ser mulher e muito menos que absolutamente do nada eu começaria a desenvolver trejeitos afeminados. Eu continuaria sendo eu mesmo, só que gostando de homens. Ficar pensando na forma que ele me olhou me deixou extremamente angustiado.
- Vai tomar banho, você está imundo.- Ele continuou rindo como se nada tivesse acontecido.
- A senhora não quer me dar um abraço?- Ele veio pra cima dela.
- Nem ouse garoto, nem ouse.- Ele foi para o banheiro. Meu pai apareceu na porta.
- Vamos filho?
- Vamos.
- Não vai chamar o Max?
- Não, acho melhor não. Ele está no banho e também deve estar cansado. Vamos, quero acabar logo com isso.- Eu não iria ficar a vontade com o Max por perto naquele momento.
Chegamos na delegacia minutos depois, eu estava apreensivo. Meu pai passou o braço em meus ombros.
- Vai dar tudo certo ta bom? Relaxa, eu tô aqui com você.- Falou me passando segurança.
Entramos e logo o B.O. foi feito. Chegou a hora de fazer o exame.
- Pai entra comigo, por favor?
- Claro filho.
- Boa noite.- Disse o médico legista.
- Boa noite- Eu e meu pai falamos juntos.
- você pode tirar sua roupa por gentiliza?- Nossa nessa hora eu devo ter ficado bem corado. tirei né, fazer o que? Ele me examinou e anotou algumas coisas que seriam usadas como provas.
- Bom, terminamos. Pode se vestir.- Graças a Deus essa tortura acabou.
- Agora você irá para a sala ao lado pra conversar com a nossa psicologa ok?- Fato novo esse. Olhei pro meu pai que respondeu com uma pergunta.
- Mas por que?
- Geralmente em casos de adultos não existe essa consulta com o psicologo, mas como ele é um adolescente, é preciso que haja essa consulta para ver se não restou traumas.
- Tudo bem então, Vamos gabe.- Andamos até a sala ao lado.
- Oi, Prazer, eu me chamo Aline e sou a psicologa daqui da delegacia.- estendeu a mão para o meu pai e depois pra mim.- Eu gostaria que o senhor nos deixasse a sós pra gente bater um papo pode ser?
- Tudo bem, vou estar te esperando aqui fora filho.- concordei com a cabeça. Ele saiu.
- Então Gabriel, me conte sobre você, sobre a sua vida.
Comecei a falar de mim pra ela. Sobre tudo, meu jeito de ser, sobre a forma como os meus irmãos me tratavam, absolutamente tudo. ela ia me fazendo algumas perguntas e eu respondia. Só não falei do fato de ser gay, até porque nem eu mesmo me considerava assim. Apesar de gostar de garotos, eu nunca tinha me aceitado.
- Então é isso, acabamos Gabriel.- Saímos da sala e meu pai nos aguardava.
- Miguel, você pode entrar aqui na minha sala por um instante?
- Tudo bem, filho espera aqui. Ja volto.
Miguel narrando.
Entramos e ela começou a falar.
- Olha por incrivel que pareça o seu filho não tem nenhuma sequela emocional ligada ao que fizeram com ele.- Ufa, que alivio.- Porém, existem sim muitos traumas psicológicos e eles estão extremamente ligados à forma que ele foi tratado pelos irmãos. Ele sempre foi diminuído pelos outros, tratado como inferior, principalmente pelo mais velho, como é mesmo o nome dele?
- Gustavo.- respondi baixo... Meu Deus que vergonha. Meu filho sofrendo dentro da minha própria casa.
- Ele mesmo. O Gabriel me falou das coisas horríveis que o irmão o fez passar e que inclusive toda essa situação poderia ter sido evitada por ele. Você sabia que eu poderia denunciá-lo por negligencia? De certa forma o seu filho foi abusado todos esses anos psicologicamente, e o adulto responsável, no caso você não fez nada para acabar com essa situação. Onde você esta enquanto o seu filho passava por isso?
- Olha eu-e-eu trabalho muito sabe, mas eu posso jurar q-que eu sou um pai amoroso eu juro...- Eu ja estava desesperado. Ser denunciado, meu Deus, como eu pudi ser tão relapso?
- Em nenhum momento eu questionei a forma como você trata seus filhos e sim como deixou isso chegar nesse nivel.
- Bom como eu falei, eu trabalho muito e eu sabia que os meninos tem suas diferenças mas nunca pensei que fosse nada demais e também o Gabriel nunca veio reclamar pra mim.- Eu estava muito nervoso.
- Você sabia que se eu denunciá-los, correm o risco de perder a guarda dele?- Nessa hora eu engoli em seco, e realmente me desesperei. Aquilo seria o fim pra mim como pai. Eu não poderia perder o meu filho.
- Não, não, por favor não... eu te imploro, não me faz perder o meu filho. Ele é um dos meus bens mais preciosos.- Eu comecei a chorar.
- Presta atenção, eu não vou denunciá-lo porque percebi que você realmente ama o seu filho. Mas eu realmente espero que você dê um jeito nisso. O Gabriel voltará aqui para as proximas fases po processo que vocês fizeram e se eu descobrir que nada mudou, você estará bem encrencado. Eu não brinco em serviço e não vou deixar que ele continue sofrendo assim, entendido? Agora você está liberado.
Saí de cabeça baixa e muito envergonhado. Quase perco meu filho por causa das idiotices do Gus. Eu não sei onde esse garoto aprendeu a ser tão fútil desse jeito.
- Papai, você está chorando?- Olhá-lo me fez sentir uma dor no peito. Eu ia o perdendo. Como eu amava meu filho. Meu pequeno. Por que fizeram isso com ele? Ele era incapaz de fazer mal a alguém. Vê-lo com todos aqueles machucados me doía muito.
- Filho, nunca esqueça o quanto eu amo você ta bom?
- Eu também te amo pai, não chora. Vamos?- Andamos até o carro. A conversa com a psicologa não me saía da cabeça. Meu filho poderia ter se tornado alguém mais extrovertido, mais pra cima, mas por culpa do Gustavo ele tinha ficado todo retraído. De repente foi me subindo uma raiva daquele garoto. Ele por pouco não acabou com a nossa família. Ontem eu não fiz nada com ele pois ele teve aquela crise de choro. Mas hoje, ainda mais depois do que a psicologa me falou, aquele moleque ia dormir de couro quente. Chegamos em casa.